Lula: Condenado e inelegível

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, manteve a condenação imposta ao ex-presidente Lula pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. O TRF4 proferiu um julgamento memorável que foi assistido por milhões de pessoas. Tudo com transparência, serenidade e obediência aos ritos e códigos vigentes.

Quem o acompanhou pela internet, por rádio ou televisão, pode observar que após o relatório, os acusados, através de seus defensores, e a acusação, tanto pelo procurador da República com assento na 8ª Turma quanto pelo assistente de acusação da Petrobras, realizaram suas sustentações orais. Na sequência, os desembargadores  proferiram os seus votos. Votos minuciosos, didáticos e amplamente fundamentados inclusive em precedentes do Supremo Tribunal Federal demonstrando a convicção individual de cada julgador acerca dos crimes imputados ao ex-presidente.

A tal ponto que somente o voto do relator é constituído de 430 páginas. Desta feita, a primeira pergunta decorrente do veredito é a seguinte: o ex-presidente poderá concorrer ou não em 2018? Consoante dispõe o texto da Lei Complementar nº 135/10, popularizada país afora como Ficha Limpa ou Ficha Suja e inúmeras vezes interpretada tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral quanto pelo Supremo Tribunal Federal, aquele que é condenado por crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores fica inelegível a contar da data da publicação do acórdão condenatório, independentemente dos recursos que a partir dali são cabíveis, sejam embargos declaratórios no âmbito do próprio TRF4 (atacando aspectos obscuros ou contraditórios da decisão), sejam aqueles outros endereçados ao STJ ou ao STF buscando a reforma da condenação.

Consequentemente, perante o regramento em vigor desde 2010 e já exaustivamente interpretado por tribunais superiores na sua jurisprudência, a inelegibilidade está configurada. Todavia, fique claro que o questionamento acerca da possibilidade ou não da ventilada candidatura ocorrerá somente quando (ou se) esta for requerida junto ao TSE, que é o tribunal competente para apreciar requerimentos de presidenciáveis. Detalhe importante: diante de uma condenação criminal por órgão colegiado (como é a 8ª Turma do TRF4), a avaliação do registro de candidatura tende a ser objetiva e sem maiores diligências, posto resumir-se a uma questão de direito e não de fato. Assim
decidiu o TSE numa decisão de 28/11/2016 repetindo o entendimento lá fixado no mínimo desde 18/11/1996.

No caso do pedido de registro do ex-presidente condenado, tal e qual nos casos anteriormente decididos, o relator sorteado no TSE poderá determinar o seu julgamento de pronto, pelo plenário (dada a sua inequívoca repercussão), muito provavelmente até a primeira quinzena de setembro.

Importante: assim quis o Congresso Nacional em 2010 e é assim que vêm sendo decidido pelos tribunais. Também não se pode esquecer que de acordo com o novo Código de Processo Civil, essa jurisprudência fixada pelo TSE e pelo STF impedindo condenados por decisões criminais colegiadas deve primar pela estabilidade e coerência para a garantia da segurança jurídica.

Nesse passo, surge a seguinte indagação: é possível uma convenção partidária homologar o nome de um candidato que está inelegível? Sim. Isso ocorre com alguma frequência, especialmente em disputas municipais. xplica-se. É que de acordo com a Lei das Eleições, qualquer candidato cujo registro esteja sub judice, deferido ou indeferido e em discussão noutra instância, pode efetuar atos de campanha eleitoral. Dito diferente: enquanto o inelegível busca arredar, provisória ou definitivamente, o impedimento da sua candidatura, a lei lhe garante o direito de campanha, é
verdade que por sua conta e risco.

Na mesma linha de raciocínio, outra interrogação se mostra inevitável: o seu nome, número e fotografia estarão na urna eletrônica em outubro? É provável. Afinal, nem na Constituição Federal, nem na legislação eleitoral, há regra que determine expressamente a exclusão essas informações daquele candidato que, até a data da eleição, não teve o
seu registro de candidatura deferido pela Justiça Eleitoral. Porém, o TSE pode determinar em sentido contrário, como já fez.

Num cenário desses, também é possível que o ex-presidente utilize horário eleitoral, participe de debates em rádio e TV, faça propaganda e arrecade recursos de campanha. Todavia, no que importa à eleição propriamente dita, a validade dos votos a ele atribuídos estará condicionada ao deferimento de seu registro até a data estabelecida pelo TSE para a diplomação. Por quê? Porque segundo já decidido pelo TSE em casos análogos, as alterações fáticas e jurídicas posteriores ao registro de candidatura que forem aptas ao afastamento da inelegibilidade (no caso, a
condenação penal mantida pelo TRF4), podem ser conhecidas somente até  data da diplomação dos eleitos.

Embora cause rebuliço, dado que alguns não se conformam à legalidade, uma eleição consumada sem a participação de um ex-presidente condenado criminalmente pela prática de delito de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores corresponde a um acontecimento jurídico amparado no Estado Democrático de Direito que se materializa nas normas disciplinadoras dos processos penais e eleitorais do país.

Em resumo: sem registro de candidatura (no TSE), não há votação nem diplomação. Sem diploma, não há posse. Trata-se, com isso, do cumprimento das leis vigentes no país.

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

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