Por competência, seja ele ou ela

Sem medo de empreender e voar alto, mulheres têm conquistado cada vez mais terrenos pouco frequentados pelas outras gerações. Elas avançam com capacidade, jogo de cintura e características muito próprias

A cultura de que rosa é para menina e azul para menino não cabe mais nos tempos atuais. O mesmo se aplica ao mundo do trabalho. Qual profissão é adequada para uma mulher? E qual emprego é impróprio para um homem? Afinal, diferenças se sobrepõem à dedicação para o resultado?

Atrás dessas respostas e diante de um mundo que debate cada vez mais a igualdade de oportunidades, a Revista VOTO buscou exemplos de brasileiras que venceram – com seu próprio esforço – estereótipos enraizados pelo tempo.

Elas têm voz de comando e mostram o vigor da personalidade feminina. Uma estancieira, uma engenheira civil, uma advogada especialista em recuperação de empresas e uma piloto de avião: nesta reportagem, elas contam suas trajetórias e os desafios enfrentados.

Mariana Tellechea ainda jovem teve de seguir com os negócios da família. Uma cabanha que é referência no Mercosul em melhoramento genético. Ela conseguiu e foi mais longe.

Carla Fam não teve medo de mudar. Abriu mão de quase dez anos como dentista para se tornar engenheira civil. Na obra, sente-se livre – perto do céu e do sol.

Verônica Althaus é uma das poucas advogadas do Brasil a cuidar de grandes empresas em situação de falência e recuperação judicial. No currículo, acumula mais de 400 processos.

Há também quem sempre sonhou em voar alto e levou a ideia ao pé da letra. Larissa Bernardo é comandante da Azul e apaixonada pela liberdade de sobrevoar a terra e o mar.

Mariana Tellechea

A DAMA DO CAMPO

O idioma de Mariana é fronteiriço. Percebe-se que nasceu em Uruguaiana (RS). Expressa aquilo que sente, há uma espontaneidade verdadeira nos ditos, sem perder a delicadeza de mulher e a elegância que carrega do berço. Cresceu na estância. Desde pequena, contempla o verde da planície encontrar o infinito do horizonte numa fazenda de 2,6 mil hectares. Na silhueta do Pampa, contempla uns de seus afetos pelo ofício: cavalos. Um plantel multicampeão, quiçá o mais premiado em exposições morfológicas do Mercosul.

Foi do pai que herdou a paixão e o tino para os negócios. Flavio Bastos Tellechea iniciou a criação de cavalos crioulos em 1962. Além de pioneiro no Sul do país, tornou-se referência na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e no Chile. Criada perto dos animais e em provas pelo Brasil afora, Mariana fez Medicina Veterinária na PUCRS. De presente de formatura, em 1982, ganhou uma égua: a BT Rica Donna. A primeira da sua coleção que chega hoje a 400 espécies.

O irmão mais velho seria o sucessor natural do patriarca na cabanha, mas um acidente de carro lhe interrompeu a vida aos 29 anos. No ano seguinte, o pai morreu de infarto. A Mariana daquela época – mãe de dois filhos e aos 27 anos – viu-se responsável por não deixar morrer o legado da família. A mãe, Lila, foi o lampião no escuro, convicta de que seguir em frente era mais sábio do que se desfazer do patrimônio por medo do desconhecido.

Hoje, Mariana nem calcula o patrimônio da Cabanha Basca. “Há um valor financeiro pagável e um afetivo impagável”, diz. Entretanto, reconhece Onassis como o mais valioso de um estábulo de ouro. Um filho do garanhão foi leiloado por R$ 1,5 milhão. O último grande campeão da Federação Internacional de Criadores de Cavalos Crioulos (FICCC) e a quarta melhor fêmea eram crias suas. O melhoramento genético dos rebanhos de Angus e Brangus incorporam-se ao plantel que busca a perfeição em morfologia para reprodução de alta qualidade.

Em conversa com Mariana, ela falou sobre a família e os desafios de ser mulher e empreendedora num segmento costumeiramente masculino.

Desde que você assumiu as rédeas do negócio, como evoluiu a cabanha?

Fizemos uma gestão dedicada, continuamos competindo no Brasil e fora do país. Surgiram novos garanhões, aprimoramos e ampliamos a criação. Crescemos muito. A tecnologia na veterinária evoluiu e acompanhamos esse processo de melhoramento genético com olhos atentos e sensíveis. Tivemos muito trabalho até porque não tínhamos essa experiência, mas vencemos na dedicação e no compromisso com o resultado.

Como as pessoas te viam como mulher, líder do negócio e tão jovem?

Logo que meu pai faleceu, diziam: “Aproveitem que a cabanha está em alta e liquidem os plantéis, arrendem o campo, pois agora vai valer bastante e, depois, vocês não sabem o que vai acontecer”. Falavam mais: “Livrem-se do incômodo e do trabalho, a vida está garantida para a família no futuro”. Mas eu, minha mãe e minhas irmãs apostamos em seguir firmes. Não liquidamos nossos plantéis e, hoje, percebemos que foi uma decisão acertada. Atualmente faturamos bem mais do que se tivéssemos nos desfeito de tudo lá atrás.

A inspiração para o trabalho é um atestado de fé no campo?

Em qualquer profissão é preciso gostar muito do que se faz, colocar amor. E eu sempre amei muito tudo isso: a vida no campo, grandes animais, competições e melhoramento genético. É uma dedicação diferente, que enfrento com sentimento e verdade. Sempre haverá problemas, mas esse dia a dia me motiva a acordar com vontade. É o diferencial que faz dar certo. Minha filha Lila é administradora e gosta também, assim como o meu genro, o Henrique, que é veterinário. Estou profundamente feliz pela sucessão do negócio.

A Mariana nasceu com esse gosto ou teve uma influência da família nesse processo de amadurecimento?

Tive muita influência da família sim, pois a gente se criou no meio – na estância, na garupa do cavalo, acompanhando meu pai pelo Brasil e no exterior em exposições. Mas acredito que é algo que carrego também, pois me redescubro todos os dias fazendo o que gosto.

Negociar com mulher, como é? 

Fui a leilões na Argentina e eles se constrangeram de sentar com uma mulher para falar de cavalos. Em Buenos Aires, fomos olhar os cavalos na mangueira e os vendedores estranharam nosso comportamento. No Chile, a mesma coisa. É incomum, isso é verdade. Mas toda negociação requer olhar atento e treinado aos detalhes, conversa franca e pulso firme.

O olhar de uma mulher à frente de uma estância é diferenciado? 

A mulher é mais detalhista e minuciosa, e esse olhar e o cuidado na seleção genética são muito importantes para a compra e a venda. A morfologia perfeita – nosso trabalho – requer muita atenção, e as mulheres carregam consigo esse atributo. O início foi bem complicado. Os principais cargos da estância tiveram de ser substituídos, pois não se acostumaram com uma mulher no comando. Eu dizia: “quero assim”. Eles diziam: “assim nunca vai dar certo, sempre fazíamos do outro jeito”. Eu precisava fincar o pé, insistir para fazer. Tinha de provar pelo exemplo.

Como é sustentar o nome de uma família tão tradicional e pioneira no agronegócio gaúcho? 

Uma grande responsabilidade. Os nomes do meu pai e do meu avô sempre foram fortes no Rio Grande do Sul, no Brasil e no exterior. Tenho ambos como inspiração, mas imprimo a minha personalidade em tudo que executo. Criar o negócio é uma façanha, mas aprimorar algo que já dá certo é sempre um enorme desafio.

Carla Fam

VIDA EM CONSTRUÇÃO

“Um segundo, por favor. Roger, o concreto está pronto?”. Enquanto atendia uma ligação, Carla Fam cobrava celeridade no canteiro de obras erguido no coração do Bairro Menino Deus, em Porto Alegre (RS). Ela é engenheira civil de um empreendimento inédito na capital gaúcha. Com tecnologia selecionada, praças e jardins suspensos entre os andares, ela comanda a obra que reunirá 39 apartamentos e será finalizada em novembro de 2019. Entre pedreiros e ajudantes, lidera uma equipe de 30. Todos são homens e ela resume: “Aqui só há espaço para o respeito”.

De trena na mão, bota alta, capacete e pé no barro, ela não para. Trabalha até 12 horas por dia, assumindo ser metódica da fundação ao concreto armado. De um lado para o outro, exibe a edificação no detalhe, com a planta esmiuçada em 3D no smartphone. Segundo ela, o expediente é curto. “Sou tão feliz aqui que o tempo voa”, declara. A vida de Carla mudou completamente quando deixou a carreira de dentista. Trocou a resina dental pelos painéis cimentícios e a quietude de um consultório pelo sol da liberdade que um canteiro de obras propicia.

Na busca de mais encantamento para o trabalho, vivia inquieta num labirinto para empreender. Até que o pai, Paulo Roberto – engenheiro e empresário – fez uma provocação: “experimente uma vida em construção”. Ela decidiu encerrar a carreira como dentista, desbravar o novo terreno e lançar os pilares. Foram quase sete anos na segunda faculdade, aliando oito horas de trabalho à rotina como mãe de duas crianças. Hoje, Pedro está com 14 anos e Júlia, 11. Formou-se há exatamente um ano. Ela não se arrepende de nada e vê o recomeço da vida depois dos 40.

 A mesma organização que tinha com suas brocas, seringas e espelhos no consultório ela cobra e pratica entre os tijolos e os sacos de cimento da empreitada. De todos os engenheiros civis que atuam no país, segundo dados do Conselho Federal de Engenheiros e Agrônomos, apenas 27% são mulheres. Mas ela se diz extremamente confortável na profissão que escolheu e não vê dificuldades para fazer bem feito. A empresa da família, a Famcorp Incorporadora, retorna ao mercado com apetite para vender e prosperar. E ela, Carla, vê que pode ser a mestre de obras dessa construção.

O que a levou da Odontologia para a Engenharia Civil?

Fui dentista por nove anos, mas me formei muito jovem, com apenas 21. Eu fui feliz nesse ciclo, mas estava presa a uma rotina diária. Ficar trancada no consultório não me realizava mais. Recebia o paciente, anestesiava quando necessário e ele nem podia conversar comigo, pois ficava de boca aberta [risos]. Na verdade, era uma profissão um pouco solitária. Hoje, tenho liberdade, o que me agrada muito. De uma profissão para outra, levei o cuidado com os detalhes, pois cuidar de dentes é uma construção em miniatura.

Como é a rotina de trabalho no canteiro de obras?

Na verdade não há rotina. É bem diferente. Uma emoção por dia. Chego e encontro uma nova realidade a cada manhã. A equipe é especial, dedicada e respeitosa.  Nunca vivi nenhum tipo de preconceito, sou tratada muito bem. Há cumplicidade e convergência com foco na excelência para o resultado. Estou sempre na rua. Vejo pessoas, converso com elas, escuto opiniões. Essa interação é construtiva para o trabalho e areja a cabeça.

Qual o principal contentamento da profissão?

É gratificante ver o escopo do papel se tornar concreto. Ver a ideia tomando forma, ganhando cor e atraindo olhares. Eu me redescobri na engenharia. Vi que é isso, verdadeiramente, que me realiza. Antes, quando era dentista, não parava de reformar a minha casa. Pulava do quarto para sala, da parede para o forro. Hoje, parei com isso porque faço exatamente esse trabalho o dia inteiro.

Dados indicam que quase 65% da profissão de arquitetura é ocupada por mulheres. E na engenharia não chega a um terço. Por que optou por uma área e não pela outra?

Na verdade, eu sabia daquilo que gostava. A execução prática me encanta tanto quanto os projetos. Estar no canteiro todos os dias, acompanhar de pertinho o trabalho. A minha paixão sempre foi essa parte operacional, de verificar o passo a passo sendo feito no detalhe. Confesso que nunca tive um fino faro estético para decoração, por exemplo. As áreas se complementam.

O que mais lhe instiga e seduz na construção?

Eu sou extremamente metódica. Gosto dos processos bem feitos, com atenção e qualidade. Em obra, não há espaço para bagunça, tudo tem o seu lugar. A sequência e a execução perfeita dos métodos e procedimentos são desafios que me guiam.

Agora, está à frente de um projeto inovador para região Sul do Brasil, o Praça4. Como é essa responsabilidade? E no que se diferencia a construção?

Esse é um projeto que foge do convencional, algo que todo engenheiro tem o sonho de realizar. Há dois anos estudamos a ideia para que seja o que há de mais moderno e funcional no mercado. A estrutura terá vãos elevados, preenchidos com vegetação e mobiliário para o convívio entre os moradores. As pessoas não querem mais dar as costas para a rua: querem vivê-la. Há uma consciência se formando sobre a importância de transformar os edifícios em uma extensão dos atrativos do bairro. O projeto é da construtora Famcorp em parceria com a incorporadora Lugares com Alma. Quem assina a concepção arquitetônica é a Hype Studio – que tem entre os sócios a arquiteta Luísa Konzen. Cada uma das praças terá o seu propósito: uma ficará ao lado do salão de festas, outra estará próxima a um coworking e à lavanderia, e a mais alta, no quinto andar, será um local contemplativo, para relaxar e meditar.

Ter um pai engenheiro é ter mais segurança e inspiração?

Certamente. A maturidade na profissão que meu pai possui gera mais confiança para que tenhamos a excelência que buscamos. Trocamos informação todos os dias. Pergunto, questiono e ele participa, acompanha e orienta. Meu pai é uma referência em Engenharia Civil e juntos estamos ensinando e aprendendo. Crescendo juntos, principalmente.

Ser dentista foi um ciclo. Ser engenheira civil tem sido uma segunda fase. Vê para o futuro a possibilidade de um terceiro caminho?

Não [ela sorri]. Eu me encontrei neste chão. Estudei quase sete anos, foi bastante penoso conciliar tudo, difícil. Não me arrependo e penso que o meu futuro seguirá na construção. Estou feliz e plena, e consciente de que a estrada está recém no começo.

Verônica Althaus

PULSO FIRME

Um advogado especialista em reestruturação de empresas precisa de postura imperativa, coragem e tato apurado para negociações de risco. Recorre-se ao substantivo masculino porque eles são a grande maioria conduzindo esse tipo de caso. Nesse cenário dominado por homens, destaca-se uma advogada reconhecida nacionalmente e que tem no currículo mais de 400 processos de falências, concordatas e recuperações judiciais.

Verônica Althaus comanda, ao lado do sócio Marcelo Scalzilli, a Scalzilli Althaus. Além de atuar na área de sua expertise, é diretora-geral do escritório que está entre os mais admirados do país, segundo o ranking da Análise Advocacia 500. Foi ela que coordenou o processo de expansão para o mercado nacional da Scalzilli Althaus, que tem bases em Porto Alegre/RS e São Paulo/SP e atua em todo o Brasil.

A advogada relata que, durante sua trajetória, chegou a se deparar com pessoas preconceituosas, que buscavam intimidá-la por ser mulher. Teve vezes também que sentiu sua voz não ser escutada no início de reuniões. Porém, demonstrando conhecimento na área e propondo soluções para problemas complexos, conseguiu reverter essas situações e ser respeitada. Por outro lado, as características femininas foram de grande ajuda para outros desafios que a vida lhe apresentou. Foi o caso de uma assembleia de credores que reunia funcionários furiosos. “Ao me verem, reestabeleceram o equilíbrio e a postura”, lembra.

São mais de 20 anos de trabalho incansável, gerindo crises seguidas de crises de seus clientes. E, para bem enfrentá-las, foi muito além do conhecimento adquirido na faculdade e na pós de Direito Empresarial. Aplicada, a sócia da Scalzilli Althaus se qualificou em gestão, finanças e governança. Uma especialização, aliás, que é permanente. Confiante e, ao mesmo tempo, delicada, Verônica é uma inspiração para mulheres que querem empreender e se firmarem como protagonistas em setores áridos do direito empresarial.

As mulheres já são quase metade no mercado de trabalho jurídico. Mas, na área de recuperação judicial, ainda são poucas. O que explica isso?

Iniciei a minha carreira na restruturação de empresas logo que me formei em Direito. Fazia estágio no jurídico interno de uma grande seguradora que teve sua liquidação extrajudicial decretada pela Susep e, em poucos meses pedi, pessoalmente, a autofalência da companhia. Assim, formada, iniciei a carreira na área. Naquele tempo, éramos poucos advogados especialistas em processos de falências e concordatas. Dentre esses, me destaquei pela larga vivência na matéria. Essa área exige um comportamento imperativo, encorajador e de pouca flexibilidade, aprendi logo no início. Hoje, percebo, que essas características nem sempre me acompanham naturalmente. Há momentos que, pela minha natureza feminina, me vejo sendo mais democrática do que o encargo me permitiria. Tive a sorte de iniciar cedo e ter tido a oportunidade de me adequar às características que me permitiram atuar de igual para igual. Atribuo ao tempo, à experiência e à essas características pessoais o fato de nunca ter me sentido ameaçada por atuar num segmento liderado por homens. Trabalhar numa área em que somos tão poucas mulheres sempre foi um grande desafio. No entanto, carrego comigo a certeza de que o resultado depende muito da vontade e da garra, atributos presentes fortemente nas mulheres.

Como nasceu seu interesse por essa área?

Iniciei na carreira por ter trabalhado no processo liquidatório de uma grande seguradora, que acabou tendo sua falência decretada – requerida por mim. O início dessa caminhada, atribuo ao destino, mas também ao meu interesse em continuar me especializando pelo prazer que tive na atuação desse processo e de outros que vieram na sequência. Conduzi, ao longo de quase 20 anos de trabalho, mais de 400 processos na área de falências, concordatas e recuperações judiciais.

Quais são as maiores dificuldades?

A área de restruturação de empresas é desafiadora porque exige muito além do conhecimento técnico jurídico. Na verdade, o processo judicial em si é apenas o meio pelo qual se consegue obter o resultado de uma análise estratégica do negócio e suas formas de recuperação. Portanto, sempre me senti desafiada a buscar soluções que vão além do que aprendemos na faculdade de Direito e cursos de especialização. Sempre busquei conhecimento em gestão, finanças e governança, pontos fortes de quem se destaca na carreira.

O fato de ser mulher gera algum empecilho no dia a dia? 

Não acredito que me gere empecilho. Algumas dificuldades são enfrentadas, raramente, mas na maioria delas quando me deparo com pessoas preconceituosas que buscam a intimidação como forma de negociação. Até hoje consegui reverter todas as situações desagradáveis nesse sentido.

Por outro lado, há algum atributo da mulher que ajuda no trabalho?

Admito que já me senti privilegiada, em alguns momentos, por ser mulher. Lembro de uma Assembleia de Credores em que tive que enfrentar a fúria de dezenas de funcionários prontos a promover uma verdadeira guerra, que, ao me verem à frente das negociações, reestabeleceram o equilíbrio e a postura. Essa negociação acabou sendo mais bem recebida e frutífera a todos.

Já sofreu algum tipo de preconceito de colegas ou clientes?

Nunca senti nenhum preconceito. Houve momentos em que me senti um pouco desprezada no início da reunião, como se não estivesse presente, mas logo fui percebida e a minha opinião respeitada.

As mulheres se diferem dos homens na recuperação judicial em algum aspecto?

Em absolutamente nenhum.

Se pudesse deixar uma mensagem de motivação para quem almeja atuar nesse segmento, qual seria o seu recado?

Acredito, sinceramente, que a atuação nessa área depende de conhecimento, experiência e força. As mulheres têm essa tendência e, por se dedicarem fortemente ao que fazem, estão crescendo muito no mercado de trabalho. A dedicação se traduz imediatamente nos atributos que esse segmento exige. Não há nada, nenhuma atividade, que não se possa executar.

Quais foram as suas principais experiências para chegar até aqui?

A minha atuação é focada em restruturação empresarial desde o início da carreira. Inicialmente conduzi centenas de processos falimentares e de concordata como administradora judicial (antiga sindicância) e, depois, comecei a advogar em favor de empresas. Trouxe da experiência anterior um largo conhecimento em formas de restruturação e busquei especialidades nas áreas do direito societário e de gestão. Hoje, conduzo a gestão do meu próprio escritório e atuo no atendimento aos clientes com outros sócios. É um grande time de advogados especializados em várias outras áreas do direito, como trabalhista, tributário e empresarial.

Larissa Bernardo

ANDARILHA DO CÉU

Se o gênio da lâmpada concedesse a realização de um pedido, muitos pediriam o poder de voar. Afinal, estar em lugares diferentes o tempo todo – de montanhas nevadas ao mar cristalino – é o desejo dos amantes da liberdade. Larissa Bernardo escolheu essa vida para si, mas não teve de recorrer à mágica. Foi pela determinação que se tornou piloto de avião. Até agora, são mais de 5 mil horas como comandante da Azul Linhas Aéreas.

Ela faz parte de uma tímida estatística: as mulheres que pilotam aeronaves são apenas 1,4% do total. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informa que são 13.928 pilotos, mas somente 197 são do sexo feminino. Larissa ama voar e afirma que essa paixão está em seu DNA: “Meu pai é piloto e minha mãe, comissária. Eles se conheceram em um voo na empresa onde trabalhavam e assim formaram a nossa família”.

Se no Airbus A330 ela costuma levar até 270 passageiros, na sua conta do Instagram são quase 45 mil. Nos dias de folga, gosta de mostrar aos seus seguidores os lugares paradisíacos que desbrava. “Quando falam em piloto, todos imaginam aquele senhor de bigode, meio grisalho e sisudo”, brinca.

Para ela, o tempo mudou, e as visões estão amadurecendo também. O que no passado foi preconceito hoje se tornou admiração. “Sempre ouço: foi você que veio pilotando?”, comenta orgulhosa. Larissa afirma que nunca sofreu preconceito por ser mulher e fala com convicção: “Eu me dedico e estudo para ser uma boa piloto, independe do sexo”.

Conheça mais sobre a vida dessa jovem que voa alto para ver a felicidade de cima:

Qual o tamanho da responsabilidade de comandar um avião com mais de 200 passageiros e sua tripulação?

Enorme! A dimensão da responsabilidade é tão grande, que, apesar de sermos conscientes, muitas vezes acabamos nem pensando que somos responsáveis por tantas almas a bordo. É como um médico numa cirurgia complexa com um ser humano em sua mesa. Nos esforçamos ao máximo e somos preparados para que tudo saia de acordo com o esperado, afinal, não apenas transportamos pessoas, mas levamos e trazemos sonhos, acabamos com a saudade, ajudamos a fechar negócios, aproximamos o mundo. E temos plena consciência disso.

Do ponto de vista técnico, quais as maiores dificuldades em pilotar um avião? As mulheres se diferem dos homens sob quais aspectos?

Do ponto de vista técnico, temos de estar preparados para agir em situações de extremo estresse, em ambientes complexos, onde qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, em curto período de tempo. E a tomada de decisão engloba um universo de fatores e possibilidades, sempre colocando como prioridade a segurança de todos. Então, conhecer bem a máquina e ter controle emocional para as tomadas de decisão é essencial. Quanto ao diferencial em relação às mulheres e aos homens, tecnicamente posso afirmar que nenhum. Nosso trabalho não exige força física, e as habilidades técnicas dependem única e exclusivamente do talento e do estudo de quem pilota. Acredito também que a mulher consegue fazer mil coisas ao mesmo tempo. Isso facilita gerenciamento global das coisas.

Por que ainda há poucas mulheres no ofício?

Eu acredito que por falta de interesse. E ainda hoje eu ouço muito: “Mas mulher pode pilotar avião?”. Então, talvez muitas não cogitem a possibilidade por ainda achar que ela sequer existe. É um cenário que vem mudando muito nos últimos dois anos. O número de licenças expedidos para mulheres cresceu em 106%, segundo dados da Anac de 2018.

O que a aviação lhe trouxe de bom? E quais renúncias teve de fazer para se adaptar a um modelo de vida tão itinerante?

Através da aviação eu conquistei o que sempre quis. Tenho a possibilidade de viajar o mundo, conhecer e estar em contato com pessoas, culturas e lugares diferentes o tempo todo. Isso só me acrescenta. A renúncia é de não poder estar sempre presente na vida daqueles que amamos. Datas e eventos que, às vezes, são importantes demais. Nessas horas, a saudade aperta e a solidão parece grande, o que deve ser compensado com a qualidade da presença. Como não estou sempre perto da família, quando estou, dedico-me para estar 100% presente.

Já sofreu algum tipo de preconceito? Houve alguma situação extrema ou embaraçosa que recorda nesse sentido?

Por incrível que pareça, nunca sofri. E se vivi, talvez não tenha percebido. Isso é algo que eu realmente não penso. Se me cobram, acredito que seja pelo fato de que preciso melhorar. Eu me dedico e estudo para ser uma boa piloto. Não quero ser melhor que os homens, quero apenas ser excelente naquilo que exerço. Simples assim. E com isso, diante dessa postura, sempre fui muito respeitada e bem recebida por colegas e tripulações.

Se pudesse deixar uma mensagem de motivação para quem almeja chegar lá, qual seria o seu recado? Você se vê como inspiração?

Dedique-se, seja persistente, paciente e não desista. O caminho é muito mais importante do que a linha de chegada. E cada passo vale a pena. Estude! Dê o seu melhor, não leve nada para o lado pessoal, não tire conclusões e seja impecável. Humildade é essencial: seja segura, mas nunca pense que sabe tudo. Acredito que, sim, posso ser inspiração para as pessoas, assim como me inspiro em tantas outras. Se eu conseguir ser exemplo para alguém, e se for bom para ela, fico honrada e feliz.

Na juventude, alguma característica já mostrava interesse pela aviação?

Minha família toda voa, então, já nasci com a aviação na veia. Minha mãe foi comissária por 30 anos, meu pai é piloto até hoje. Minha irmã, comissária. Então, quando nascemos em um meio onde a rotina é não ter um rotina corriqueira, fica difícil adaptar-se a um lifestyle padrão de segunda a sexta-feira. Um dos meus maiores fatores motivacionais foi justamente esse. Conheci o mundo muito cedo através da profissão dos meus pais e sempre quis oferecer isso à família que eu viesse a ter um dia. Optei em voar por amor.

O que a aviação lhe ensinou que é aplicado na vida comum?

Muita coisa. Todos os dias eu trabalho com pessoas diferentes em ambientes diferentes. Uma excelente comunicação é essencial. Calma para fazer boas escolhas também. E observar muito. Costumo ouvir bem mais do que falar.

Como você vê a participação das mulheres no Brasil e fora no ramo da aviação?

O interesse ainda é tímido, mas a participação está crescendo, os dados numéricos mostram isso. Em outros países, há mais mulheres na aviação do que no Brasil, certamente. No exterior já é algo bem mais comum.

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