Que habeas é esse?

Basta o adjetivo para entender: se é supremo, é porque não há outro acima. Assim, daquele leigo mais desinteressado aos maiores juristas do país, predomina a ideia de que uma decisão proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em torno de um assunto resulte do esgotamento das suas apreciações pelos ministros.

Ocorre que no âmbito do STF não é bem assim que funciona. No próximo dia 4, a Corte está na iminência de concluir outro julgamento sobre uma mesma questão: a prisão de condenados. Nesse tópico, importa recordar que em 17/02/2016 o plenário decidiu que a execução provisória da decisão estabelecida pela segunda instância, ainda que sujeita a recursos, não compromete o princípio da presunção de inocência da Constituição Federal. Mais adiante, em novembro daquele ano, por meio de uma decisão com a envergadura de Repercussão Geral, o STF reafirmou tal entendimento.

Nesse contexto, seria de se supor que a matéria estivesse definida. Mas não. Pelo contrário. Alguns ministros que ficaram vencidos nos dois casos passaram a não observá-las e soltaram vários condenados. Para encurtar: a minoria derrotada se rebelou ao entendimento fixado pela suprema maioria e tornou-o uma letra morta.

Importante referir nessa desordem geral das coisas no âmbito do tribunal que deveria zelar pela estabilidade e segurança jurídica das suas decisões, que a ministra Rosa Weber, embora vencida em fevereiro de 2016 e sem votar no julgamento seguinte, invocou a colegialidade para aplicar a compreensão fixada e passou a determinar (ou manter) o recolhimento daqueles condenados na segunda instância.

Tocando no ponto que interessa, temos o caso Lula. Condenado à pena de 12 anos e um mês de reclusão pelo crime de lavagem de dinheiro em duas instâncias através de três julgamentos e mais uma decisão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitando um habeas corpus preventivo que questionava a sua prisão após o esgotamento das atribuições do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o ex-presidente ingressou com novo pedido, agora perante o … STF.

Há, no entanto, um conjunto de circunstâncias desidratando a juridicidade desse pleito. Primeiro, que a decisão de novembro de 2016 se deu em “repercussão geral”, não podendo ser revogada num habeas corpus, ainda mais de caráter preventivo. Segundo, que a vingar a ideia de que as prisões somente poderão ocorrer após a manifestação da terceira instância – o Superior Tribunal de Justiça –, o STF estaria atribuindo efeito suspensivo a um recurso cuja lei que o disciplina dispõe expressamente o contrário. Outro aspecto é o que diz respeito à impunidade. Se o ex-presidente obtiver o inusitado salvo conduto, vários criminosos perigosos e hoje encarcerados por delitos gravíssimos serão libertados até que o STJ aprecie os seus recursos (quando?). Sem se falar que pedidos similares apresentados anteriormente ao mesmo STF por condenados em situação mais severa (presos), ainda não foram a julgamento. Ou seja: além da modificação jurisprudencial ser negativa e casuística, o risco é o do reestabelecimento da impunidade em nome e em função dos poderosos.

Afinal, que habeas é esse?

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos, advogado e colunista da Revista Voto

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