A Guerra do Rio

Com as Forças Armadas nas ruas e operações de inteligência nos bastidores, a União decidiu atuar diretamente na segurança do Rio de Janeiro, uma missão que compete ao governo estadual. A ofensiva inédita, que pode ir até o fim de 2018, faz parte do Plano Nacional de Segurança e será um laboratório. Se der certo, pode ser levada a outros pontos do país onde a criminalidade é crítica. O primeiro evento para discutir esse tema, depois de o presidente Michel Temer autorizar a ação, foi o Brasil de Ideias realizado pela Revista VOTO em 1º de agosto na capital fluminense.

Depois de apelos de políticos e empresários e diante de um quadro caótico de violência, Temer determinou o uso das Forças Armadas no Rio no dia 28 de julho dentro da Lei da Garantia da Ordem. Serão mais de 10 mil homens do Exército, Marinha e Aeronáutica fazendo a segurança nas ruas em toda a megalópole, uma tarefa que pela Constituição é da Polícia Militar. Além disso, as polícias Federal e Rodoviária Federal ficarão responsáveis pelo trabalho de inteligência. O Estado vive uma das piores crises da sua história, com crescimento de roubos e homicídios. Mais do que dar sensação de segurança, a intenção é atacar e enfraquecer o crime organizado. O governo garante que é um trabalho de longo prazo.

“É uma fase do Plano Nacional de Segurança que está sendo realizado em todo o Brasil. Vamos olhar o que está acontecendo no Rio de Janeiro, vamos olhar o Brasil, a extensão que o crime tomou. Mas é preciso imaginar que a nossa ansiedade para que tenhamos resultados formidáveis amanhã é falsa. Vamos ter resultados concretos nos próximos meses”, disse o ministro Sergio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), um dos nomes fortes do Governo Temer e o principal estrategista do Planalto para enfrentar a criminalidade no país.

Desta vez, garante o ministro, a população vai ver os resultados na criminalidade depois da saída dos militares das ruas. “Estamos fazendo outro modelo de operação. Temos consciência de que a permanência prolongada das Forças Armadas em comunidades não produz os efeitos que se deseja. Controla-se a situação, o tráfico tira férias, e no momento em que as Forças Armadas saem as circunstâncias permanecem”, observou Etchegoyen, general do Exército.

No governo ninguém usa o termo intervenção. Mas, na prática, é. Como o Rio é uma vitrine para o Brasil e para o mundo e o Estado tem um crime organizado fortíssimo, o Planalto acredita que o êxito no Rio poderá ser replicado em locais de criminalidade crescente. Mas, para quem deseja ver o Exército atuando nas ruas na segurança pública das cidades, Etchegoyen avisa: “Não é papel das Forças Armadas a ocupação do Rio de Janeiro, nem nós queremos uma cidade militarizada. É uma situação pontual”, completou.

Tráfico de armas e drogas

O foco da operação no Rio será o tráfico de drogas e de armas. A prioridade é diminuir a posse de fuzis com os bandidos e frear a chegada de cocaína que enriquece as quadrilhas. Para isso, o patrulhamento nos acessos da Cidade Maravilhosa foi reforçado. Diferentemente dos anos anteriores, a ideia não é ocupar a favelas, mas usar as forças de segurança para fazer operações cirúrgicas em áreas violentas, como a realizada no último dia 5 no Complexo do Lins, com mais de 5 mil homens.

Como armas e drogas vêm de fora, a outra estratégia é atuar mais forte nas fronteiras. E essa deve ser uma prioridade, diz o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Augusto Nardes, que faz parte de um grupo de trabalho que estuda a situação da criminalidade na fronteira com os 10 países vizinhos. “O Brasil tem 16 mil quilômetros de fronteiras e não há uma política integrada. Sabe-se que 68% dos estados não compartilham informações. É preciso que haja uma mudança e cooperação entre as secretarias de estado para combater o crime organizado”, defendeu.

Outro problema nas fronteiras é o contrabando, a principal fonte de financiamento do crime organizado em todo o território nacional, segundo Edson Vismona, coordenador do Movimento em Defesa do Mercado Legal Brasileiro. Em 2016, conforme ele, esse crime gerou um prejuízo de R$ 130 bilhões ao país. “É fundamental o Estado ocupar os espaços antes que o crime organizado tome frente. No Rio de Janeiro, o mercado ilegal de cigarros corresponde a 36%, ou seja, os produtos são comercializados a partir do roubo de carga, fruto do contrabando e de empresas sonegadoras”, disse Vismona.

Menos armas, mais cidadania

Até a Olimpíada, o Rio experimentou mais de cinco anos de redução da violência graças ao projeto de Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), que ocuparam favelas com a PM. Porém, o projeto caiu por terra com a crise financeira do Estado, que retirou policiais das comunidades. Além disso, o Estado é criticado por não ter entrado com programas sociais. Por isso, o Governo Temer também quer ocupar esse espaço.

O primeiro passo, disse o ministro Osmar Terra, do Desenvolvimento Social e Agrário, é reorganizar serviços que foram desativados pela dificuldade de acesso dos profissionais a áreas de risco, como atendimentos em postos de saúde, escolas e serviços móveis de exames. Depois, o governo pretende criar atividades esportivas, culturais e profissionalizantes. “Nós vamos entrar logo depois da ação de segurança, organizando serviços e acrescentando serviços. Por exemplo, de contraturno escolar”, explicou Terra.

Apesar de reconhecer o papel social, Marco Aurélio Vieira, diretor de operações do Comitê Rio-2016 e especialista em segurança, disse que o Brasil nesse momento precisa atacar as causas da violência, não buscar explicações sociológicas para o problema.

“Temos que atacar as causas da criminalidade. O nosso problema hoje é a violência, é o bandido com fuzil na mão, é o roubo que leva mais de 30 cargas por dia”, defendeu.

Com penetração quase diária nas favelas cariocas, o secretário de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação do Rio de Janeiro, Índio da Costa, comemora a ocupação federal na cidade. Mas questiona: “Qual o legado de fato que vai ficar para o Rio em segurança em 1º de janeiro de 2019, quando esse governo acabar? O Rio e o país estarão mais seguros?”

Essa e a resposta que o Brasil quer saber.

 Por Mauro Graeff Júnior/Rio

Fotos:

Rio1: Destaque: Crédito: Tomaz Silva – Agência Brasil – 28/07/17
Rio2. Sergio Etchegoyen. Crédito: Ari Versiani/Agência Ponto – 1º/08/17

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