Franceses no Brasil: “Non, je ne regrette rien”

Desemprego ou retomada do consumo? Estabilização ou aumento da inflação? Variação positiva nos números da indústria ou rebaixamento na nota pelas agências de risco? Retração do PIB ou tímido crescimento? As dúvidas e incertezas se repetiram ao longo de 2017 quando o assunto nas rodas de discussões chegava à crise econômica brasileira e às possibilidades de superação.

Foram três anos de episódios de retração e queda. Mas, em junho do ano passado, alguns indicadores elevaram a esperança de empresários e trabalhadores. Os dados surpreenderam positivamente, dando sinais de que seriam os primeiros passos para a retomada. Mais adiante, no segundo trimestre do ano, os analistas já olhavam o momento como o ponto de curvatura do processo, sobretudo em função dos resultados da produção industrial e do varejo. E, assim, sucessivamente, o decorrer dos meses passou a consolidar a linha ascendente, com uma ou outra queda, do diagrama da economia.

Em março, quem acompanhou a visita da Agence Française de Développement (Agência Francesa de Desenvolvimento) ao Rio Grande do Sul saiu confiante. A mensagem foi clara: enfim, superamos os piores momentos. Diplomatas e 45 dirigentes dos maiores grupos da França – entre os quais Carrefour, Renault, Accor, Saint-Gobain, Air France e Leroy Merlin – estiveram com o Governo do Estado para a assinatura de um contrato de crédito de 50 milhões de euros (cerca de R$ 200 milhões) para financiar projetos de impacto positivo sobre o meio ambiente e o clima.

Mais do que uma assinatura, eles deixaram uma certeza: o Brasil é, sim, novamente um lugar seguro para se investir.

“Não se trata apenas de uma visita oficial”, disse, na ocasião, o cônsul-geral da França em São Paulo, Brieuc Pont, ao referir-se a uma nova etapa de relacionamento. O Brasil é campeão mundial de empregos gerados pelas empresas francesas fora do país de origem: são 500 mil postos de trabalho. Do outro lado do oceano, a França também é o primeiro empregador estrangeiro do Brasil. “Do ponto de vista estratégico, o governo francês quer reforçar ainda mais essas relações”, explicou.

A opinião de Brieuc Pont é seguida pelo presidente do Conselho de Comércio Exterior da França (CCEF) no Brasil, Frédéric Junck. A entidade formada por empresários, governo francês e representação consular escolheu a dedo Porto Alegre – cidade que ainda não havia sido sede de reuniões – como forma de replicar no Sul os laços firmes que já existem com as demais regiões do Brasil.

O conselho, que completou 120 anos, existe apenas na França e foi criado pelo governo como forma de conectar-se melhor com outros países. O grupo reúne-se a cada quatro anos para avaliar e prospectar negócios. De Porto Alegre, eles se deslocaram à Serra Gaúcha, com olhos especialmente voltados a empresas como Tramontina, Chandon e Miolo.

Naturalizado brasileiro, o presidente do CCEF revelou tranquilidade e confiança na economia daqui. Ele vê o momento como natural de uma jovem democracia e disse acreditar na coragem do brasileiro de enfrentar e resolver seus problemas. “A França nunca deixou de investir, inclusive durante a crise. Não tenho dúvida de que o governo francês está muito otimista”, apontou Frédéric Junck.

Setor hoteleiro

O grupo Accor chegou à reunião com o mesmo elã e a estimativa de ampliação das operações no país. No início do ano, a rede de hotéis anunciou a marca de 350 unidades na América do Sul, sendo mais de 300 em solo nacional.

Entusiasta do Brasil, o CEO da AccorHotels na América do Sul, Patrick Mendes, avalia que o momento é propício, após enfrentarem dificuldades nos últimos três anos. No período, houve alta na oferta hoteleira, com a abertura de muitos hotéis visando às Olimpíadas e à Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, houve baixa ocupação, demanda retraída e queda do PIB. Quando Mendes assumiu, em 2014, economistas projetavam crescimento do PIB brasileiro para 2015 de 3%. A estimativa não se confirmou: caiu 3,6%.

“Acreditamos que tudo isso passou. No quarto trimestre do ano passado, tivemos uma surpresa muito positiva, com um crescimento de quase 13% no nosso volume de negócios. A perspectiva do início do ano está boa. Em algumas regiões, como o Rio de Janeiro, ainda não houve a retomada completa, mas, mesmo lá, está melhorando um pouco. Os negócios estão voltando. As atividades econômicas e o crescimento do PIB estão ajudando para que a ocupação hoteleira cresça”, revelou.

A Accor – que tem sob seu guarda-chuva as marcas Ibis, Ibis Budget, Mercure e Novotel – conta com quase 16 mil colaboradores em todo Brasil. No Rio Grande do Sul, são 15 unidades econômicas e midscale (categoria intermediária de serviços hoteleiros). Na viagem à capital gaúcha, Mendes aproveitou para anunciar a abertura de um upscale (voltado a clientes mais exigentes e de poder aquisitivo maior).

A proximidade entre franceses e brasileiros e a melhora na economia também possibilitará a realização de um sonho dos amantes da cultura gaulesa: um voo Porto Alegre-Paris. A pretensão foi apresentada pelo diretor-geral da Air France na América do Sul, Jean-Marc Pouchol. O RS é o terceiro maior estado com fluxo de passageiros com destino à França, estando atrás apenas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Indústria automotiva

No Grupo Renault, a percepção sobre os rumos da economia não é diferente. O mercado de automóveis começou a reagir ao final do ano passado, e a previsão é de alta para 2018. Há alguns meses, os dados apontavam para uma alta de 5%. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) revisou para 10% em fevereiro. E, já nos primeiros dias de março, o índice foi de 18% de vendas no atacado.

“É um sinal claro de recuperação econômica. O Índice de Confiança do Consumidor, publicado pela FGV, está aumentando. É certo que 2018 será um ano de crescimento para a indústria automotiva. A pergunta é com que magnitude, com qual velocidade? Isso nós vamos descobrir durante o ano, mas é uma tendência clara de reação do mercado”, apontou o presidente da Renault para a Região das Américas, Olivier Murguet.

A Renault terminou 2017 com 7,7% de participação no mercado. O plano do grupo é atingir 10% da fatia brasileira dentro de quatro anos, impulsionados por investimentos na fábrica do Paraná e em nova gama de produtos.

Murguet confia que o crescimento será contínuo, devendo passar dos 8% já neste ano. “Concluímos um ciclo de investimentos, iniciado em 2012, em uma linha de estamparia em Curitiba e na expansão da fábrica para 60 veículos por hora. Também inauguramos uma nova planta de fundição de alumínio para motores. Estamos concluindo tudo que anunciamos há seis anos. Tudo foi feito rigorosamente, apesar da crise”, pontuou.

Localizada no Complexo Ayrton Senna, em São José dos Pinhais, Paraná, a planta de fundição encerrou o ciclo de investimentos de R$ 3 bilhões no país. Além dos próximos projetos, a empresa pretende incluir os carros elétricos. Mas, nessa linha, seria necessário bem mais do que uma estabilidade econômica. Os impostos ainda são muito altos, reclama o presidente, o que exigiria uma predisposição do governo em estimular o setor. “O carro elétrico precisa de uma PPP. Em todos os países onde deslanchou, havia uma parceria. Isso faz com que, pouco a pouco, o volume de compra aumente e os impostos baixem. Neste momento, está totalmente parado por aqui. Mas o Brasil tem todas as condições de avançar: matriz elétrica, tamanho e consciência de consumo ecológico”, garantiu.

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