A incógnita 2018

O calendário eleitoral de 2018 bate em um ritmo diferente. Normalmente, a um ano da eleição, já é complicado tomar o pulso preciso do que pode acontecer nas urnas. Pesquisas e análises até flagram favoritos momentâneos e indicam apostas, mas ainda é cedo para projeções. O que faz a disputa eleitoral do próximo ano ganhar contornos ainda mais imponderáveis é uma combinação de crise política, polarização ideológica e regras de financiamento de campanha que tornam a corrida por cargos, sobretudo o comando do Palácio do Planalto, muito mais imprevisível. De quebra, a democracia brasileira também passará por seu grande teste na Era Digital, com acirramento de ânimos em redes sociais, fake news e robôs condicionando o debate político.

Por enquanto, algumas cartas conhecidas já estão na mesa. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, estará na eleição de 2018, seja como candidato, símbolo ou cabo eleitoral. Nas pesquisas que começam a circular, Lula ponteia, seguido pelo outro polo da gritaria política contemporânea no Brasil: o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC). Ambos inflam e quase fazem explodir as duas bolhas em torno das quais o país orbita, cada vez mais longe da possibilidade de um consenso. Ao lado de Lula e Bolsonaro, nomes que já frequentaram eleições anteriores, como os de Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), aparecem tímidos nas projeções, sem decolar, assim como João Doria (PSDB) e Alvaro Dias (PODE). O cenário de incertezas alimenta a especulação sobre a entrada no jogo de um elemento surpresa, alguém de fora da política partidária tradicional, como o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, ou uma figura carimbada que até o momento não tenha se assumido como pretendente, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

O primeiro ponto a ser analisado é justamente esta possibilidade de amadurecer uma terceira via. Com a corda do acirramento esticada, o espaço para uma candidatura de equilíbrio é exíguo, pelo menos com as variáveis disponíveis nesse momento. “Nenhuma força política tem condições de, por si só, exercer este papel. O que tínhamos de centro político no Brasil desmoronou. O PMDB e o PSDB estão aliados, o que favorece os extremos, que também não têm força política para impor o seu ponto de vista. Se não superarmos o tensionamento, não saímos do buraco”, analisa o cientista político Benedito Tadeu César. Em relação à campanha eleitoral, é de se esperar que, enquanto o flanco mais à esquerda se mova denunciando o desmonte do Estado e a perda de conquistas sociais – ações que estariam em curso pelas mãos do presidente Michel Temer –, à direita o foco estará na exaltação dos tímidos resultados econômicos obtidos até aqui e no suposto acerto das reformas promovidas pela atual gestão.

Entre um viés e outro, também marcará presença o embate em torno da corrupção, que mobiliza o país na esteira da Operação Lava-Jato e acossa a classe política. É inevitável que o tema permeie a eleição de forma polarizada. De um lado, o petismo sendo alvo dos ataques, mas reagindo com a lembrança de que as acusações atingiram toda a classe política, inclusive os tucanos. De outro lado, o discurso moralizador, que despreza a atividade política tradicional e recorre a soluções milagrosas. O que ainda é arriscado medir é a força eleitoral e o alcance de uma cruzada ética, para além dos disparos seletivos de lado a lado. “A bandeira do combate à corrupção está desgastada. Os que assumiram o poder [o grupo político do presidente Michel Temer], impulsionados pela ideia de acabar com a corrupção, também estão vinculados a ela”, lamenta César, que questiona o peso que o Movimento Brasil Livre (MBL) terá na eleição, na medida em que trocou a crítica radical à corrupção por um discurso mais moral e comportamental.

Algumas sondagens capturam um sentimento de resistência com potencial para interferir no andamento da disputa em 2018. Por exemplo: talvez os números mais inquietantes e elucidativos da rodada de pesquisa da Confederação Nacional do Transporte/MDA, divulgada em setembro, sejam os que flagram a descrença dos entrevistados em relação aos atuais postulantes ao cargo máximo do país. Os sete nomes que lideram a consulta têm um potencial negativo de voto superior ao positivo. Isso quer dizer que há mais pessoas dispostas a não votar neles do que inclinadas a optar por um dos nomes já colocados na eleição presidencial que se aproxima. No caso de Lula, por exemplo, enquanto 47,9% dos consultados admitem conceder um terceiro mandato ao petista, 50,8% rechaçam esta possibilidade. No caso do vice-líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro, os percentuais são ligeiramente piores, sinalizando um maior atrito eleitoral: enquanto 45,7% aceitam votar no deputado federal, 52,2% recusam-se a apostar nele. Entre todos os nomes que estão na lista da CNT/MDA, o do senador Aécio Neves (PSDB) é o que enfrenta a maior resistência: 72,5% dos entrevistados descartam um voto de confiança no tucano.

Uma breve retrospectiva da crise política em que o Brasil se meteu – e que lança sobre a corrida eleitoral ares de imprevisibilidade – exige que se associe o quadro atual à dissolução dos fundamentos da economia. Desde 2011, a país assistiu ao derretimento de conquistas obtidas nas duas primeiras gestões do PT à frente do Palácio do Planalto. É inegável que os indicadores negativos – como desemprego e recessão – turbinaram os protestos que culminaram na saída da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. Também foi a possibilidade de retomar alguma normalidade, e empurrar as reformas nas quais o mercado acredita, que assegurou algum grau de apoio à gestão de Michel Temer. O paradoxal, para os analistas, é que a pauta econômica por enquanto não dá sinais de vir a ocupar um lugar central no debate eleitoral de 2018. Também não estaria personificada em uma candidatura. “A sociedade se distanciou dos problemas econômicos e parece não estar se importando com uma agenda de reorganização, tanto da economia quanto da política. No lugar disso, tem demonstrado preferências populistas”, explica o economista Gustavo Inácio de Moraes, professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Para Morais, ainda estaria em gestação uma outra contradição, por conta da necessidade política incontornável no próximo governo de obter consenso para implementar medidas que revigorem o ímpeto de crescimento do Brasil a partir de 2019. “A agenda econômica está pesada e exige consenso para reconduzir o país. Toda a questão do equilíbrio foi empurrada para o próximo governo enfrentar”, explica o economista, para quem o ambiente saturado da disputa eleitoral pode não arrefecer no início do próximo mandato e inviabilizar o entendimento. Neste cenário, que combina urgências econômicas com a preferência do eleitorado por personalidades populistas, candidatos com perfis mais palatáveis ao mercado e ao empresariado, como o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não chegam a empolgar. “2013 [onda de protestos que varreu o país com discurso de recusa à classe política] indicou uma forte rejeição à política tradicional. Assim, um personagem que venha de fora, alguma celebridade, pode trazer consenso”, diz Moraes.

O raciocínio que indica a possibilidade de uma candidatura chamada outsider – não em função de uma proposta alternativa concreta, mas por ainda não pertencer a uma sigla partidária – geralmente chega até o nome do apresentador Luciano Huck. Em 2014, Huck apoiou o candidato Aécio Neves (2014). Nos últimos tempos, não tem escondido de ninguém o desejo de concorrer. Agrada empresários e se articula em torno de uma candidatura pelo Democratas. Embora já se mova com o figurino de pretendente, com direito inclusive a afagos explícitos de líderes do partido, Huck chegou a negar, em maio, a possibilidade de concorrer, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo. Refutou a ideia, mas deixou portas abertas a uma mudança de opinião. “Não vou deixar de me envolver e de me dedicar à transformação do país”, escreveu.

O site Poder360 mediu pela primeira vez, na consulta que publicou no final de outubro, a viabilidade de Huck. Segundo o levantamento, o potencial eleitoral do apresentador é de 40%, sendo que 21% admitem votar nele “com certeza” e 19% que “poderiam votar”. Ainda são índices menores que os de Bolsonaro (42%), mas superiores ao de outros pretendentes com histórico de participar dos certames eleitorais rumo ao Planalto. “O quadro está longe de uma definição. Na verdade, o que mais temos hoje é espaço. Aliás, a política brasileira se assemelha muito com um deserto onde, como se sabe, há muito espaço. O inconveniente desse tipo de espaço é que é difícil que algo virtuoso germine”, analisa o doutor em Sociologia Marcos Rolim.

A argumentação de Rolim sobre a degradação política do país deriva para um temor quanto à hipótese de o Brasil embarcar em uma ilusão autoritária. Para Rolim, a candidatura Bolsonaro representa um risco que não deve ser subestimado: o de articular em torno dela uma herança anti-humanista e violenta que paira sobre a nossa história política. Na visão de Rolim, alimentada pelo vácuo moral provocado pela derrocada ética do PT, a candidatura Bolsonaro é fará barulho na eleição, mesmo a tendência seja não sair vitoriosa. “A candidatura de Bolsonaro estimula a intolerância e apostará no enfrentamento de rua. Teremos milícias fascistas em 2018, dispostas a espancar e a matar adversários. Entendo que coisas assim são extremamente perigosas e que podem conduzir o país a uma crise institucional muito pior daquela que temos hoje”, lamenta.

Pensar na viabilidade das candidaturas também significa projetar o fôlego financeiro que os postulantes terão, em uma pleito em que a doação direta de empresas não está autorizada. A lei prevê que apenas pessoas físicas possam repassar dinheiro, desde que não ultrapassem o limite de 10% dos rendimentos brutos do ano anterior à eleição. Claro que quem tem mais renda amplia as suas chances de apoiar e, portanto, incidir sobre a eleição. Uma verdade adicional é que candidatos com maior trânsito no mercado e entre a classe empresarial também ampliarão as suas chances. “Nas eleições municipais de 2016 o fenômeno já aconteceu e deve se repetir em 2018: os donos de empresas podendo doar até um limite e tendo o poder de decidir”, reconhece o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) Sérgio Praça.

Outra mudança significativa é a possibilidade de financiamento coletivo por meio de mecanismo de crowdfunding. Autorizadas a partir de 2018, as chamadas “vaquinhas” ampliam a influência de grupos com grande capacidade de compartilhamento e colaboração, como os evangélicos e o MBL. Candidaturas simpáticas a movimentos religiosos ou ideológicos devem se beneficiar. Da mesma forma, a liberação do impulsionamento pago de postagens em redes sociais (para que as postagens alcancem um público maior) será um fator novo, que tornará a internet um ringue ainda mais violento e tenso para a defesa e o ataque mútuos entre concorrentes. “É certo que os candidatos vão usar. Pagar pelo uso de tecnologia é mais barato do que pagar por estrutura”, projeta Praça, para quem os candidatos também deverão usar ferramentas de análise de sentimento nas redes sociais, capazes de detectar humores e ajustar o discurso, deixando-o sob medida para solidificar a simpatia do eleitorado.

Aliás, a tecnologia será um componente do cenário eleitoral em 2018. Não é a primeira eleição com esta marca no Brasil, mas o fato de cerca de 100 milhões de pessoas usarem redes sociais no país é indicador do grau de relevância alcançado pelo duelo eletrônico. Além de nomes e siglas, o eleitor também já precisa ir se acostumando com termos como algoritmos, fake news e robôs se quiser acompanhar os principais fenômenos da próxima eleição. Robôs – os perfis falsos e programados que interagem em larga escala em redes sociais – não votam, mas influenciam. Um estudo da FGV publicado em agosto mostra que cerca de 10% das interações políticas no Twitter na polarizada eleição de 2014 foram executadas por robôs. O fenômeno não tem cor partidária: nos protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff, perfis falsos responderam por 20% das interações dos apoiadores dela.

Nada leva a crer que será diferente em 2018. De acordo com Amaro Grassi, pesquisador da FGV e um dos autores do estudo Robôs, Redes Sociais e Política no Brasil, este tipo de ação artificial acaba inchando os movimentos que os executam. Pela estridência, parecem maiores do que são. “A ação dos robôs está concentrada nos polos, entre os radicais, pois é uma tática de guerrilha. Acaba inflando as posições mais extremas, prejudicando a busca pelo consenso”, avalia Grassi. A distorção agrava-se por conta de outro problema, na opinião de Grassi: a falta de transparência das plataformas digitais, sempre resistentes a repassar informações sobre usuários. A escassez de fiscalização e a fragilidade da regulação importariam para o Brasil ações espúrias já observadas nas eleições dos EUA, França e Alemanha: agentes de fora do país interferindo no debate público, por meio de postagens – seja propaganda direta ou defesa de valores e comportamento –, com chances de confundir o desejo das urnas. A ideia de que o próximo ocupante do Palácio do Planalto possa ser escolhido com a ajuda de grupos ou hackers instalados na Rússia ou na China assusta, mas não se trata mais de um delírio.

Por Alexandre Elmi

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