LIBERDADE PARA EMPREENDER

Medida Provisória da Liberdade Econômica traz esperança para o mercado. Marco na legislação brasileira, avança na transformação da cultura empreendedora, reduz amarras burocráticas e garante melhorias no ambiente de negócios.

Nas tribunas do Congresso ou nas páginas dos jornais, Roberto Campos (1917-2001) foi, durante boa parte do século passado, um solitário defensor do livre mercado no país. “Por muito tempo, por defender o liberalismo econômico, fui considerado um herege imprudente. Os acontecimentos mundiais me promoveram a profeta responsável”, disse o intelectual brasileiro.

Quase duas décadas após sua morte, o ex-senador e ex-deputado federal ficaria surpreso com a mudança de ares no Parlamento. Agora, um instrumento legal pretende garantir no Brasil os preceitos básicos do liberalismo – assegurando o livre mercado, reduzindo amarras burocráticas e melhorando o ambiente de negócios. Com potencial para ampliar o Produto Interno Bruto (PIB) em 0,7% ao ano e gerar 3,7 milhões de empregos na próxima década, a Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica surge como um instrumento de recuperação da economia.

A alta do desemprego, a lenta recuperação da recessão e a falta de segurança jurídica em determinadas atividades, aliadas à excessiva e pesada carga regulatória e burocrática, pressionaram o governo Bolsonaro a buscar novas soluções para os gargalos da economia. A MP nasce, então, em um momento de profunda transformação política e de busca pela retomada do crescimento.

A reação do mercado foi de entusiasmo, depositando no Congresso Nacional a esperança de aperfeiçoá-la e convertê-la em lei. Isso porque dois pontos contemplados pelo texto da MP são cruciais aos olhos do empresariado e impactam diretamente competitividade, na geração de emprego e renda e, por consequência, na economia: a redução da interferência estatal e a garantia do livre mercado.

A iniciativa, mais do que melhorar as condições para empreender no país, traz em seu cerne uma intensa mudança de cultura na relação entre a iniciativa privada e o Estado. A medida enfrenta resistências históricas e devolve aos cidadãos uma autonomia de vontade até então sonegada pelo Poder Público. Em outras palavras: passa a limitar o poder estatal e a garantir ferramentas para combater a burocracia e o abuso regulatório.

Facilidade para abrir negócios de baixo risco

A liberdade para empreender é o ponto alto da medida. O cidadão que quiser abrir uma empresa de baixo risco, por exemplo, não precisará mais de autorização prévia do Poder Público. Licenças, alvarás e documentos similares estão liberados e não serão mais exigidos na concepção de um novo negócio, desde que a atividade seja exercida exclusivamente em propriedade privada. Em resumo, facilita o processo e reduz custos ao particular.

Estados e municípios definirão as atividades de baixo risco, que serão abarcadas pelo texto legal. “Há, com a medida, um respeito ao federalismo. Os Estados e municípios vão ter suas autonomias respeitadas para definir o que são atividades de alto risco, de baixo risco. E o que se quer com isso é que se possa alocar mais eficientemente os recursos do próprio Estado”, destaca o advogado João Accioly, membro fundador do Instituto Millenium.

A presunção de boa-fé do empreendedor, preconizada pela MP, é outra questão destacada por Accioly. “As regras nela dispostas vão ter de vencer uma inércia histórica do aparato burocrático, que entende que a presunção é quase absoluta de má-fé do cidadão. Vai ser um passo muito importante dentro da agenda do governo de reverter esse modo de pensamento”, pontuou.

A medida impacta não apenas os micro e pequenos empresários, como os médios e grandes. Como regra geral, os dias e horários para empreender serão sempre flexibilizados, conforme o texto legal – desde que respeitem direitos trabalhistas, o sossego e a vizinhança. Os shoppings e supermercados, por exemplo, não terão mais os seus horários de funcionamentos restringidos.

Outra mudança significativa diz respeito à garantia do livre mercado. A MP prevê a liberdade para fixar e flutuar preços, como consequência da oferta e da demanda do mercado, desde que observada a legislação trabalhista. Antes, no entanto, atos de agentes públicos eram utilizados para prevenir modelos de negócios que beneficiassem consumidores.

Inovação no centro

Incentivar a inovação é uma importante premissa e um dos pilares da MP da Liberdade Econômica. Por esta razão, o texto da norma propõe imunidade burocrática para empresas que atuem nessa área. A proposta impacta diretamente as startups, que, em fases iniciais, não necessitarão de licenças, alvarás ou qualquer outro tipo de autorização para testar, implementar ou oferecer seus produtos e serviços a grupos privados.

Trata-se de um reconhecimento, por parte do governo, de todo o atraso do Brasil do ponto de vista da inovação, em se comparando a outras nações. A proposta busca colocar o país em pé de igualdade com o resto do mundo. Hoje, o excesso de burocracia acaba inviabilizando a criação de startups. A inovação, no centro da política de desenvolvimento nacional, deverá proporcionar mais competitividade tecnológica.

Municípios saem na frente

À esteira da MP da Liberdade Econômica, municípios começam a editar normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividades econômicas. Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, saiu na frente e criou sua própria legislação, com intuito de reduzir à subsidiária e mínima a intervenção municipal sobre o exercício das atividades econômicas, presumir a boa-fé do particular e, assim, garantir o livre mercado.

O conjunto de medidas, denominada Bento Mais Livre, isenta 59 atividades do licenciamento ambiental e flexibiliza outras 117. A norma visa estimular a geração de emprego e renda e desburocratizar os procedimentos para abertura de negócios na cidade. “Cada apoio prestado a quem quer empreender gera uma reação em cadeia que proporciona mais emprego”, ressaltou o prefeito Guilherme Pasin (Progressistas).

Mesmo em tramitação na Câmara de Vereadores local, o projeto de lei se tornou referência e passou a inspirar outros municípios, como São Gabriel, na região da Campanha, e Cachoeirinha, na Região Metropolitana.

Medida trará formalização

Relator da medida no Congresso Nacional, o deputado federal Jerônimo Goergen aponta a importância da norma para a futura geração de emprego e renda aos brasileiros. “O cidadão, muitas vezes, se obriga a ser informal por custos, regras e condições que não consegue cumprir. Então, vamos ganhar formalidade. Espero que a geração de emprego seja o principal fator”, salientou.

O texto, além de desatar os nós da burocracia e estimular o empreendedorismo, trará mais segurança jurídica aos contratos entre os particulares. “Estamos dando uma segurança jurídica, principalmente para os contratos. Hoje, você tem uma subjetividade enorme, o que acaba inchando o Judiciário. Então, a desburocratização se soma também com a diminuição dessas demandas judiciais”, avaliou o parlamentar.

Mas a medida não pode vir desacompanhada. Segundo Goergen, o tripé “previdência, tributária e liberdade econômica” colocará o país em outro patamar. “Este trio vai dar um ajuste muito forte na economia brasileira. Um ambiente desburocratizado e uma redução de custos tributários são fatores importantes para o avanço econômico. E, do ponto de vista da máquina pública, a reforma da previdência assegurará o seu custeio”, disse.

São mudanças que mexem com as relações entre o setor público e a iniciativa privada – e que seriam, sem dúvidas, aplaudidas de pé por Roberto Campos. O economista, que lançou a semente de um Estado menor e mais eficiente, não viveu para sentir os ventos mais liberais que sopram hoje. Dificilmente Campos repetiria sua célebre frase de toda uma vida pública: “O Brasil está andando para trás”. A liberdade econômica, afinal, quer levar o país para frente.

Segundo Jerônimo Goergen, o tripé “previdência, tributária e liberdade econômica” colocará o país em outro patamar.

 

“Não é uma bala de prata. Mas é uma medida extremamente necessária”

Como Secretário Nacional de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel foi um dos principais defensores da MP da Liberdade Econômica. Em entrevista exclusiva à VOTO, o advogado defende uma menor intervenção do Estado na economia – e avalia como a iniciativa pode auxiliar no desenvolvimento do país.

Secretário Nacional de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel participou da elaboração do texto da MP

Em termos práticos, como o governo espera que a MP ajude de fato à vida real da economia?

A medida destrava questões que impactam 100% dos negócios no Brasil. Não interessa se é micro, pequeno, médio ou grande: todos serão impactados. Estamos limitando o poder do Estado e aumentando o poder do cidadão. Há dois artigos que considero o coração da MP. O primeiro é o da declaração de direitos de liberdade econômica, que se aplica a quase todos os negócios do Brasil. E o outro é o que cria o conceito de abuso regulatório, que ocorre quando o Estado utiliza normas para restringir a competição, dificultar a entrada de novos empreendimentos, criar demanda artificial por produto ou serviço ou mesmo criar uma exigência desproporcional com resultado almejado. São mudanças expressivas que trarão segurança jurídica e confiabilidade, além de resgatar a confiança da sociedade no poder público, reduzindo discricionariedades e arbitrariedades. Embora não seja uma bala de prata, que sozinha vá mudar o país, é uma medida extremamente necessária. Nas palavras do presidente Bolsonaro, é “tirar um pouco o Estado do cangote das pessoas, das empresas”.

Muitos dos resultados da MP são de médio e longo prazos. Mas, em termos práticos, no curto prazo, onde se quer chegar?

De um ano para o outro, é difícil estimar. Entretanto, a nossa intenção é fazer, nos próximos 12 meses, um índice subnacional. Ou seja: queremos criar um índice para cada Estado. E a meta do presidente Bolsonaro sobre o Doing Business é de, até o final do mandato, colocar o Brasil entre as 50 melhores economias do mundo para se fazer negócio. Com relação ao índice de Liberdade Econômica, não se fixou uma meta, mas queremos estar entre as 80 economias mais livres do planeta.

Estes índices mostram que o Brasil está atrasado em relação às maiores economias do mundo.

As pessoas confundem liberdade econômica com ausência do Estado ou Estado fraco. Nada mais equivocado. Se você pegar o índice de Liberdade Econômica, verá que entre os 20 primeiros países são aqueles com os mais elevados índices de desenvolvimento humano – estão lá o Canadá, a Austrália, os Estados Unidos, a Inglaterra, a Alemanha. Isso tem a ver com o foco. A MP diz que toda a atividade de baixo risco não irá mais precisar de alvará, licença, permissão. Por quê? O Estado se justifica onde há risco à sociedade. Quando não existe risco, tem apenas um caráter burocrático e arrecadatório. Então, se é uma atividade de baixo risco, não cabe ao Estado dizer se você pode ou não trabalhar. Você, evidentemente, tem de cumprir a lei. O Estado vai presumir que você vai cumprir. Se não cumprir, será fiscalizado e autuado. Então, invertemos isso: você começa a trabalhar e depois o Estado lhe fiscaliza.

Dentro do trabalho de desburocratização do Brasil, quais serão os próximos passos? O que está se planejamento de ações neste sentido?

Recebemos várias sugestões de medidas e normas para serem revistas. Quando vimos a diversidade, a pluralidade e a complexidade, percebemos que não seria possível atacar pontualmente um a um. Então, a ideia de criar a MP foi para dar ferramentas para o particular combater as distorções. Durante o período de elaboração da MP e de tramitação no Congresso, recebemos boas sugestões, ideias e propostas. Muitos destes temas não foram incluídos na medida, nem nas nossas propostas e nem no relatório final do deputado Jerônimo Goergen. Então, a ideia é iniciar uma nova discussão, sobre uma segunda medida, que pode ser uma MP ou um Projeto de Lei, para dar continuidade a este processo.

E com relação à relatoria da MP, uma série de mudanças foi feita. Como o governo enxerga este novo texto?

Fomos muito felizes em ter o deputado Jerônimo como relator. Fez um trabalho brilhante. Foi muito firme, aberto. Dialogou, ouviu propostas, cedeu, negociou. Em nossa opinião, o texto final é melhor do que a nossa proposta original. É mais amplo. Teve melhorias substanciais. Um ou outro ponto o governo pode divergir, mas entendemos que foi um grande avanço, alinhado à proposta de ampliar a liberdade econômica no país.

 

RANKINGS ESCANCARAM ATRASO HISTÓRICO DO BRASIL

A excessiva burocracia, o desfavorável ambiente de negócios e a recorrente intervenção estatal no mercado, aliados a uma alta carga tributária e à estagnação da economia, são algumas das razões que empurram o Brasil para as piores posições nos rankings que aferem a liberdade econômica. A MP sobre o tema deve impactar, de acordo com estudos da Secretaria Nacional de Política Econômica, entre 50 e 100 posições no ranking da Doing Business e do Índice de Liberdade Econômica.

DOING BUSINESS

Classificados como os países com melhores condições e facilidades para se fazer negócios, Nova Zelândia, Singapura e Dinamarca lideram o ranking da Doing Business 2019. Já a Geórgia, que integra o top 10 do relatório desde 2018, chama a atenção pelo avanço conquistado nos últimos 14 anos: pulou da 100ª posição, em 2006, para a 6ª, em 2019. Os países latino-americanos, por sua vez, estão longe dos primeiros colocados.

Ranking:

1º – Nova Zelândia

2º – Singapura

3º – Dinamarca

4º – Hong Kong

5º – Coreia do Sul

8º – Estados Unidos

9º – Reino Unido

54º – México

65º – Colômbia

85º – El Salvador

95º – Uruguai

109º – Brasil

 

ÍNDICE DE LIBERDADE ECONÔMICA

Os primeiros classificados no Índice da Liberdade Econômica, da Heritage Foundation, se confundem com os países que lideram o ranking da Doing Business. Enquadrados como “livres”, Hong Kong mantém a primeira colocação, seguido de Singapura e Nova Zelândia. Em quarto aparece a Suíça e, em quinto, a Austrália. O grupo de nações “livres” se completa com a sexta colocada, a Irlanda. O primeiro país latino-americano a figurar no ranking é o Chile, que ocupa a 18ª posição. O Uruguai e o Peru, por sua vez, estão em 40º e 45º, respectivamente, e são considerados “moderadamente livre”. O Brasil, na 150ª colocação, é considerado “majoritariamente não livre”.

Ranking:

1º – Hong Kong

2º – Singapura

3º – Nova Zelândia

4º – Suíça

5º – Austrália

12º – Estados Unidos

18º – Chile

40º – Uruguai

85º – Paraguai

98º – Rússia

111º – Nigéria

150º – Brasil

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