Os dogmáticos da República de Gilead

Trinta anos atrás uma poetisa e escritora canadense chamada Margareth Atwood (hoje com 77 anos) escreveu o livro The Handmaid’s Tale (O Conto da Aia), história passada em um hipotético futuro em que os Estados Unidos – então chamados República de Gilead – viviam sob uma ditadura católica, após as taxas de fertilidade terem desabado em função da poluição ambiental.

Mulheres e minorias não têm mais direitos. Não podem trabalhar, ter propriedades, dinheiro ou ler. As poucas mulheres ainda férteis viraram as AIAS, destinadas a procriar para seus donos, governantes selecionados pelo Poder com base na sua posição na hierarquia.

A protagonista é uma Aia, Offred (Of Fred, ou em uma tradução literal, “A do Fred”), uma mulher que vive entre o ritual de cópula todas as noites em busca de uma gravidez para seu dono e a esposa infértil e compras de produtos em embalagens coloridas (já que não pode ler) no supermercado próximo.

Offred já teve marido e filha. Ele foi morto pelo Estado e ela enviada a um campo de refugiados.

O Conto da Aia foi adaptado para streaming pela HULU, através do produtor de E.R., Bruce Miller, em um trabalho de um capricho extraordinário em todos os seus detalhes.

Offred é vivida pela atriz Elizabeth Moss, de Mad Men e Top of the Lake, duas séries de TV consagradas. O que ela faz como Offred é simplesmente inacreditável. A contenção e emoção de suas expressões e a violência de seus olhares e silêncios dão a real dimensão de uma personagem violentada a cada instante. Não foi por nada que Moss era considerada favorita para o Emmy Awards e levou o prêmio de Melhor Atriz, com outros sete prêmios da série, inclusive o principal da noite, o de Melhor Série Dramática do Ano.

No elenco de Handmaid’s Tale estão excelentes atores, como Joseph Fiennes (como Fred), Ivonne Strahovsky (de 24 Horas – Viva um Novo Dia), Max Minghella (Tudo pelo Poder), Amanda Brugel (O Quarto de Jack) e a premiada Ann Dowd (de Terapia de Risco), vivendo uma inacreditável Tia Lydia.

Evidentemente, as ações de todas as pessoas são monitoradas em Gilead e quem desrespeitar as regras vai ser rigorosamente punido, seja por uma sessão de apedrejamento (como na Bíblia), seja com o banimento para os campos de refugiados onde se depositam resíduos nucleares.

Como se vê, Gilead é a República de uma opinião só.

Embora sejam muitas as obras literárias e cinematográficas sobre ditaduras e governos totalitários que viraram clássicas (A Revolução dos Bichos e 1984, de George Orwell, Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, e assim por diante), O Conto da Aia é o livro/série do momento.

Infelizmente, nos dias atuais, no microcosmo de nossa cidade ou em um panorama mundial, os atentados à liberdade individual e aos direitos fundamentais do ser humano se tornam cada vez mais corriqueiros, banais e assustadores.

Não há um dia sequer em que não se tome contato com notícia ou comentário de afronta explícita a valores tão básicos que imediatamente surge a imagem da supressão da liberdade pela força.

Seja porque é cinema da melhor qualidade e texto de primeira linha, seja pelos valores humanitários diferenciados que defende, The Handmaid’s Tale é uma série de visão obrigatória para as pessoas preocupadas em pensar o mundo atual.

Até porque, por tudo que se tem visto no dia a dia, a República de Gilead não é tão ficcional e nem tão distante de nós.

THE HANDMAID’S TALE

(O Conto da Aia)

Série criada por Bruce Miller para a HULU a partir do livro de Margareth Atwood

COM:

Elisabeth Moss, Joseph Fiennes, Ivonne Strahovsky e Max Minghella

GÊNERO:

Drama

Por Marco Antonio Campos

Advogado e sócio da Campos Escritórios Associados

 

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