Investimento privado para segurança

Um grupo de empresários liderados pelo gaúcho Leonardo Fração cria uma entidade e sugere lei para que até 1% do ICMS devido seja direcionado, como doação, para reforçar a área da segurança, melhorando o ambiente para se viver e fazer negócios no Rio Grande do Sul

Leonardo Fração é de outro naipe. Em vez de ficar só criticando ou destilando verborragia em redes sociais, ele negocia, troca ideias e vai em frente para um projeto virar realidade. No início do ano, Fração e jovens empresários do Estado criaram o Instituto Cultural Floresta (ICF). A finalidade é apoiar projetos voltados à melhoria da segurança pública e tornar o Rio Grande do Sul um local seguro para se investir e morar.

A primeira providência do instituto foi obter R$ 14 milhões em doações e investir o recurso em carros e equipamentos para polícias gaúchas. Todo cidadão intimidado pela criminalidade aplaudiu a medida. Para a ação ter prosseguimento, o ICF encaminhou ao governo do Estado uma sugestão de lei para permitir que até 1% do ICMS seja investido em segurança pública por meio de doações.

– É uma sugestão para trazer mais eficiência à segurança pública – explica Fração com o conhecimento de ter presidido o Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e a formação em Engenharia Civil.

Empresário do ramo de investimentos em empresas, ele dedica parte de seu tempo envolvido com as atividades do ICF. Nascido em Santa Maria, reside em Porto Alegre desde 1995, depois de ter vivido 12 anos em São Paulo. Para detalhar as propostas do instituto e o projeto de lei com a finalidade de incentivar doações voltadas à área da segurança pública, Fração concedeu a entrevista a seguir.

Os gaúchos ficaram surpresos com a doação de R$ 14 milhões de empresários obtida pelo Instituto Cultural Floresta que se transformou em carros e equipamentos para as polícias gaúcha. Novas doações virão para fortalecer a segurança pública?

Culturalmente, não temos o costume de fazer doações significativas. São poucos os empresários com essa mentalidade. Mas são os verdadeiros empresários que cuidam não somente da sua empresa, mas da sociedade onde seus negócios estão inseridos. Infelizmente, no Brasil, não existe uma forma para incentivar isso. O empresariado, que teria a maior capacidade para adotar essa prática, entende que está pagando impostos demais e não está vendo esses valores investidos pelos governos para o desenvolvimento da sociedade. As pessoas têm o entendimento de que os governos é que deveriam fazer melhorias na cidade, no Estado ou no país porque eles são os cobradores de impostos. Como comparação, nos Estados Unidos é diferente. Os americanos pagam impostos significativos durante a vida, mas têm a opção de direcioná-los para doações. É uma sociedade que incentiva a doação. Por isso constroem hospitais com o nome do pai ou da mãe e fazem vultuosas doações a universidades ou mesmo doam equipamentos para a polícia. Então, voltando a nossa realidade, eu vejo pouco apetite para que esses empresários gaúchos doem novamente com as regras atuais do jogo. A questão é que se paga muito imposto, não se recebe o serviço e ainda tem de fazer doação para resolver um problema que não foi resolvido. O grande objetivo dessa ação inicial do Instituto Cultural Floresta foi mostrar que se tivermos a mentalidade de fazer doação, a gente diminui a necessidade do Estado, diminui o tamanho do Estado e, consequentemente, a carga tributária. Essa carga tributária tão alta e serviços tão ineficientes é porque a gente não se envolveu neste assunto ao longo dos anos. A população deveria ter fiscalizado tudo isso.

Para que novas doações sejam realizadas, a ideia é aprovar uma lei nesse sentido, semelhante a lei de incentivo à cultura?

Tivemos cerca de 50 doadores, entre pessoas físicas e jurídicas, para chegar aos R$ 14 milhões. Sem dúvida, a ideia é continuar apoiando e ter mais apoiadores, mas isso só deve acontecer se conseguirmos a aprovação de uma lei que incentive as pessoas a doarem. Já estivemos na Casa Civil, falando com o secretário Cleber Benvegnú, apresentando a proposta. Se a gente conseguir aprovar a lei como está sendo proposta, vejo que vamos ter uma massa gigantesca de empresários que vão querer destinar parte de seu ICMS para projetos de segurança. É uma forma de enxergar o valor de seu imposto pago. Hoje as pessoas não enxergam o imposto pago.

Como funcionaria a lei proposta?

O governo do Rio Grande do Sul arrecada R$ 62 bilhões por ano, sendo R$ 36 bilhões oriundos de ICMS. Pela proposta da lei, a ideia é que até 1% do total do ICMS total possa ser doado para a segurança pública. Seriam R$ 360 milhões ao ano. O limite de doação por empresa ficaria em 5% do ICMS devido. Então, se conseguirmos 5% de cada um dos 20 maiores pagadores de ICMS, não será preciso bater na porta dos 5 mil pagadores menores porque já terá sido atingido o 1% do total do imposto que pode ser doado para a segurança.

Em quem faria o gerenciamento das doações?

Para a doação se concretizar, funcionaria assim: um ente de segurança pública, como a Brigada Militar ou a Polícia Civil, faz um projeto e informa o que precisa para melhorar as suas condições com a finalidade de proporcionar maior atenção à segurança pública. Se precisa de carros ou pistolas, descrevendo inclusive quais os modelos. A solicitação segue para uma Câmara Técnica, formada por seis membros, três do governo e três da iniciativa privada indicados pelo governador. Essa câmara tem de concordar com o item pedido e com o preço. Quando aprovado, segue para o administrador do projeto que vai procurar empresários e perguntar se gostariam de contribuir com parte do seus ICMS devido para este projeto.

Não haverá uma redução do ICMS para outras finalidades?

Vai até aumentar a arrecadação. Porque, para um empresário participar da doação, ou seja, pegar até 5% do seu ICMS devido que iria diretamente para o governo e investir na área da segurança pública, ele terá de fazer uma contribuição para a educação. Por isso digo que a arrecadação vai aumentar. Porque em cima do valor desses 5% terá de desembolsar 10% para a educação. Exemplificando: se tem R$ 1 milhão de ICMS para pagar, o limite de 5% para doação é de R$ 50 mil. Sobre esse valor, 10% serão R$ 5 mil. Esses R$ 5 mil não podem ser retirados da doação. Terão de ser desembolsados e o destino é a educação ou programas de redução de criminalidade primária. No final das contas, o Estado vai ver a arrecadação aumentar, não diminuir.

Como sensibilizar a sociedade para a lei de incentivo à segurança ser aprovada?

Chegamos numa situação de desconfiança generalizada de todos os entes. O único setor em que há uma confiança é no Judiciário, que tem seus defeitos, mas é uma instituição que está dando um jeito numa desordem muito grande que está aí. Enfim, a gente não tem um ambiente de confiança para juntar as forças. O grande objetivo desta doação inicial do Instituto Cultural Floresta foi inverter a lógica que normalmente existe, de pedir uma lei para depois fazer algo. A gente fez algo para depois pedir a lei. Pegamos R$ 14 milhões do nosso bolso, entregamos para a segurança pública sem pedir nenhuma contrapartida. Ninguém pediu para colocar carro da polícia na sua rua ou no seu bairro. Isso é uma relação de confiança. Se a lei for aprovada, estamos dispostos a multiplicar por 20 as doações.

O Estado não estaria perdendo o gerenciamento de parte de seus recursos?

O Estado tem R$ 70 bilhões de despesa por ano e R$ 62 bilhões de receita. Portanto, dada essa necessidade de cobrir o déficit, os investimentos em educação, saúde, segurança e infraestrutura não são feitos. Isso é uma injustiça: o povo paga impostos e não ver isso transformado em benefício. Na minha opinião, o Estado deveria primeiro provir os serviços básicos e depois, com as sobras, cobrir as irresponsabilidades de governos anteriores. Resultado, toda a população sofre com a falta de educação, saúde e infraestrutura.

Ao fazer a doação com um dinheiro que já do Estado o valor não estaria voltando a ser privado?

O funcionamento da lei proposta é semelhante a Lei Rouanet, apenas o final é diferente. Na Lei Rouanet, a pessoa, por exemplo, cria o projeto de um filme e descreve ali o que vai gastar em cada item. Se aprovado pelo Ministério da Cultura, quem fez o projeto pode bater na porta de empresas e captar valores que seriam pagos como impostos. A partir daquele momento, o recurso volta a ser privado. Mas no caso da lei da segurança, o valor doado não fica privado, como no exemplo do filme. A doação se transforma em um bem público. O dinheiro fica um recurso privado por pouquíssimo tempo. Isso ocorre para a compra ser efetuada sem precisar passar por licitação. Mas não é porque não tem licitação que deixa de existir acompanhamento e verificação. Para a compra seguir em frente, o ente técnico precisa concordar com o pedido e o ente privado precisa concordar em doar. Se for pedido algo estranho à segurança, a Câmara Técnica até pode aprovar, mas o empresário pode discordar do preço e do mérito do pedido. Uma licitação, além de ser um processo lento e caro, pode ser ineficiente ou resultar em um prejuízo legal.

Como nasceu a ideia da lei, em quais exemplos foi inspirada?

Tudo foi discutido a muitas mãos. Existe um projeto do deputado Ronaldo Santini para transformar a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) também para a segurança. Pegamos isso e também falamos com a Secretaria da Segurança, com especialistas em legislação e advogados empresariais para ver se empresas adeririam a uma lei nesse sentido. Enfim, foram feitas várias reuniões para ver ser a lei funcionaria. O início da ideia da doação nasceu há dois anos, quando visitei um amigo na Califórnia. O pai dele criou a 11-99 Foundation, para ajudar familiares de policiais mortos na defesa da lei. Trouxe essa ideia para cá. Falei com um coronel da Brigada Militar, mas ele disse que havia necessidades mais urgentes do que homenagens, como carros, armamento e equipamentos.

Mesmo com a violência presente na porta da nossa casa, na esquina da nossa rua, por que quem critica a atuação de polícias é mais ouvido ou faz mais barulho do que quem apoia as forças que estão aí para defender o cidadão?

O argumento do populismo é muito fácil. É fácil dizer que tem de educar, que não pode repreender. É muito mais fácil argumentar isso. Mas não existe país que funciona a longo prazo sem ter ordem. O progresso econômico não acontece onde há instabilidade na ordem. Então, defender que não haja policiamento, que o investimento tem de ser em educação, tudo isso eu concordo. Mas é preciso entender quais são os desafios presentes para buscar uma solução. Uma solução definitiva da segurança pública passa pelo equilíbrio de três pilares. O primeiro é educação e oportunidade de trabalho para jovem. Se tiver isso, o crime é menos atrativo. Jovem sem acesso à educação e sem oportunidade de emprego, o crime se torna muito atrativo. O segundo pilar é o da ostensividade policial: policial bem treinado, bem equipado e presente. A partir do momento que você tem uma polícia eficiente, o criminoso pensa duas vezes antes de cometer um crime. O terceiro é a punição, que passa pelo Judiciário e pelo presídio, que tem a função de retirar da sociedade e também ressocializar, se assim possível. Hoje os três pilares estão fragilizados. O pilar da educação é com certeza o mais importante de todos. É o que demora mais tempo para consertar seus rumos. O da punição também demora para mostrar resultados. O mais rápido de atuar e dar uma sensação de segurança é o da ostensividade, por isso resolvemos começar por aqui.

Foto: Ao microfone: Rômulo Gress
Cerimônia: Marcos Nagelstein/Agência Preview

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