Com o rigor da lei

Em setembro do ano passado, o discurso de posse da jurista goiana Raquel Dodge para o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) já apontava a linha de trabalho: “Dirijo-me ao povo brasileiro, de quem emana todo o poder, para dizer que estou ciente da enorme tarefa que está diante de nós e da legítima expectativa de que seja cumprida com equilíbrio, firmeza e coragem, com fundamento na Constituição e nas leis”. E é cumprindo com a palavra que a primeira mulher a assumir o posto mais alto na hierarquia do Ministério Público Federal (MPF) completa a metade do mandato.

Contrariando a desconfiança instaurada no país pelas possíveis circunstâncias da escolha da segunda colocada na lista tríplice para suceder Rodrigo Janot, Raquel Dodge resistiu. Ela superou a polêmica de ter sido conduzida à Procuradoria-Geral da República em meio a suspeitas de que o presidente Michel Temer poderia estar tentando se livrar das investigações por corrupção.

A atuação firme e contundente da procuradora-geral também fez esquecer o impacto inicial do constrangimento causado pela visita fora da agenda ao Palácio do Jaburu e, também, pela posse realizada às pressas dentro do Palácio Planalto.

Dando sinais concretos de que tais deslizes não se repetiriam, Raquel Dodge ainda frustrou as expectativas de quem esperava um esfriamento da Operação Lava Jato. E, ao contestar atos do governo que a indicou e fazer andar medidas que atingiram políticos de todos os partidos, confirmou o perfil descrito por amigos e colegas. Rigorosa, técnica e discreta, é uma mulher que não se deixa abater se tiver que enfrentar poderosos nos casos de combate à corrupção.

Dodge encontrou investigações engatilhadas e com potencial para gerar novas ações da Lava Jato, que analisou e deu andamento com cautela. Agentes públicos sob suspeita, independentemente da sigla ou posição, não têm sido poupados.

A trajetória de Raquel Dodge é marcada pela participação em casos importantes do Judiciário nacional. Ela coordenou a força-tarefa da Operação Caixa de Pandora, que investigou esquema de corrupção com participação do então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Também fez parte da equipe que apurou o esquadrão da morte liderado por Hildebrando Pascoal, que ficou conhecido pela alcunha de “deputado da motosserra”.

Raquel Dodge é bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direito pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Ingressou no Ministério Público Federal em 1987, classificada em segunda lugar, e foi promovida por mérito aos cargos de procuradora-regional da República e de subprocuradora-geral da República.

No comando da PGR, até agora, a magistrada não fugiu dos enfrentamentos e demonstra que sua gestão não vai entrar na história engavetando processos, como projetou no dia da sua posse o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, contemporâneo de Raquel no MPF: “Quem apostar que Raquel será leniente, vai errar. Ela é ambiciosa e sabe que tem um nome a zelar. Seria uma frustração ver o contrário”.

Sua atuação, aliás, tem confirmado seu objetivo de mostrar que não deve obrigação a ninguém, nem está disposta a livrar qualquer pessoa ou grupo partidário de responder aos ditames da lei. Os atos de Raquel Dodge, há um ano no cargo, estão quebrando a resistência e a desconfiança de quem, porventura, ainda não acredita na sua qualificação e capacidade de conduzir a PGR com independência. É preciso reconhecer: suas decisões não têm o intuito de agradar gregos ou troianos. E, assim, fortalecem a imagem da procuradora para seguir cumprindo o dever da instituição com a população brasileira.

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