Mulheres de Poder – A serena dama da Justiça

Em um Brasil com autoridades sob descrédito, a esperança encontra um porto no semblante sereno de uma mineira nascida há 62 anos em Montes Claros. Cármen Lúcia Antunes Rocha tem em suas mãos o futuro do país, responsabilidade para a qual foi testada sem a complacência do destino durante os 129 dias entre a sua posse na presidência do Supremo Tribunal Federal e o sombrio 19 de janeiro, quando a morte do relator da Lava Jato deixou o Brasil em suspense.

Nesse período se sucederam a prisão do ex-presidente da Câmara dos Deputados, o embate do Supremo com o presidente do Senado e, em um dos momentos mais tensos, à espera da maior delação premiada da História, o voo trágico do ministro Teori Zavascki.

“A sua presença e o seu exemplo ficarão como um rumo do qual não nos desviaremos”, prometeu Cármen Lúcia na primeira manifestação naquela quinta-feira em que a crença na impunidade se alimentava do luto. Com pulso firme, evitou a paralisia do processo. Autorizou os juízes auxiliares do gabinete de Zavascki a prosseguirem os trabalhos nas delações premiadas de executivos e ex-executivos da Odebrecht na Operação Lava Jato.

A morosidade da Justiça lhe causa desconforto. No Roda Viva, em outubro, ela já havia dito: “Se pudesse resolver apenas um problema do Judiciário, seria a celeridade na condução dos processos”.

Professora de Direito Constitucional que começou a lecionar na PUC de Minas Gerais em 1983, Cármen Lúcia tem um perfil mais técnico, por isso capaz de frustrar ora um bloco político, ora outro. Em outubro de 2012, votou pela absolvição da acusação do crime de formação de quadrilha de 13 citados no Mensalão. Três anos depois, em novembro de 2015, votou a favor da prisão de Delcídio do Amaral, à época líder do governo Dilma no Senado. Ao justificar a inédita prisão de um senador em exercício, o voto da magistrada, em que cita a Ação Penal 470 (a do Mensalão), se tornou uma resposta para o novo escândalo:

“Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro, porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil.”

Como guardiã do Judiciário, repudiou intimidações do Legislativo, como a recente inclusão no projeto anticorrupção de medidas que reduzem a independência de juízes, assim como a de promotores.

Indicada pelo então presidente Lula, em 2006, é a segunda mulher a ocupar cadeira no Supremo, após a ministra Ellen Gracie Northfleet. Diferentemente de Dilma, faz questão de ser tratada como “presidente”, em vez de “presidenta”. Não por desmerecer o protagonismo feminino, e sim por ser uma “amante da língua”.

Crédito da Foto em destaque: Wilson Dias/Agência Brasil

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