Como o governo pode corrigir uma distorção criada por ele mesmo?

Junto com a discussão de um ajuste fiscal no Brasil, apareceu o tema dos subsídios e a necessidade de revê-los como forma de promover, mais rapidamente, o equilíbrio das contas públicas. Também pudera: de acordo com dados do Ministério da Fazenda, o orçamento de 2019 contempla um total previsto de R$ 306 bilhões (4,1% do PIB) em subsídios espalhados em mais de uma centena de programas, envolvendo diferentes setores produtivos e camadas da sociedade.

Dito dessa forma, parece que a solução dos nossos problemas se resumiria a uma simples revisão dessa política que engordaria rapidamente os cofres públicos. Porém, estamos colocando no mesmo balaio desde temas que envolvem redução de tributos para compra de cadeira de rodas até gastos com o horário eleitoral gratuito.

A verdade é que o assunto é muito mais complexo e demanda uma visão mais ampla e fundamentada, com o objetivo de responder questões como: (i) A definição utilizada para caracterizar subsídio está correta? (ii) As políticas implementadas estão surtindo efeito? (iii) Os valores envolvidos são realmente elevados? (iv) Quais são as regras de entrada e saída dos programas? (v) Quem está efetivamente pagando essa conta?

Os problemas

Adotada em diversos países, a prática de criar uma política pública conhecida como subsídio tem diferentes objetivos. Pode ser usada para reduzir os custos de compra de um produto, viabilizar negócios pouco competitivos ou estratégicos, baratear crédito, reduzir riscos em atividades produtivas ou até transferir diretamente renda para famílias ou pessoas, com foco na melhora da distribuição de renda.

Na verdade, na ânsia de criar uma política para reduzir a distorção criada por ele próprio, o governo, acaba, muitas vezes, gerando uma nova distorção. O ponto ótimo, nesse caso, seria interferir o mínimo possível nas relações da sociedade. Porém, algumas imperfeições – como péssima distribuição de renda e baixa competitividade em um setor – não são perfeitamente equacionadas no curto prazo, e os políticos usam os subsídios como solução paliativa.

Uma das práticas mais comuns está relacionada ao setor agrícola. De acordo com dados da OCDE, nos últimos três anos, foram destinados US$ 620 bilhões/ano em subsídios para o setor agrícola no mundo. Em alguns países, os valores no percentual do PIB não são significativos, como no Brasil e no Canadá (0,4% do PIB). Contudo, em outros ultrapassam a casa do 1%. A maior parte desse subsídio vem no formato de transferência direta de renda aos produtores, na tentativa de mantê-los nessa atividade. E, em alguns países desenvolvidos, como Japão, Coreia, Suíça, Noruega e Islândia, essa transferência ultrapassa os 50% da renda do produtor.

Nesse ponto, os produtores brasileiros são mais independentes, e essas transferências representam apenas 3% da renda total. Entretanto, há uma outra forma de política de subsídio mais perversa para a sociedade, que gera distorção de preços além-fronteiras e atinge o valor de venda de produtos praticado em território nacional. Nesse modelo, com a interferência do governo, os consumidores locais pagam um preço muito maior do que o praticado no mercado internacional.

Para os noruegueses, por exemplo, alguns itens agrícolas custam, em média, 84% a mais do que o praticado no mercado externo. Na Suíça essa distorção chega a 62%, no Japão 73%, e o campeão é a Islândia que consegue fazer a população pagar mais do que o dobro do que um produto similar no exterior. No Brasil essa política praticamente não existe, e estamos dentro do grupo dos países que menos distorce preços internos, juntamente com Austrália, Nova Zelândia e Chile. Sendo assim, temos dois exemplos de formas de subsidio em que o Brasil se destaca de forma positiva em relação a outros países.

No entanto, segundo dados do Ministério da Fazenda, em 2019, serão alocados R$ 33 bilhões em subsídios na forma de “gastos tributários” para o setor. Pode parecer muito, mas desse total R$ 18 bilhões estão relacionados à desoneração de tributos como PIS/PASEP, COFINS e IPI na cesta básica. Pela definição usada, qualquer redução de tributo passa a ser classificada como subsídio.

Se seguirmos nessa linha, o campeão nacional de subsídio seria o Simples Nacional, criado em 2006. O programa determinou a unificação de oito tributos (seis federais, um estadual e um municipal) a serem pagos em uma única guia e destinados a micro e pequenas empresas. A previsão é que, em 2019, esse programa represente um “subsídio” de R$ 87 bilhões. Em tese, estaria beneficiando cada um dos 11 milhões de empreendedores que abriram seu negócio nesse período e milhões de outras famílias.

Há outros programas que atingem diretamente a renda das pessoas. Se você deduz do Imposto de Renda gastos com saúde e educação, por exemplo, está recebendo subsídio, e a estimativa do governo é que esses valores fiquem em R$ 15,5 bilhões e R$ 4,5 bilhões respectivamente em 2019. Se vai receber uma indenização por rescisão de contrato de trabalho, então você está na lista dos subsidiados com estimativa de R$ 8,4 bilhões para esse ano. Tem recursos investidos na caderneta de poupança? Então, não vai pagar IR, o que lhe classifica como alguém que recebeu um subsídio, que deve ser da ordem de R$ 8,2 bilhões. Vai pegar crédito para comprar uma casa? Não paga IOF. Tem imóvel em propriedade de reforma agrária? Não paga ITR. Tem empresa que vende água mineral? Então, não paga PIS/COFINS. É classificada como dona de casa? Então, contribui com menos para o INSS. E a lista segue…

Se assumimos que isso é válido, a redução do imposto de importação entraria como “gasto tributário”, criando a sensação de que seria uma política ruim abrir a economia, enquanto que, na verdade, é o inverso. A população brasileira paga muito mais caro por diversos produtos do que os americanos ou europeus. Ao ver o governo afirmar que vai cortar subsídios para arrecadar mais, fica a dúvida: a qual desses programas está se referindo?

A bem da verdade, diversos desses subsídios impulsionam o crescimento da sociedade, enquanto outros servem para nos “proteger” da mão pesada do Estado. Espero, dentre outras desonerações nefastas, ver o fim de programas de anistia tributária que isentam determinados segmentos da sociedade de pagar juros, multas e encargos sobre o imposto devido. Apenas em 2017 e 2018, o Governo Federal aprovou programas que resultarão em anistia de R$ 83 bilhões ao longo dos próximos anos. Isso, sim, cria a sensação de impunidade para quem paga tributos em dia.

Possíveis soluções

O Brasil não está sozinho no uso de políticas de subsídios, mas, certamente, é um dos que têm a lista mais extensa. Os EUA, por exemplo, promovem diversos subsídios para seus cidadãos. Destaque para programas como Medicare, que atinge mais de 55 milhões de pessoas idosas ou com deficiência, programa de seguro saúde para crianças e para famílias de baixa renda (Earned Income Tax Credit), que beneficia outros 73 milhões de pessoas. Há ainda o programa de redução do pagamento de juros de hipotecas. Mas lá, como em diversos outros países desenvolvidos, antes de implementar esses programas, há uma extensa discussão sobre seus benefícios. Também são criadas regras de monitoramento para ver a eficácia desse instrumento após um certo período de tempo.

É essa a discussão que falta no Brasil. Tamanha profusão de políticas de incentivo, sem adequada aferição e sem o devido controle, pode não estar incentivando nada. Corremos o risco de estar criando uma relação de dependência entre os agentes privados e o Estado, dentro de um ciclo vicioso de toma-lá-da-cá. Assim, os grupos mais organizados acabam ganhando. Nesse caso, a melhor forma de resolver isso seria reduzir o tamanho do Estado.

Quanto custa | Igor Morais

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