Confusão: um terreno fértil para a violência – Por Igor Morais

O brasileiro está com medo da escalada da violência e, mais ainda, da falta de perspectiva de resolução dessa calamitosa realidade. A origem dessa descrença pode estar na frequente confusão encontrada na forma de interpretar suas causas e propor soluções. Escutamos que os motivos variam entre desigualdade de renda, o porte de armas, o minguado gasto com segurança pública, a nossa cultura, a falta de educação, as drogas, a ineficácia das nossas cadeias, dentre outros. Já as propostas circulam entre banir o porte de armas, construir mais presídios, aumentar o controle sobre eles para, por exemplo, impedir obviedades como entrada de celular, aprimorar a estrutura física e humana da polícia, reduzir a maioridade penal. No entanto, mesmo quando alguém tenta mostrar um pouco mais de tecnicidade nessa análise, inserindo dados de outros países, comete erros.

A comparação internacional deve ser feita com cuidado, pois há diferenças nas formas de classificação dos crimes. Por exemplo, o conceito de homicídio varia entre alguns países. Outro erro comum é comparar os índices de países com características internas muito distintas. Como comparar os EUA, onde a legislação difere entre os estados e a miscigenação étnica é importante, com países com menor população, como a Suíça, que tem menor diversidade cultural e leis nacionais. Note que há estados americanos com elevada incidência de porte de arma, como Colorado, Utah e Dakota do Norte, onde as taxas de homicídios são menores do que países com população similar e distribuição de renda próxima, mas que exercem o controle de porte de arma. Vamos analisar alguns desses pontos.

Os defensores do desarmamento acreditam que essa seria a melhor solução para derrubar as taxas de homicídios. Trata-se de uma falácia, já que desconsidera a ausência de evidência estatística de que essa relação existe e também que quase 60% dos homicídios no mundo são causados por outras armas, que não a de fogo. Há países com maior controle de armas, como Inglaterra, Canadá e Austrália, onde os homicídios ainda mantêm taxas altas. Aliás, nos anos seguintes à implementação do controle nesses países, o que ocorreu foi o inverso: a taxa de homicídio aumentou. A taxa de homicídio na Austrália é maior do que a verificada na Suíça, na Itália e na França, países onde não é difícil comprar e manter em casa uma arma. Além disso, em 2013, por exemplo, os assassinatos cometidos com faca na Austrália representaram 43% do total.

Polêmica

O tema prisional é outro que causa muita polêmica. Isso porque as relações entre prisão e crime variam muito ao longo do globo. Se de um lado podemos correlacionar de forma proporcional o aumento da taxa de presos por habitantes com a taxa de homicídios por habitante, também podemos ver casos, como o do Brasil e do México, onde a taxa de preso por habitante é baixa mesmo com uma taxa de criminalidade elevada – a frequência de prisões no Brasil é menor do que a verificada na Rússia, na Tailândia e em Cuba. Também há casos onde a taxa de prisão é alta e a taxa de criminalidade é baixa, como nos EUA, na Inglaterra e na Austrália.

O mesmo acontece quando olhamos do ponto de vista histórico. De um lado temos o Brasil, onde a violência aumenta com o número de aprisionamentos ao longo dos anos e, de outro, na Austrália, onde a violência cai com o aumento das detenções (entre 2000 e 2015 o total de presos no país aumentou em 66%). Ou seja, enxergar a prisão como um fator isolado para solução do crime é o mesmo que ver a árvore e não a floresta.

O fato é que, sim, tem que haver punição, tem que haver lei, tem que ter regras e, o mais importante, elas devem ser cumpridas. A pessoa propensa a cometer uma falta tem que enxergar que o custo (materializado em forma de reclusão ou qualquer outro tipo de pena) é maior que o benefício da transgressão. Ainda há muitos outros pontos polêmicos, como, por exemplo, a maioridade penal. Há países onde as pessoas são consideradas responsáveis pelos seus atos desde os 12 anos, como a Coreia do Sul, enquanto que no México, dependendo do crime, bem antes disso. Na Alemanha, na Itália, no Japão e na Rússia, aos 14 anos. Apenas uma minoria de países, como Brasil, Peru e Colômbia, mantém 18 anos. E, novamente, não há evidência robusta que sustente a tese de que a redução da idade irá resultar em menores taxas de homicídio. A questão é que esse debate é difícil de fazer pois o cenário na sociedade com crimes cometidos por adolescentes com menos de 16 anos é algo relativamente novo. Outra questão frequente é correlacionar diretamente pobreza e violência. Mas, como então explicar os 1,1 milhão de crimes violentos que ocorreram nos EUA em 2015, um país rico com uma boa distribuição de renda?

A violência no Brasil custa muito caro para todos nós, principalmente com o preço impagável da vida. Sabemos que o modelo de combate ao crime no Brasil é falho e devemos continuar a discutir sua solução. Porém, lancemos mão da ciência e da tecnologia para tal. Não há mais espaço nem mais vidas para serem perdidas com especulações, demagogia e discursos politicamente corretos. Não há um único fator que explica esse cenário atual, e não é apenas uma ação que irá resolver. A nossa forma de pensar a sociedade brasileira ficou ultrapassada junto com as nossas capengas e confusas leis. Precisamos de um projeto elaborado de longo prazo para as futuras gerações e que envolva políticas públicas de estado, e não apenas ações governamentais.

Por IGOR MORAIS, Pós-doutorando em economia aplicada na Universidade da Califórnia – Riverside

 

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