Os EUA estão ficando “desimperialistas”

Qualquer perfeito idiota latino-americano — do Malecón em Havana às assembleias sandinistas em Manágua, de uma fila por remédios em Caracas aos centros acadêmicos de universidades brasileiras — aprendeu a soltar o grito “abaixo o imperialismo ianque”. Bem, tais idiotas contam agora com um poderoso aliado: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Disseminado em fins do século 19 como resultado da Guerra Hispano-Americana, o imperialismo ianque, entendido originalmente como vocação territorial expansionista dos EUA, ganhou contorno mais sofisticado com o fim da Segunda Guerra Mundial. Washington dela emergiu como superpotência política, econômica e militar. Além da “expansão”, o imperialismo passaria a significar também “influência”.

Os Estados Unidos, ao contrário do que aconteceu após sua participação na Primeira Guerra Mundial, não poderiam mais, a contar de 1945, “voltar para casa”. Churchill recomendava aos EUA assumirem em definitivo a liderança dos valores e interesses ocidentais.

George Kennan, diplomata norte-americano lotado na Embaixada em Moscou nos anos 40, complementou e sofisticou a visão churchilliana de projeção global dos valores e interesses dos EUA e, por conseguinte, do ocidente. Kennan foi autor do famoso “Longo Telegrama”, que enviou ao Departamento de Estado em 1946. Seu conteúdo também foi remetido à revista Foreign Affairs. Assinado com o pseudônimo “X” e intitulado “As fontes da conduta soviética”, o texto se tornou um “manual do usuário” para a política externa “imperialista” dos EUA durante a Guerra Fria.

Segundo Kennan, a “vulnerabilidade básica” do território russo era um convite ao expansionismo. Para os czares vermelhos da União Soviética ou para Pedro, o Grande, o ataque seria sempre a melhor defesa. A URSS estaria vocacionada à “exportação” da Revolução de outubro de 1917. Não o internacionalismo proletário preconizado por Trotsky, mas uma projeção externa baseada na própria busca de espaços vitais. Caberia aos EUA assim “envelopar” a URSS, construindo em torno dela um “cordão sanitário”. Nascia a “doutrina da contenção” em que os interesses e valores do ocidente, liderado pelos EUA, deveriam ser defendidos em escala planetária.

Emerge desse cenário, portanto, uma nova e mais elaborada forma de imperialismo ianque — que se exerceria por acordos militares regionais como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o TIAR (Tratado Interamericano de Ajuda Recíproca) e o status de parceiro estratégico de defesa junto a países como o Japão e a Coreia do Sul. Formam-se também um banco de socorro de liquidez (FMI) e uma agência de fomento (Banco Mundial).

Nesse renovado imperialismo norte-americano, os EUA combateriam as esquerdas em qualquer lugar do mundo (por vezes incentivando ou associando-se a regimes nada democráticos, como o Irã do Xá ou regimes militares na América Latina). Incentivariam também a cooperação regional baseada em valores ocidentais como livre mercado, propriedade privada e Estado de direito, cujo principal exemplo é a dinâmica no Velho Continente que levou ao estabelecimento da União Europeia.

É dizer, seja no campo político militar, no econômico-comercial ou na esfera dos valores, a visão de mundo e a política externa dos EUA — de Truman a Obama — foi de expansão dos princípios ocidentais e o que isso arquitetou em termos de instituições e alianças.

Ora, todas essas frentes — no âmbito do poder, da prosperidade e do prestígio — estão sendo abandonadas por Donald Trump. Se a Rússia há um tempo reclamava da hipertrofia da OTAN, Trump sustenta que a aliança é cara e ineficiente. Se Washington da Trumponomics favorece o curto prazo dos EUA em detrimento de seus próprios interesses de crescimento ao longo do tempo e, com isso, arremessam a economia global em incertezas, então o FMI deve ser criticado.

Acordos econômicos, como NAFTA ou TPP, deixam de responder a lógicas geoeconômicas mais amplas. Passam a ser simplesmente o resultado do frio cálculo contábil das balanças comerciais artificialmente administradas país a país.

Na mesma linha, Trump enfraquece a ONU e a OMC ao, respectivamente, sair da Comissão dos Direitos Humanos ou denunciar o mecanismo de soluções de controvérsias. Mais que isso, mina as bases do próprio multilateralismo que representava uma das formas indiretas e sutis do sistema pós-guerra criado pelo imperialismo dos Estados Unidos. Na mesma linha, deixa de ver na União Europeia uma entidade cuja existência e fortalecimento se coaduna com os interesses geopolíticos dos EUA.

E, no que toca à América Latina, a melhor palavra para descrever a atitude para a região é indiferença. México e Cuba são mais questões de politica interna dos EUA — por conta do problema da imigração e da configuração de forças na Flórida — do que reais tópicos de política externa. Em vez da vigilância ou ingerência imperialista, apenas um desinteresse blasé.

A soma disso tudo é que os EUA estão menos influentes — e buscam menos influência no mundo. A Washington de Trump está decretando o fim do “excepcionalismo norte-americano” e de sua — ao menos pretensa — ambição de ser uma superpotência benigna.

Os Estados Unidos estão atuando como qualquer outro país — são apenas “mais um”, e menos desejos de construir uma ordem internacional a partir de seus valores. Entendem-se num mundo de balança de poder, num “jogo de soma zero”. Trata-se do isolamento por opção.

Para os que sempre desejaram um menor peso relativo dos EUA no mundo, a contemporaneidade com Trump traz boas notícias. Encontra-se em movimento um verdadeiro “desimperialismo” ianque.

 Por Marcos Troyjo

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