Onde estão os nossos heróis?

Há apenas três décadas, quando o Brasil navegava em meio às crises econômicas e ingressava na redemocratização, figuras proeminentes surgiam como exemplos de liderança em diversas áreas. Ulysses Guimarães, Ayrton Senna, Betinho e outros nomes alcançavam um status de consenso, reconhecidos pelos papéis que desempenhavam naquele momento histórico.

Chegamos a 2018. Uma grave crise política e econômica levou os brasileiros à desesperança, ao desemprego e a questionar as instituições. Mas, em contraste com 30 anos atrás e com o panorama de outras nações, a população se encontra em um deserto. Para onde quer que olhe, não vê ninguém que a conduza ao tão sonhado oásis: um país com melhores perspectivas.

Onde estão as lideranças da atualidade? Por que enfrentamos essa ausência de figuras em quem acreditar e que inspirem nossa caminhada para o futuro?

“Diferentemente de outras nações, temos no Brasil certo desprezo pela trajetória de nossas lideranças históricas. Em situações de dilemas morais como a que vivemos, o que Joaquim Nabuco faria? No tempo de Juscelino Kubitschek, quais foram os problemas que ele enfrentou – e como enfrentou?”, questiona o historiador Vinícius Müller. “Essa falta de apreço pelos líderes do passado nos deixa sem referências sobre aquilo que esperamos de uma liderança”, acrescenta Müller, que é professor do Insper e também integra o Centro de Liderança Pública (CLP).

O que é ser líder?

Professor e coach, Roberto Madruga define no livro “Triunfo da Liderança” que o líder é a “pessoa que comanda, conduz, influencia e inspira uma equipe para o melhor caminho possível e para o sucesso sempre, gerando benefícios mútuos”. A partir disso, afirma o autor, as pessoas se tornam mais bem-sucedidas, a sociedade prospera, e o líder transforma-se no grande condutor do progresso.

“O líder não é aquele que nos diz o que fazer, mas sim aquele que nos indica quais perguntas devemos fazer”, ressalta Vinícius Müller. O historiador acrescenta ainda que as lideranças devem atuar equilibrando adaptação e convicção, criando um espaço comum ao debate. “E isso é mais difícil de ocorrer quando o debate público é radicalizado e tomado por frases de efeito”, destaca.

O cientista político Luiz Felipe D’Ávila elenca três características essenciais que o líder deve possuir: habilidade de formar times com diversidade de talento e de pensamentos; boa comunicação, unindo as pessoas por meio da narrativa; e capacidade de institucionalizar políticas públicas, dando continuidade aos projetos de gestão.

Esses atributos são ainda mais importantes na formação de consensos que estabeleçam os rumos que pretendemos seguir. Em nossa história, as virtudes em questão estiveram presentes em figuras como Juscelino Kubitschek, que comandou o processo da construção de Brasília; Tancredo Neves, um dos principais nomes das Diretas Já e primeiro presidente civil eleito após o regime militar; e Ulysses Guimarães, que presidiu a elaboração da Constituição de 1988.

A crise é também de liderança

Os especialistas são unânimes em apontar a ausência de lideranças como elemento que gerou a crise atual no Brasil. “O grande vilão é a decadência das lideranças, que decidem mal, gerenciam sem metas e resultados e não aplicam estratégias modernas”, diz Madruga. Para Müller, as instituições são importantes, “mas as lideranças são aquelas que norteiam até o modo como vamos pensar nossas próprias instituições, que são representações de nosso código moral”.

Não bastasse a corrosão da economia, alguns dos principais nomes da política se veem envolvidos em investigações e delações relacionadas à Operação Lava Jato. Pairam suspeitas sobre todos os ex-presidentes ainda vivos e o atual mandatário, Michel Temer. Expoentes dos principais partidos, do PT ao PSDB, tiveram suas imagens arranhadas pelos escândalos que vêm a público desde 2014. De acordo com o site Congresso em Foco, 238 dos 594 deputados e senadores respondem a processos no STF.
Como resultado, a confiança da população nos agentes públicos e nas instituições democráticas desabou. De acordo com levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), apenas 6% dos brasileiros confiam no governo federal. O Congresso Nacional tem índice de 7%, enquanto o Poder Judiciário registra 24%. Apenas as Forças Armadas têm números positivos, atingindo 56%.

Além disso, o Brasil está entre os piores índices do Latinobarómetro 2017, que mede a satisfação da população latino-americana em relação aos governos. Segundo pesquisas do instituto, somente 13% dos brasileiros estão satisfeitos com o funcionamento da nossa democracia. E mais grave: só 1% considera que vivemos em uma democracia plena – índice pior até mesmo que o da Venezuela de Nicolás Maduro (8%).

A ausência de grandes lideranças não é apenas na política. Faltam figuras da nova geração em outras áreas, como cultura e esporte. Se antes tínhamos personalidades de reconhecimento indiscutível, hoje nomes como o jogador Neymar e o ator Wagner Moura estão longe de conquistar a unanimidade, seja por suas iniciativas ou posicionamentos ideológicos. Em um ambiente de grande radicalismo, são raros aqueles que conquistam amplo respaldo.

A mãe de todas as reformas

Para o cientista político Luiz Felipe D’Ávila, o sistema político-partidário está na raiz dessa crise de lideranças, devido à concentração de poder e de recursos de campanha entre candidatos já conhecidos, além da distribuição do horário de televisão. Para mudar esse quadro, ele ressalta a necessidade de uma reforma política.

“Ela é a mãe de todas as reformas. É importante não só para enxugar o número de partidos, mas também para permitir que novas lideranças surjam desse processo, comprometidas com a reforma do Estado brasileiro”, afirma. Entre as medidas necessárias nesse contexto, ele aponta a cláusula de barreira e a implementação do voto distrital.

O surgimento de grupos de formação de lideranças é visto com otimismo pelos especialistas. Para D’Ávila, isso mostra que o cidadão que estava distante tomou as rédeas para entrar de vez no meio político. “A sociedade está reagindo, querendo participar do jogo. Está saindo de um estado de omissão e passividade, de apenas delegar a responsabilidade aos políticos pelo voto”, avalia.

O historiador Vinícius Müller ressalta a importância da aproximação de pessoas diferentes, mas que promovam um debate produtivo. “As lideranças não precisam concordar entre si. Devem compreender como pensam aqueles de quem discordamos. Para isso, ambos têm de estar dispostos a entender a linguagem do outro”, analisa.

Nesse sentido, as eleições de 2018 são vistas como um ponto crucial. Um momento do qual se espera uma grande renovação não apenas no Congresso, mas também em cargos majoritários, com a ascensão de novas lideranças que estão em gestação. Ainda estamos distantes do desejado oásis. Mas nos aproximamos de melhores rumos nessa caminhada no deserto.

Figuras inspiradoras no mundo atual

Angela Merkel

Chanceler da Alemanha desde 2005, foi reeleita para seu quarto mandato em 2017. Considerada a mulher mais poderosa do mundo, é a principal líder da União Europeia, atuando com firmeza pela unidade do bloco. Para 2018, espera-se que, com a França, conduza uma refundação do grupo europeu.

Roger Federer

Recordista em títulos de Grand Slam, mais velho número 1 do mundo e considerado um dos maiores atletas de todos os tempos, o tenista suíço é reconhecido como uma figura inspiradora. Destaca-se pela humildade e respeito pelos adversários. Também possui uma fundação destinada a promover o acesso de crianças à educação e ao esporte.

Oprah Winfrey

Atriz, apresentadora e empresária, Oprah conduziu o talk show mais assistido da história dos Estados Unidos. Considerada uma das mulheres mais influentes do mundo, foi cogitada para concorrer à presidência americana após um marcante discurso no Globo de Ouro de 2018, abordando o movimento das atrizes de Hollywood contra o assédio.

Elon Musk

Um dos principais empreendedores em atividade no mundo, o CEO de empresas como Tesla e SpaceX tem investido pesadamente em iniciativas para uso de energia limpa e exploração espacial. Em fevereiro, conduziu o lançamento do foguete mais poderoso em atividade, o Falcon Heavy, que levou à órbita um de seus carros elétricos.

Movimentos da sociedade buscam novos líderes

A derrocada de nomes tradicionais da política impulsionou o surgimento de diversos movimentos suprapartidários para incentivar ou formar novas lideranças. Empresários, profissionais liberais e acadêmicos são alguns dos participantes ou financiadores desses grupos, que compartilham bandeiras como a valorização da ética, um Estado mais eficiente e a priorização do cidadão.

Um dos principais projetos é o RenovaBR, apoiado por figuras como os empresários Eduardo Mufarej e Abilio Diniz, além do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. A iniciativa visa formar candidatos a cargo legislativos, com bolsas que variam de R$ 5 mil a R$ 12 mil. Entre os selecionados, estão nomes ligados a partidos como Rede, PSDB, Novo e PSC.

Outro movimento, o Acredito, lançou um processo seletivo para escolha de “representantes cívicos” federais e estaduais. Composto por jovens com formação em Harvard, o grupo apoiará lideranças que estejam comprometidas com valores como sustentabilidade, pluralidade da sociedade e igualdade de oportunidades.

Já o Instituto Brasil 21 se caracteriza como uma incubadora de organizações políticas. Oferecerá suporte a diferentes grupos de renovação de lideranças, como o Agora!, ligado ao apresentador Luciano Huck, a Bancada Ativista, que conta com a participação de nomes do PSOL, e a RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, que reúne figuras de diversos partidos.

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