Os enigmas de 2017

Futuro: ano 1

Impeachment, recessão, Lava Jato, Brexit, Síria, Trump. O que esperar de 2017 após a “tempestade perfeita” de 2016

Por Leonardo Pujol

Para muitos, a passagem do ano representa uma espécie de marco existencial. É a oportunidade de recomeçar, de corrigir rotas e de retomar projetos deixados pelo caminho – especialmente depois de um ano como 2016, tão cheio de incertezas e de mudanças inesperadas. Turbulento, no Brasil o ano que passou foi de recessão econômica, de tensões políticas nas ruas e de uma crise institucional que culminou em um ato traumático por natureza – o impeachment.

No mundo, foi também o ano do Brexit, do acirramento dos confrontos no Oriente Médio, da crise imigratória, do terrorismo e de uma reação surpreendente: a ascensão de projetos nacionalistas e antiglobalizantes, sublimados na escolha de Donald Trump como presidente da maior potência econômica do planeta. Os problemas podem ser conhecidos e ter similitudes com outros períodos da História. Mas o mundo agora é outro: mais complexo e mais avançado – e também mais imprevisível e, às vezes, assustador. No Brasil, muitos desafios são inéditos. O governo vive uma crise de caixa sem precedentes, com os estados à beira da insolvência.

É evidente que, ao contrário da crença popular, a simples virada de páginas do calendário jamais seria suficiente para colocar fim nas surpresas que o destino empacotou em 2016. Mas o início de um ano novo permite, ao menos, estabelecer uma fronteira para a análise da História: qual será o legado econômico, político e social de tantos acontecimentos? De que modo eles vão moldar os fatos no decorrer de 2017? É o que explicamos nas próximas páginas.

 

ECONOMIA

Para voltar a crescer

 Após a aprovação da PEC que congela os gastos, o governo federal segue com reformas e renegociações em busca do ajuste das contas

O curso da História nem sempre é um jogo simples de causa-efeito. Para antever o que será de 2017, é preciso não só conhecer os estopins das grandes mudanças, mas também o contexto em que elas tendem a se desenrolar no futuro. A onda nacionalista e isolacionista que começa a guiar as principais potências econômicas do planeta não terá, necessariamente, os mesmos desfechos extremos que sucederam ao final da I Guerra Mundial. E nada indica que a recessão – que abate a economia brasileira há três anos consecutivos – será superada com os mesmos saltos de crescimento de outros períodos recentes de retração.

Ao obter a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos, no apagar das luzes de 2016, o presidente Michel Temer conquistou a sua principal vitória desde que assumiu o governo após o afastamento de Dilma Rousseff, em maio passado. A PEC do Teto aponta um caminho para o equilíbrio das contas públicas e retomada do crescimento da economia, apesar dos efeitos colaterais alertados por analistas que preveem a diminuição dos investimentos em saúde e educação.

O rigor da PEC também desperta a atenção. Enquanto na Holanda o controle de gastos é revisto a cada quatro anos e aumentos são permitidos se comprovada a existência de recursos, no Brasil investimentos maiores só vão ocorrer se forem feitos cortes em outras áreas – mesmo se a economia estiver andando bem. “A medida é tão rigorosa que sou cético quanto à sua duração”, opina o cientista político Mauricio Santoro, professor no Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “As pressões do jogo eleitoral podem implicar mudanças na lei ou mesmo na sua derrubada.”

Vencida essa primeira etapa, a prioridade será dar sequência a reformas complicadas. A principal delas é a da Previdência, que já tramita no Congresso. Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o projeto parou numa comissão especial – onde deverá ficar até o final de março. Centrais sindicais reclamaram do texto, que exige a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria. Esse teto ainda pode subir à medida que a expectativa de vida do brasileiro aumentar. Ainda será preciso cumprir pelo menos 25 anos de contribuição ao INSS, o que não garante o benefício integral, concedido apenas aos que contribuírem por 49 anos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), que disputa a reeleição para o cargo no início de fevereiro, afirmou que os parlamentares irão considerar as queixas. “Vamos construir esse debate na comissão especial. Se tem excessos, vamos corrigir os excessos”, disse ele, no começo de janeiro.

Outra pauta importante para governo é a reforma trabalhista, a começar pela permissão do saque do FGTS, mas com outras medidas a serem detalhadas com o envio do projeto ao Congresso, previsto ainda no primeiro trimestre. O objetivo é modernizar as leis e rever regras como a de trabalho temporário e a de formulação de acordos entre sindicatos e empregadores.

Coordenado pelo braço-direito de Temer, Moreira Franco, o Programa de Parceria e Investimentos (PPI) é outra prioridade do governo. O plano de privatizações e concessões promete melhorar as condições para a concessão de rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, obras de energia, mineração e saneamento. Aparece no horizonte, ainda, o apoio aos estados endividados – Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, sobretudo. Num cenário ideal, Michel Temer quer os planos aprovados ainda em 2017, antes que comece a corrida eleitoral. Por um motivo simples: “A economia com certeza será o grande mote da eleição”, afirma o cientista político Ricardo Borges Gama Neto, professor da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe) e diretor de pesquisa da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).

POLÍTICA

De olho em 2018

O rumo das eleições depende de desdobramentos do ano de 2016 como o julgamento da chapa Dilma-Temer e o desempenho do Congresso

Na disputa pelo ano mais turbulento no cenário político brasileiro – e, quem sabe, mundial –, 2016 aparece com amplo favoritismo. Não é sempre que uma presidente da República sofre um impeachment e um presidente da Câmara dos Deputados é cassado, e pior: preso. Também não é comum um governo recém-chegado ter de lidar com uma série de confusões ministeriais, como as que protagonizaram os (agora) ex-ministros Romero Jucá e Geddel Vieira Lima.

Não bastasse isso, a lama da Lava Jato respinga na imagem de partidos de praticamente todos os lados. Coloca em xeque o poder de representatividade do sistema político nacional. Enquanto isso, o contribuinte tem de encarar uma sucessão de manchetes indigestas, como aumento nos preços dos combustíveis, reajuste e retomada de impostos e endurecimento das regras previdenciárias. “A população está cansada”, resume Masimo Della Justina, cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

O troco veio nas urnas: o abandono de políticos tradicionais, o crescimento da “antipolítica” e a ascensão de candidatos “gestores”. O maior exemplo, nesse caso, atende pelo nome de João Doria Júnior (PSDB-SP). O empresário não só virou o partido de cabeça para baixo, ao garantir a vaga para representar os tucanos na eleição municipal de São Paulo, como surpreendeu ao ganhar a eleição no primeiro turno. “Esse antipoliticismo reflete a ausência de modelos que satisfaçam o eleitor”, entende Pedro Celio Borges, cientista político da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Junto aos outsiders, os evangélicos também se converteram em insumo antipolítico. No Recife (PE), os três vereadores mais bem votados na eleição passada fazem parte desse grupo. Ricardo Borges, da Ufpe, explica que a ascensão ocorre porque a população evangélica tende a concentrar o voto em poucos candidatos. “Em vez de voto pulverizado, eles votam juntos. Seguirão como ativo importante das composições políticas”, diz. Hoje, o maior símbolo evangélico na política brasileira é Marcelo Crivella (PRB-RJ), prefeito eleito no Rio de Janeiro.

Outro que se encaixa no espectro evangélico, embora mais atribuído à extrema direita, é Jair Bolsonaro (PSC-RJ). O deputado federal vem crescendo nas intenções de voto para presidente em 2018 – e deverá abocanhar um percentual significativo do eleitorado. “Muitas pessoas não radicais me dizem que votariam nele por conta da descrença na política”, afirma Santoro, da Uerj. Celebridades da televisão, como Roberto Justos e Dr. Rey, também manifestaram interesse no Planalto. Podem concorrer com Lula e tantos outros que ainda aparecerão. “A eleição de 2018 pode ser um pouco como 1989”, acrescenta Santoro, em referência aos 22 candidatos que concorreram à Presidência naquele ano – entre eles o apresentador Silvio Santos, que chegou a figurar entre os favoritos mas acabou impossibilitado de concorrer.

De qualquer forma, a campanha já começou. Muito do que se verá em 2018 vai depender da economia e das pautas no Congresso, como a reforma da Previdência e a votação do pacote anticorrupção. Isso sem falar da ação no Tribunal Superior Eleitoral, que investiga a chapa Dilma/Temer por suspeita do uso de dinheiro desviado da Petrobras na campanha de 2014. Se a dupla for considerada culpada, o TSE determinará a cassação do atual presidente. Isso ocorrendo, o Congresso terá de convocar eleições indiretas, como estabelecido pela Constituição Federal, ou mudar as regras para que o País tenha novas eleições – hipótese pouco provável. O ministro Herman Benjamin, relator da ação, deve apresentar seu voto ainda no primeiro semestre.

JUSTIÇA

Um Brasil mais transparente

Força-tarefa tende a superar o trágico acidente com o ministro Teori Zavascki e avançar com as novas delações

 Ao morrer em acidente aéreo às vésperas de decidir sobre as delações de 77 atuais e antigos executivos da Odebrecht, o ministro Teori Zavaski deixou, além de perplexidade, o temor pelo destino da Operação Lava Jato. Mas, mesmo sobre a tragédia que vitimou o relator do processo no Supremo Tribunal Federal, a tendência é de as investigações avançarem. Com agilidade, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, autorizou a continuidade do processo de homologação das delações, mesmo antes da definição do novo relator. Com isso, os  executivos começam a ser ouvidos pelos juízes auxiliares do ministro Teori.

As investigações sobre os desvios na Petrobras e em outras obras públicas federais entrou no seu quarto ano, e a expectativa com a megadelação da Odebrecht  é grande. A mais alta Corte do País tem a responsabilidade de deliberar, além dos 77 delatores, sobre ao menos 90 agentes políticos e parlamentares, entre os quais integrantes da cúpula de partidos como PMDB, PP, PSDB e PT.

Os depoimentos já conhecidos em janeiro lançam suspeitas contra 51 políticos de 11 partidos. Um ex-alto executivo da empreiteira, Cláudio Melo Filho, afirmou que o PMDB aceitou doações fraudulentas para campanhas eleitorais e traficou com leis em troca de dinheiro e que o próprio presidente do partido e da República, Michel Temer, aceitou R$ 10 milhões para sua campanha em nota divulgada pelo Palácio do Planalto, o presidente chamou de falsas as acusações de Cláudio Melo Filho, afirmou que as doações feitas pela construtora Odebrecht ao PMDB foram todas por transferência bancária e declaradas ao TSE e que não houve caixa dois nem entrega em dinheiro a pedido do presidente.

Independentemente da conclusão das investigações, os especialistas ouvidos para esta reportagem convergem para a certeza de que o Brasil está mais transparente.

“Não fomos assim a vida inteira. Agora, com Ministério Público e a Polícia Federal mais atuantes, junto dos jornalistas e das redes sociais, tendemos a esclarecer mais rápido as coisas”, analisa Della Justina, da PUCPR.

“O sistema de investigação que temos visto demonstra uma enorme eficiência, mas também reforça que essas práticas [de corrupção] já existiam. A novidade é o tamanho”, diz o cientista político Ricardo Borges.

Nomes do Judiciário ganham notoriedade – semelhante ao que ocorreu com o então ministro do STF Joaquim Barbosa durante o julgamento do Mensalão. O juiz federal Sergio Moro virou ídolo de uma grande parcela da população. Num levantamento feito em agosto passado pelo instituto Paraná Pesquisas, 54% dos entrevistados disseram que votariam no paladino da Lava Jato para presidente, caso ele concorresse. Moro diz não pensar nisso. Barbosa dizia o mesmo na época do Mensalão. Questionado recentemente acerca de uma eventual candidatura presidencial, porém, o ex-ministro respondeu que era um homem livre para se candidatar.

A atual presidente do STF, que concentra as atenções do país no momento crítico sobre o futuro da Lava Jato, também pode se consagrar como um símbolo do combate à corrupção. O apelo da sociedade por transparência é eloquente.

MUNDO

Onde está o líder?

A chegada de Donald Trump à Casa Branca, o start no Brexit e a ascensão da direita na Europa põem a globalização em xeque

A vitória na eleição presidencial do bilionário Donald Trump pegou de surpresa o mundo ocidental. De perfil intempestivo, o republicano triunfou com uma rocambolesca campanha marcada por comentários sexistas, racistas e xenófobos – como a promessa de construção de um muro para separar os Estados Unidos do México e a deportação em massa de imigrantes. “Ele é muito ligado à política nacionalista, aquela coisa de América para os americanos, numa visão também paternalista e de empresário”, analisa Marcial Conte Jr., editor da tradução de América Debilitada: Como Tornar A América Grande Outra Vez (Editora Citadel, 2016), livro escrito por Trump.

Não é privilégio dos Estados Unidos o crescimento do conservadorismo. Em diversas partes do globo são registradas realocações ideológicas nesse sentido. O “não” ao Acordo de Paz na Colômbia e o “sim” no Brexit – que culminará na saída do Reino Unido da União Europeia (UE) a partir de março – são as maiores provas disso. Na Rússia, o caminho também perpassa pelo nacionalismo. Após ocupar a região de Crimeia, na Ucrânia, Vladimir Putin, um czar contemporâneo, agora joga na Síria a sua projeção de poder ao negociar os acordos de cessar-fogo na guerra entre o governo e os rebeldes. Seu outro desejo é aumentar o poderio nuclear, o que ressabia ainda mais a globalização.

Na mesma toada, os movimentos nacionalistas de direita estão ganhando força. Já se projetam em países do leste europeu. Aos poucos, também avançam na Alemanha e na França, duas das maiores economias do continente e que viverão eleições neste ano. Os franceses vêm simpatizando com Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional e filha do histórico líder da extrema-direita Jean-Marie Le Pen, que se opõe à imigração e defende o retorno da pena de morte. Na Alemanha, o favoritismo está em Frauke Petry, líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que adota um discurso de exclusão do país da UE.

Caso a direita vença nesses locais, a probabilidade de uma onda protecionista é iminente – com cada vez mais países se fechando em uma época de terrorismo, crise migratória e de refugiados. “Construções que foram referência de avanço em relação à integração mundial, hoje estão postas em xeque”, diz Pedro Celio Borges, da UFG. No vácuo da geopolítica internacional fica a dúvida para saber quem liderará o que restar do mundo globalizado. “Hoje não existe ninguém, em país algum, capaz de conduzir uma grande negociação global”, responde Mauricio Santoro, professor de Relações Internacionais da UERJ. “Quem provavelmente vai crescer nesse vazio de poder é a China.”

Crédito da Foto em Destaque: Fábio Pozzebom/ABr (17/4/2016)

Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Please enter comment.
Please enter your name.
Please enter your email address.
Please enter a valid email address.
Please enter a valid web Url.