O sentimento Bolsonaro

Chefe, guia, representação de determinado grupo. As definições semânticas de líder são simples, mas, na prática, requerem uma gama de combinações para que se possa identificar um verdadeiro perfil de liderança. E mais do que isso: de sua importância, seja em uma corporação no setor privado, seja em um grupo ou ente político.

O Brasil viu, ao longo dos últimos meses, a ascensão de Jair Bolsonaro. As hipóteses de sua candidatura, enquanto ainda era deputado federal, chamaram pouca atenção dos analistas políticos. Passado um tempo, com a consolidação de seu nome, a maior parte dos especialistas era taxativa: Bolsonaro não estaria no segundo turno das eleições presidenciais. Com um crescimento regular, ele foi arregimentando adeptos na medida em que se mostrou a alternativa mais forte como representante do antipetismo, da intransigência contra a corrupção e do resgate de costumes.

O capitão da reserva foi ganhando terreno, alicerçado em valores bem trabalhados — como o retorno do orgulho pelo país, a retomada da confiança na economia e a tolerância zero contra a bandidagem. De acordo com pesquisa produzida pelo jornal Folha de São Paulo (publicada em 18 de junho de 2018), 40% dos eleitores do candidato diziam ter vergonha do Brasil. Em relação à economia, 74% responderam que a situação do país havia piorado no primeiro semestre. Eram sinais evidentes de uma marcada insatisfação com os rumos da nação.

Conexão com a população

Em cima dessas percepções, a vitória de Bolsonaro foi sendo fortalecida a partir da habilidade de conexão com a opinião pública, como definiu Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice. “Ele surfou nessa onda desde dezembro”, avaliou, em entrevista recente.

Na avaliação do cientista político Paulo Moura, o então candidato tinha um diferencial interessante: a campanha na internet, com uma base orgânica e descentralizada. “Ele estava há mais de três anos construindo essa base. Ele possui milhões de seguidores internautas, muito deles entendendo de mídias sociais. Foi uma campanha capilarizada, orgânica, hiperativa e imbatível”, resume.

Moura destaca ainda que o eleitor estava em busca de alguém fora da política ou que comunicasse algo novo. Bolsonaro, embora exerça mandatos há 30 anos, nunca foi alvo de acusações de corrupção, assim como seus filhos. Além disso, uma das demandas centrais era a segurança. “O eleitor pedia um choque de ordem”, acrescenta

O novo presidente também teve uma capacidade de mobilização social, segundo o cientista. “Ele criou uma imagem própria. O eleitor se mobilizou por uma esperança da ordem pública e crescimento econômico.”

Já o analista político Flavio Morgenstern aponta outro fator importante: pela primeira vez houve um representante da direita [confira a entrevista na íntegra a partir da página 20]. De acordo com Morgenstern, o movimento é mundial, e o establishment perdeu representatividade, já que a sociedade quer soluções diferentes. Além disso, o termo “conservadorismo” deixou de ser assustador, passando a dialogar com realidades de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Inglaterra.

O perfil de um líder

Da conjunção desses vários fatores, nasceu e cresceu Bolsonaro. Mas, afinal, o perfil do presidente eleito traz consigo as características de um líder?

Na lista dos atributos de alguém nessa posição estão o espírito de chefia, a retidão, a lealdade e um conhecimento mínimo de administração. Também se agrega o desejo de crescer, ser popular e pautar suas palavras sempre pelo que considera como verdade, dizem os manuais de gestão e administração. São qualidades muito próximas do que se conhece do próximo presidente.

Além disso, um líder deve ser bom observador, ou seja, estar atento ao seu redor. Nesse quesito, Bolsonaro pautou-se pelos exemplos de países que assumiram postura antiglobalista. Embora tenha alavancado críticas da esquerda pelo alinhamento com os Estados Unidos, por outro lado, arregimentou eleitores em função dos resultados positivos da economia americana. Em comum, Bolsonaro e Donald Trump foram vítimas de preconceito por parte do eleitorado, mas se sobrepuseram nas urnas. Com retórica firme, ambos não medem palavras nos embates com adversários, nem se rendem ao politicamente correto. São diretos e transparentes de uma forma que o Brasil e os EUA não conheciam.

Na avaliação do especialista em comunicação política e influenciador digital Mateus Colombo Mendes, demorou para a imprensa e os intelectuais se darem conta do potencial do presidente eleito. “Bolsonaro fez-se líder porque estava atento aos anseios da população real, do Brasil real – não do Brasil lacrador de programas como Encontro com Fátima Bernardes programa Amor & Sexo, ou do Brasil militante das salas universitárias e das redações de jornal e TV”, explica. Segundo ele, o povo cansou de ouvir promessas de diminuição do preço do gás de cozinha, enquanto seus familiares morrem em assaltos.

Para Colombo, o capitão da reserva percebeu “que o gigante acordou, enquanto a classe política preferiu ficar dormindo”. “Bolsonaro fez-se líder, enfim, e principalmente, porque ele é verdadeiro. Para o bem e para o mal. Vivemos um tempo deliciosamente cruel para a politicagem, em que maquiagens e marqueteirismos não têm vez. E tudo isso vale para Trump. Homens de carne e osso, reais e atentos à realidade, dispostos a defender os interesses da maioria silenciosa e trabalhadora ante a tirania das minorias barulhentas e das elites falantes, dos poderosos de sempre”, elucida.

Do discurso à prática

Romper com o toma-lá-dá-cá na distribuição de cargos e ministérios era uma das principais demandas da sociedade, cansada de ver estruturas serem feudalizadas para benefício de partidos e corporações. Durante a campanha, Bolsonaro comprometeu-se a acabar com esse ciclo fisiológico, priorizando a indicação de nomes técnicos para as diferentes pastas.

Passada a eleição, ele tem cumprido à risca sua promessa, indicando profissionais experimentados em suas áreas para compor a equipe. Seguindo a lógica que marcou sua trajetória, os anúncios dos escolhidos são feitos sem pompa, comunicados pela conta do presidente no Twitter – um estilo que bebe na fonte de Trump.

Sobretudo na economia, os nomes têm sido bem recebidos pelo mercado e especialistas. Também teve repercussão muito favorável a indicação de Sergio Moro para a pasta da Justiça, reforçando o compromisso do novo governo em combater a corrupção de forma rigorosa.

Os primeiros sinais são positivos. Prestes a assumir o Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro levará consigo a esperança de milhões de brasileiros que o elegeram não apenas presidente — mas um verdadeiro “mito”. Resta saber se o caminho do discurso à prática será exitoso ou tortuoso.

Guinada à Direita na América Latina

A eleição de Jair Bolsonaro escancara um movimento no continente: em apenas dez anos, o perfil ideológico da América do Sul mudou de forma radical. Os sucessivos fracassos de governos de esquerda, sobretudo a catástrofe do bolivarianismo na Venezuela, levaram a maioria dos países a eleger presidentes de orientação à direita, sejam liberais ou conservadores.

No ano de 2009, apenas a Colômbia não tinha um presidente de esquerda, sendo governada por Álvaro Uribe. Lula (Brasil), Hugo Chávez (Venezuela) e Cristina Kirchner (Argentina) eram alguns dos nomes proeminentes à época. Uma década após, a esquerda comandará apenas seis nações, como Uruguai e Equador. A direita, enquanto isso, estará à frente de potências como Brasil, Argentina e Chile. Confira os mapas, dividindo as matizes políticas entre azuis (direita) e vermelhos (esquerda):

 

OS ELEITOS DE BOLSONARO

Com nomes experientes e reconhecidos em suas áreas, o presidente eleito vai preenchendo a Esplanada dos Ministérios – e reforçando compromissos de um governo técnico e preparado para os desafios do país.

Paulo Guedes

Ministro da Economia

Primeiro nome indicado pelo presidente, ainda antes da campanha, é economista com PhD pela Universidade de Chicago. Aos 69 anos, foi professor da PUC-Rio e FGV e fundador do Instituto Millenium e do Banco Pactual. De perfil puramente liberal, comandará uma superpasta que deve reunir Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio Exterior.

Onyx Lorenzoni

Ministro-chefe da Casa Civil

Formado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Santa Maria, tem 64 anos, foi deputado estadual e, por quatro mandatos, deputado federal pelo DEM do Rio Grande do Sul. Foi relator do projeto das 10 medidas contra a corrupção, fará a interlocução com o Congresso.

Sergio Moro

Ministro da Justiça e Segurança Pública

Com 46 anos, foi juiz federal do TRF da 4ª Região por duas décadas. Notabilizou-se ao julgar alguns dos principais crimes identificados pela Operação Lava Jato – incluindo o ex-presidente Lula. Aceitou comandar a pasta da Justiça, tendo como foco o combate à corrupção.

Augusto Heleno

Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional

Formado na Academia das Agulhas Negras, tem 71 anos e foi comandante militar da Amazônia e da missão das Nações Unidas no Haiti. Um dos principais conselheiros de Bolsonaro, responderá pelo gabinete que assessora a presidência em questões militares e de segurança.

Tereza Cristina

Ministra da Agricultura

Engenheira agrônoma e empresária, 64 anos, é deputada federal pelo DEM do Mato Grosso do Sul e uma das principais lideranças do setor produtivo na Câmara. Presidente da Bancada Ruralista, sua indicação foi elogiada pelas principais entidades. Foi a primeira mulher anunciada por Bolsonaro para a equipe.

Ernesto Araújo

Ministro das Relações Exteriores

Graduado em Letras pela UnB, ingressou na diplomacia em 1992, participando de missões e chefiando postos na União Europeia, Mercosul e América do Norte. Em 2018, aos 51 anos, foi promovido a ministro de Primeira Classe e dirigiu o Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty.

Gustavo Bebianno

Secretário-Geral da Presidência da República

Advogado, 54 anos, é uma das figuras mais próximas do presidente. Comandou o PSL, partido de Bolsonaro, durante a eleição. No órgão, ficará responsável por setores como a Secretaria Especial de Comunicação Social e o Programa de Parcerias de Investimentos.

Osmar Terra

Ministro da Cidadania e Ação Social

Médico, foi prefeito de Santa Rosa (RS) e é deputado federal pelo MDB-RS. Secretário de Saúde no Rio Grande do Sul durante os governos Germano Rigotto e Yeda Crusius, foi ministro do Desenvolvimento Social e Agrário de Michel Temer. Agora, assumirá a pasta criada por Bolsonaro, que unirá áreas sociais, cultura e esporte.

O NOVO DÁ AS CARAS

Estreando na disputa nacional, o partido elegeu seu primeiro governador e oito deputados federais – e ajudou a consolidar ideias liberais no país

Novos ares pairam sobre a República. A consolidação de ideias liberais, como diminuição do tamanho do Estado e estímulo à livre iniciativa, foi construída por diversos atores ao longo dos últimos anos. Um deles, no entanto, se destacou em sua estreia no processo eleitoral nacional: o partido Novo.

A sigla, que iniciou suas atividades em 2015, conquistou importantes espaços entre a população, atraindo sobretudo pessoas jovens e sem histórico na política. Entre todos, o desejo de ser parte da transformação do país de forma direta, mas propondo ideias inovadoras e um pensamento firmemente liberal. A agremiação, por exemplo, rejeita o uso de recursos dos fundos partidário e eleitoral, financiando suas atividades com dinheiro 100% de filiados e simpatizantes.

Depois de largar em 2016 com quatro vereadores, o Novo lançou candidaturas próprias à Presidência e aos governos de vários estados no pleito de outubro. Mesmo sem coligações e com pouco tempo de televisão, o partido deixou sua marca e colheu importantes resultados na eleição de 2018. Na corrida ao Palácio do Planalto, João Amoêdo conquistou o quinto lugar, com mais de 2,6 milhões de votos – número bem superior aos de Henrique Meirelles, do tradicional MDB, e de Marina Silva, que esteve pela terceira vez na disputa.

No Congresso, o partido elegeu oito deputados federais – entre eles, o sétimo parlamentar mais votado do país: Marcel van Hattem, do Rio Grande do Sul, que fez 349,8 mil votos. Mas o resultado mais significativo veio de Minas Gerais: o empresário Romeu Zema, surpreendendo pesquisas e analistas, venceu e tornou-se o primeiro governador eleito pelo Novo. No segundo turno, fez teve 71,80% da votação, com quatro milhões de votos à frente do ex-governador Antonio Anastasia (PSDB).

Durante a campanha, o Novo trouxe ao debate pautas que ganharam força na opinião pública – e que chegaram a repercutir nos discursos de outros candidatos. É o caso do Rio Grande do Sul, onde Mateus Bandeira, candidato a governador, reforçou a defesa das privatizações e de medidas inovadoras para oferecer acesso a saúde e educação de qualidade.

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