Uma sociedade desinformada é mais vulnerável – Por Zeina Latif

A sociedade brasileira não deseja a reforma da Previdência. É o que mostra a pesquisa Datafolha, com 71% dos entrevistados contra a reforma. A dificuldade de comunicação do governo certamente atrapalha, pois apenas 18% das pessoas afirmam estar bem informadas sobre o tema.

Se a sociedade estivesse mais bem informada sobre a importância da reforma para o equilíbrio fiscal e macroeconômico, e para a capacidade do governo de fazer políticas públicas, o apoio seria maior. Mas, provavelmente, insuficiente.

Cientistas sociais apontam para a baixa motivação dos cidadãos para se informar e deliberar sobre questões públicas em democracias de massa. A decisão é racional. Se a opinião individual pouco pesa no todo, o indivíduo acaba elegendo outras prioridades.

Além disso, segundo especialistas, a informação não flui como se imagina, porque as pessoas buscam interagir com outras que têm ponto de vista parecido. Prover informação ajuda, mas não resolve. Ainda mais em se tratando de tema tão complexo.

Sem deliberação, que consiste no processo de ponderação de argumentos conflitantes, as opiniões não representam consentimento, mas impressão superficial. Além disso, uma sociedade desinformada é mais vulnerável a manipulações. Grupos organizados buscam moldar a opinião pública. A manipulação se dá, via de regra, com ideias simplistas, de rápido apelo, porém equivocadas e parciais.

É o caso agora. Há muitas informações equivocadas sobre a proposta de reforma da Previdência. Por exemplo, que os pobres serão os mais afetados e que políticos e servidores públicos serão poupados. Há uso seletivo de fatos verdadeiros (como a elevada dívida previdenciária das empresas), mas incompletos (dos R$ 433 bilhões inscritos na dívida ativa, apenas R$ 130 bilhões têm potencial de recuperação), descontextualizados (seu pagamento não resolveria o crescente déficit previdenciário, hoje em R$ 189 bilhões, por conta do envelhecimento da população) e sem comparar situações alternativas (não aprovar a reforma coloca em risco o sistema, com sérias consequências para a economia).

Em função da dificuldade de deliberação nas democracias de massa, o mundo caminhou para a democracia representativa, em oposição à democracia direta, com referendos e plebiscitos, que é mais vulnerável a manipulações e instabilidades. A cada informação nova, as opiniões podem mudar: “a cicuta em um dia e estátuas no próximo”, como apontado por James Madison, um dos principais responsáveis pelas regras que estabeleceram a democracia americana.

Não é correto, portanto, afirmar que a reforma da Previdência é antidemocrática por ela não ser aprovada pela sociedade. Na democracia representativa, cabe ao parlamento zelar pelo interesse público, para benefício desta e das próximas gerações. Reformas duras são feitas a contragosto.

Nessa linha, na experiência internacional, o que faz um governo enfrentar temas impopulares é a falta de opções. Não faria sentido politicamente defender políticas amargas sem serem de fato necessárias.

O Brasil está atrasado. O país se distingue da experiência internacional não só pela maior velocidade de envelhecimento da população, mas pelo fato de não ter feito ajustes na Previdência; o último foi de Lula nas regras do funcionalismo, em 2003.

Não há reforma perfeita. Há distorções e injustiças no sistema previdenciário que não serão totalmente eliminadas. A elite dos aposentados no setor público será preservada, os funcionários na ativa que ingressaram antes de 2003 serão pouco afetados e as regras dos militares não serão alteradas. São regras que precisarão ser revistas tempestivamente.

Apesar disso, dada a gravidade do quadro fiscal e da Previdência Social, não convém adiar mais a reforma, ainda que ela seja incompleta do ponto de vista de justiça do sistema. O custo e o risco para o equilíbrio econômico seriam insuportáveis. Dois erros não fazem um acerto.

Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e economista-chefe da XP Investimentos.

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