O último presidente militar e a redemocratização do Brasil

Em 15 de março de 1979, o general João Batista Figueiredo chegou à Presidência da República. Nunca foi popular, mas consolidou o processo de abertura iniciado pelo seu antecessor, general Ernesto Geisel. Apesar do ceticismo reinante, no dia 7 de setembro daquele ano, depois de uma intensa campanha popular, o Congresso aprovou uma anistia parcial, permitindo o retorno de cerca de 10 mil exilados ao país. Em dezembro, a Lei Federal n. 6.767 extinguiu o bipartidarismo. No início de 1980, começou a surgir uma plêiade de novos partidos: PMDB, PTB, PDT, PT, PP, PDS e outros que seriam organizados na sequência.

Aquele foi o “Verão da Abertura”, cujo símbolo foi a tanga de crochê que o ex-guerrilheiro Fernando Gabeira desfilou na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. O país sonhava com a mudança. A juventude, os artistas, a intelectualidade e os políticos ansiavam por retomar o fio da história interrompido em 1964.

Mas nada seria tão fácil. No dia 27 de agosto de 1980, explodiu uma carta-bomba na sede da OAB no Rio de Janeiro, ferindo mortalmente a secretária Lyda Monteiro da Silva. O ataque, cuja autoria nunca foi esclarecida, ocorreu no momento em que a OAB fazia uma campanha pública para identificar agentes dos serviços de segurança suspeitos de torturar o jurista Dalmo Dallari, sequestrado em julho do mesmo ano em São Paulo.

Cerca de 6 mil pessoas foram ao enterro de Lyda, que se tornou palco para uma manifestação em defesa do processo de abertura política. Suspeitou-se, à época, de que o atentado partira da extrema-direita abrigada nos serviços de informação, contrária à redemocratização do país. O momento era crucial, pois se preparavam as eleições diretas.

Com a oposição dividida em quatro partidos e os governistas concentrados no PDS, Figueiredo adiou por dois anos as eleições municipais marcadas para novembro de 1980, estendendo o mandato dos prefeitos e vereadores que estavam no poder, na sua maioria, identificados com a antiga Arena.

O grande teste dos novos partidos veio em novembro de 1982. Era a primeira vez, desde 1965, que a população elegia os governadores dos estados pelo voto direto. Mas um pacote eleitoral proibiu as coligações e estabeleceu o voto vinculado: assim, um vereador e um prefeito puxavam o voto para outros candidatos do partido. O estratagema beneficiou os governistas.

Figueiredo alcançou o final de seu mandato desgastado. Uma explosão no estacionamento do Riocentro, num show que comemorava o Dia do Trabalho, em 1981, foi o último atentado da extrema-direita contra o processo de abertura. Os suspeitos não foram punidos e ministros caíram. O episódio sintetizou a falta de popularidade do último presidente de uma ditadura derrotada, mas ainda ameaçadora.

Durante a década de 1970, o país crescera em média 8,7% ao ano. Mas nos anos 80 esses índices despencaram para raquíticos 2,9%. Em 1985, a inflação alcançava a casa dos 211%. A relação entre salários e preços estava totalmente desequilibrada, enquanto o desemprego urbano atingia proporções alarmantes.

Nas grandes cidades registravam-se saques com frequência, e a violência cotidiana sobressaltava a população. Em São Paulo, o fenômeno das greves tornou-se endêmico: só no ano de 1979 foram mais de 400! Houve vários enfrentamentos com a polícia, especialmente durante as paralisações dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Luiz Inácio Lula da Silva surgia como liderança do “novo sindicalismo”, parecendo enfrentar a ditadura e a classe patronal, mas também divergindo da esquerda revolucionária. No campo, a Pastoral da Terra organizava-se, e desenhava-se o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

O chamado “milagre brasileiro” chegava ao ocaso, deixando ressaca. A economia exigia ajustes severos, a dívida externa atingia cifras esmagadoras, o déficit público era brutal, a estrutura do Estado clamava por reformas, a questão social explodia. A sociedade precisava reconquistar a autodeterminação política.

O primeiro passo para os novos desafios era o reencontro com a democracia. Em torno da divisa Diretas Já!, a nação foi às ruas, exigindo eleições diretas para a Presidência. Os grandes comícios voltavam à cena nas principais cidades brasileiras. Afinal, o movimento frustrou-se no seu objetivo, mas indiretamente logrou êxito ao aglutinar o Colégio Eleitoral em torno de uma alternativa viável de oposição, a do mineiro Tancredo Neves, que bateu o candidato governista, Paulo Maluf, em 15 de janeiro de 1985. O empresário Maluf, que governara São Paulo até 1982, vencera as prévias eleitorais, mas não conseguira unificar o PDS, provocando uma cisão interna que desaguou seus votos em Tancredo e fundou o PFL.

Tancredo Neves, que deveria ser empossado no cargo em 15 de março, foi hospitalizado com grave enfermidade e faleceu em 21 de abril. Houve profunda consternação. Foi uma decepção em dose dupla, pois Tancredo havia sido eleito com grande expectativa, depois da malograda campanha das Diretas Já!, quando os brasileiros tomaram as ruas, entre 1983 e 1984.

Com a morte de Tancredo, o vice José Sarney assumiu o mandato, não sem apreensão, pois muitos temiam que a “linha dura” aproveitasse o pretexto para inviabilizar a transição do poder aos civis. Sarney assumiu com cautela, como se estivesse pisando em ovos. Um dos grandes desafios seria assegurar a reconstitucionalização. Em 1º de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, que nos deu, em outubro de 1988, uma nova Constituição.

Por Gunter Axt

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  1. Aliás um lixo de constituição