Recuperação judicial deve atender a interesses sociais e econômicos

Um dos principais especialistas em insolvência empresarial no Brasil, o juiz Daniel Carnio Costa, titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, esteve em Porto Alegre em encontro promovido pela Scalzilli Althaus, em parceria com o SINFAC-RS, apresentou para empresários e profissionais do direito as iniciativas que tem proposto e implementado para qualificar a abertura e a condução de processos.

Integrante do grupo técnico de orientação para a reforma da Lei 11.101/2005, o juiz implementou na 1ª Vara paulista prática inovadora na área: a perícia prévia. Trata-se de um instrumento de constatação preliminar da viabilidade da atividade empresarial para a abertura do processo de recuperação, realizada por especialista. O levantamento serve para detectar irregularidades ou fraudes, evita que as negociações entre as partes deixem de lado o interesse público.

“Não é uma análise da viabilidade do negócio, isso quem faz são os credores”, esclarece o juiz. “Quem pede a recuperação tem que apresentar uma série de documentos que reflitam a situação da empresa. E o juiz, que tem formação jurídica, não contábil, precisa enxergar que a empresa está em crise, mas que é viável, que gera benefícios econômicos e sociais para justificar o início do processo. Emprego, tributação, circulação de bens e serviços”, enumera.

Pela aplicação da perícia prévia, a 1ª Vara de Falências conseguiu elevar a taxa de recuperação judicial para quase 82%, a maior do Brasil, onde a média do êxito das empresas no processo está em torno de 23%. Em países de referência como Alemanha e Austrália – 70%. A preservação dos benefícios econômicos e sociais da atividade empresarial no processo de reestruturação é a base de todas as “novas teorias” propostas por Daniel Carnio Costa, detalhadas em um livro que lançou há pouco na Alemanha, e que ainda não tem tradução para o português.

Um dos conceitos expostos pelo juiz é o da “superação do dualismo pendular”, que trata justamente da quebra do paradigma de que a recuperação judicial deve pender ou aos interesses dos credores, como nos Estados Unidos e na Inglaterra, ou dos devedores, como no Brasil. Para ele, o juiz tem de fazer a “distribuição equilibrada do ônus” – base do conceito de outra de suas teorias – sempre levando em consideração a contrapartida econômica e social.

Críticas a nova lei e proposta da criação de varas regionais

Mesmo sendo um dos conselheiros técnicos para a reforma da lei de recuperação judicial, Daniel Carnio Costa não poupa críticas ao texto final encaminhado ao Congresso. “O problema não é a lei, mas a falta de estrutura para que seja aplicada”, resume. Hoje, os processos acabam sendo distribuídos para varas comuns, onde os juízes têm de cuidar também de casos como cobranças, divórcios e crimes. “Um processo desses, altamente técnico e especializado, exige um preparo diferenciado”, diz.

O juiz defende que sejam criadas no Brasil varas especializadas de competência regional, inspiradas no modelo norte-americano. “Em Porto Alegre, por exemplo, há uma vara especializada, mas só para os casos daqui”, disse. “Se o caso for da Região Metropolitana, será julgado por um juiz de vara comum”, completa. Nos EUA, segundo ele, todos os casos de falência ou recuperação judicial são julgados por juízes que só fazem isso. “O juiz que lida com esse tipo de processo precisa ter uma formação multidisciplinar, com noção de economia, administração, contabilidade, e sensibilidade para perceber a importância daquele negócio na região onde atua”, completa.

“A reflexão que fica é de qual o papel do Judiciário nesses processos complexos que envolvem uma cadeia muito grande de pessoas”, avalia Gabriele Chimelo, sócia da Scalzilli Althaus. Essa visão holística empregada pelo juiz na avaliação dos processos, segundo ela, é um exemplo para os profissionais da área que acreditam em melhores soluções para todas as partes envolvidas. “É um ativismo fundamental para que a gente busque sempre resultados mais equilibrados para as empresas e as demais partes interessadas, para a sociedade”, observa.

“É um assunto sensível, que desde 2016, principalmente, tomou uma grande proporção na economia brasileira. A crise gerou muita insegurança e dificuldade para os empresários do país. Avançar em soluções efetivas na área de insolvência, como as que vimos hoje, é um desafio para diminuir essas intempéries e, assim, garantir mais sustentabilidade aos negócios”, completou Marcio Aguilar, presidente do Sinfac-RS.

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