Lula: um ex-presidente na cadeia

Em uma semana que agitou a República, STF barra habeas para Lula, que é preso por ordem de Sérgio Moro. Confira os detalhes dos dias em que o ex-presidente foi para a cadeia – e a impunidade sofreu um duro golpe:

Sábado, 1º de janeiro de 2011. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrega o cargo para Dilma Rousseff. Principal liderança da esquerda latino-americana, o petista deixa o Palácio do Planalto ungido por mais de 80% de aprovação popular, após um governo que, mesmo abalado eticamente com o escândalo do Mensalão, encerrava-se com alguns bons resultados sociais e na economia.

Sábado, 7 de abril de 2018. Lula entrega-se à Polícia Federal. Inicia em Curitiba o cumprimento da pena de 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex na cidade de Guarujá (SP). Ele se torna o primeiro ex-presidente condenado por corrupção no país.

Exatos 2.654 dias depois, Lula vê um Brasil muito diferente daquele que deixou quando saiu do Planalto. O país se recupera da crise provocada por políticas equivocadas de 13 anos de PT. A Operação Lava Jato desnudou os tentáculos da corrupção que se estendiam por todo o Executivo – os quais tinham o petista, segundo o Ministério Público Federal, como grande líder. E a esquerda, que via em Lula seu maior expoente, hoje está em uma encruzilhada, às vésperas do pleito de outubro.

A seguir, a VOTO traz uma síntese da semana que parou o Brasil, com as reações do meio político, um apanhado dos processos contra o ex-presidente, os efeitos da Lava Jato e as perspectivas para o cenário eleitoral.

O Brasil contra a impunidade

Condenado em 24 de janeiro pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Lula estava prestes a ser preso por ordem do juiz Sérgio Moro, no caso do tríplex. A defesa do petista recorreu a todas as instâncias para evitar o cumprimento da pena. Em março, teve negados os embargos de declaração, no TRF-4, e um habeas corpus preventivo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A última esperança estava no Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 22 de março, ao iniciar a discussão sobre o assunto, adiou sua decisão final para 4 de abril, por falta de tempo para julgar a questão. Nesse ínterim, o ex-presidente teve garantido um salvo-conduto para não ser preso, até que a corte decidisse o caso.

Os dias que se seguiram foram de apreensão. O PT fez enorme pressão no STF para que fosse colocada em debate a jurisprudência sobre a prisão após a condenação em segunda instância. O ministro Gilmar Mendes, que em 2016 votou favoravelmente à execução provisória da pena, mudou sua posição e pretendia discutir o assunto no julgamento do habeas de Lula. Pela nova interpretação, o condenado poderia ser preso somente após trânsito em julgado no STJ.

Em 3 de abril, milhares de brasileiros foram às ruas protestar contra a impunidade, exigindo que o STF mantivesse sua posição consagrada em 2016. Até mesmo o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, manifestou-se em defesa da Justiça, por meio do Twitter – fala que gerou polêmica no debate público.

“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, afirmou o general.

O país olhava atento para a ministra Rosa Weber, cujo voto era considerado uma incógnita e seria decisivo para o julgamento. Após mais de dez horas de sessão, no entanto, venceu a Justiça: a maioria da corte (6×5) — incluindo Rosa — negou o habeas corpus para Lula. Além disso, a questão da prisão após a segunda instância foi levantada por Gilmar Mendes, mas não foi apreciada. Era o fim da linha para o ex-presidente.

A ordem de Moro

Após a decisão do STF, o caminho estava livre para Lula ser preso. Na tarde de 5 de abril, o TRF-4 informou ao juiz Sérgio Moro que estava autorizada a execução da pena. Menos de 20 minutos depois, o magistrado paranaense deu a ordem que parou o país: o ex-presidente tinha 24 horas para entregar-se espontaneamente à Polícia Federal de Curitiba.

A ordem, no entanto, não seria cumprida facilmente. Imediatamente, o petista se entrincheirou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). Líderes da esquerda e centenas de militantes rumaram para o local, para dar apoio a Lula e planejar os próximos passos. Alguns defendiam que ele resistisse à prisão. Outros achavam melhor que se entregasse.

Na manhã de sexta-feira, 6 de abril, Lula decidiu permanecer no sindicato. Ao longo do dia, o ex-presidente e seus advogados discutiam as condições para que a ordem fosse cumprida, enquanto seus aliados atacavam Moro. As 24 horas se passaram e o impasse permaneceu, até que houve um acordo: o petista se entregaria após uma missa em homenagem ao aniversário de sua esposa Marisa Letícia, falecida em 2017.

A missa que virou comício

Sábado, 7 de abril. Mais de 12 horas depois de descumprido o prazo definido por Sérgio Moro, Lula se manifestaria pela primeira vez após ter sua prisão decretada. Apesar de ser um ato em homenagem a Marisa Letícia, a missa teve raríssimas menções à ex-primeira-dama – e a politização do rito foi criticada pelo arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer. Com artistas em um trio elétrico e algumas das principais figuras da esquerda, o evento se tornou um showmício.

Ao longo de 55 minutos, o petista fez um forte discurso de ataque a Moro, à imprensa e aos seus opositores, que estariam em conspiração para levá-lo à cadeia. Falando para as centenas de pessoas em frente ao sindicato, ele enfileirou seus feitos no governo, ao mesmo tempo em que incitou seus militantes a ocupar fazendas e queimar pneus.

“Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare. Eu não pararei porque eu não sou um ser humano. Sou uma ideia”, disse Lula, anunciando ao público que se entregaria à Polícia Federal. No ato, ele também saudou os pré-candidatos à presidência Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL), que lhe prestaram apoio.

A prisão de Lula

Após o discurso, Lula voltou ao sindicato, carregado por seus apoiadores. O petista ficou por mais algumas horas no local, até que tentou se entregar. No entanto, dezenas de militantes impediram que o carro com o ex-presidente deixasse o local. O impasse permaneceu até a noite, quando um comboio da Polícia Federal, enfim, cumpriu a ordem: Lula estava preso.

Os veículos seguiram até a Superintendência da PF em São Paulo, onde foi feito o exame de corpo de delito. Em seguida, o petista foi levado até Curitiba em um avião monomotor. Uma hora depois, chegava à sede da Polícia Federal na capital paranaense, para iniciar sua pena em uma cela especial, separada de outros presos como Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, e seu ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci.

A prisão de Lula foi celebrada por muitos brasileiros com rojões, buzinaços e panelaços por todo o país. Enquanto isso, seus aliados se mobilizam em um acampamento em Curitiba, onde pretendem permanecer até que ele saia do cárcere.

A luta permanece

O encontro de Lula com a Justiça é o ponto mais alto da Operação Lava Jato. O trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público, iniciado em 2014, expôs as entranhas da corrupção e das relações espúrias entre agentes políticos e privados. Figuras dos principais partidos foram atingidas. O ex-presidente, que acusa a Justiça e a imprensa de lhe armarem um golpe, junta-se ao rol de líderes presos nos últimos anos, como o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho e os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves.

Entretanto, permanece no ar a tensão sobre o retorno da impunidade. A esperança de Lula para deixar a prisão é a discussão sobre a execução da pena após a segunda instância. O ministro do STF Marco Aurélio Mello, que votou a favor do habeas para o petista, pretende levar o assunto à pauta da corte.

“Eu tenho que cumprir o meu dever. Não posso engavetar”, afirmou o ministro, sobre liminar solicitada pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) para rever a jurisprudência, no âmbito de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade sobre o tema.

Com a mudança de posição de Gilmar Mendes, permanece a incógnita sobre o voto da ministra Rosa Weber. No julgamento do habeas, ela deu indícios de que poderia se alinhar a essa posição. Até o fechamento desta edição, o Supremo não havia decidido a questão.

Lula 2018?

Por enquanto, o PT segue firme em sua ideia de inscrever Lula como candidato a presidente. Esse cenário é possível, mesmo com o ex-presidente na cadeia. No entanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve barrar a iniciativa, com base na Lei da Ficha Limpa. Caso isso aconteça, o partido pode recorrer ao STF, o que deve alongar ainda mais a discussão.

Internamente, o PT discute alternativas como Jacques Wagner e Fernando Haddad. Os atos de abril também deixaram no ar a possibilidade de uma união com Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL). A definição só deve acontecer nas próximas semanas.

Os demais pré-candidatos aguardam com ansiedade os próximos passos, que repercutirão em todo o cenário eleitoral. De acordo com pesquisa de janeiro do Datafolha, 35% dos eleitores de Lula votariam em branco, nulo ou não sabem quem escolher se o petista não estiver na disputa. Outros 29% se dividem entre Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede).

A única certeza é de que a imagem do outrora líder máximo da esquerda latina sofreu um enorme abalo. De presidente celebrado pela maioria da população, hoje sua figura é o símbolo máximo da polarização do país, que movimenta paixões e ódios. Mas sua prisão é, também, retrato de um Brasil que demonstra, enfim, que a lei é para todos. Por mais que tente se vitimizar, o ex-presidente teve amplo direito de defesa, mas não está acima da Justiça. Nem ele, nem ninguém.

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