Assumindo as rédeas da própria vida

Mariana Franco Tellechea é a primeira mulher a presidir a Associação Brasileira de Angus (ABA) 

Quem, aos 12 anos, pede uma vaca Red Angus puro sangue de aniversário e, ao se formar na graduação, ganha uma égua crioula de presente? Ela: Mariana Franco Tellechea, titular da Cabanha Basca, em Uruguaiana, no oeste do estado do Rio Grande do Sul, cidade que faz fronteira com Uruguai e Argentina. A primeira mulher a presidir a Associação Brasileira de Angus (ABA) em 60 anos tem no DNA a paixão pela pecuária. É filha do sócio-fundador e primeiro presidente da Associação, Flávio Bastos Tellechea, um tradicional criador não só de gado, como também de cavalo, com reconhecimento no Brasil e no exterior.

Apesar de nascida em Porto Alegre, Mariana morou a vida toda no interior do estado. “Tive uma infância muito boa na Paineiras, estância da minha família. Sempre gostei do campo. Sempre tive animais. Comecei com os de pequeno porte: gato, cachorro, passarinho, galinha, tartaruga e cordeirinho.” A veterinária, formada pela PUCRS, acredita que a escolha profissional foi um caminho natural. “Acabei trabalhando só com grandes animais. Gosto muito de gado e tenho uma paixão enorme pelos cavalos”, conta.

A carreira

A pecuarista afirma que foram muitos os desafios encontrados na carreira. O maior deles, com certeza, foi o início da administração dos negócios da família. “Eu me formei em 1984 e comecei a trabalhar com o meu irmão, também veterinário, braço direito do pai na estância. Em 1989, meu irmão morreu em um acidente de carro e, em 1990, meu pai faleceu do coração. Em pouco tempo, a minha mãe, as minhas irmãs e eu precisamos assumir as propriedades”, recorda. Como única filha morando em Uruguaiana, ficou responsável por acompanhar o dia-a-dia na Paineiras. “Foi uma fase de muito estudo e dedicação. Na época, meus filhos eram pequenos e tive que aprender a conciliar vida pessoal e profissional.”

Com o tempo, surgiu a necessidade de criar sua própria marca: a Cabanha Basca. “Trabalho no comitê de gerenciamento ao lado da minha filha, Lila Tellechea Pinto, administradora que comanda o marketing e as redes sociais, e do meu genro, Henrique Gonzalez, veterinário responsável junto comigo pelo manejo sanitário e reprodutivo.”. Já o filho, Nelson Pinto, publicitário, apesar de não trabalhar na Cabanha Basca, é quem faz as filmagens dos remates e garante a atualização do banco de imagens. 

Mariana é casada com Caio Fernandes Vianna, Presidente da Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCG) e da Cooperativa Agropecuária de Júlio de Castilhos (Cotrijuc). Também criador de Angus, Brangus e Cavalo Crioulo, Caio tem propriedade em Júlio de Castilhos e trabalha em Cruz Alta, a 430 km de Uruguaiana. “Precisamos, então, valorizar os finais de semana e as viagens que fazemos juntos. Como em todas as profissões, a gente vai se adaptando para dar conta das inúmeras funções que desempenhamos. E não abro mão da convivência em família. Aprecio muito os momentos com as minhas netas, Luzia (6) e Joana (4), filhas de Lila”, diz. 

A criação

Na Cabanha Basca, trabalha-se com ovinos comuns, Cavalo Crioulo e bovinos Brangus e Angus. Os plantéis puros servem para o melhoramento genético das raças. “Temos umas 850 cabeças de Brangus em uma propriedade e cerca de 700 cabeças de Angus em outra. Mesmo em anos de seca, como este, é muito boa a rentabilidade do Angus. Sua carne é de ótima qualidade e considero o animal completo em todos os sentidos: precocidade, fertilidade e longevidade.”

Estudiosa da genética animal, Mariana assumiu, agora em 2023, a presidência da Associação Brasileira de Angus, entidade que já foi dirigida por seu pai e seu irmão: “Participei de duas diretorias em gestões anteriores e hoje me sinto bem à vontade nessa nova função, porque acompanhei o desenvolvimento e a evolução da raça. Sempre frequentamos exposições na Expointer, em Esteio, em Palermo, na Argentina, e também no Prado, no Uruguai.” A presidente promete muito trabalho nestes dois anos: “A ideia é promover ações que contribuam para o crescimento do destaque que vem conquistando a raça, principalmente procurando uma genética bem adaptada às nossas condições climáticas.”

O mercado de Angus é cada vez mais significativo: apresenta crescimento de 19% no abate da carne (461 mil animais), e crescimento de 17% na produção, com aproveitamento de 76 kg por animal, o que significa um aumento de 6% em comparação a 2021. Chama a atenção, também, a produção de industrializados (hambúrguer, linguiça, moída etc.), com crescimento de 12%. “As exportações têm crescimento de 80% no volume em comparação a 21 e 31% em faturamento. É um momento excelente para o setor, mas ainda temos muito a crescer, por isso estamos sempre de olho em novas oportunidades”, declara a pecuarista, que, recentemente, teve agenda em São Paulo para ampliar negócios e fazer networking. De acordo com ela, o próprio consumidor está mais interessado em saber a origem do produto, o que exige não só melhorias no processo de rastreamento, como também uma padronização que garanta qualidade e unidade na entrega.

A certificação

Pensando em atender as demandas cada vez mais exigentes do mercado, foram desenvolvidos selos de sustentabilidade. Essa certificação é concedida com o aval da TÜV Rheinland Brasil, organismo de inspeção, gerenciamento de projetos e treinamento, com sede na Alemanha. “Em 2019, a ABA lançou um manual que orienta tanto seus associados como as propriedades que participam do Programa da Carne Angus a conseguir o selo de sustentabilidade. Essa iniciativa esteve em standby em função da pandemia, mas ganhou força na última Expointer.” Em menos de 6 meses, já foram certificadas três propriedades e há outras 30 fazendas em processo de certificação. 

São três os pilares para a certificação: ambiental, trabalhista e bem-estar. O selo significa mais do que o seguimento das regras de preservação da natureza: é também a garantia do cumprimento do protocolo de bem-estar animal. Existe toda uma orientação para o manejo sanitário. Há, inclusive, a previsão de acompanhamento da regulamentação dos funcionários que precisam ter, obrigatoriamente, seus filhos matriculados em escolas. 

A liderança

Genética, produção eficiente de carne e meio ambiente estão na pauta da ABA. E trabalhar a imagem que as pessoas têm da bovinocultura é um dos desafios da nova gestão. “Por uma questão cultural, a maioria das pessoas vê a criação de gado como um risco ao meio ambiente, o que não é verdade. A gente precisa preservar para produzir bem”, garante Mariana. Segundo a pecuarista, existem muitas iniciativas já feitas que ainda não são conhecidas do grande público e, de qualquer forma, a intenção da Associação é fazer com que os criadores estejam ainda mais engajados no desafio de preservação do solo, cuidando da emissão de gás carbono.

Entre as duas mil entidades ligadas à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), não chegam a 200 as que têm mulheres presidentes de sindicatos rurais no interior do país. E entre as entidades de criadores de bovinos, Mariana é a única representante mulher. Mesmo assim, pensa que a liderança é uma conquista que independe do gênero. “Não sei se existe uma diferenciação em termos de salário, mas é impressionante o número de mulheres no agronegócio. O mercado de trabalho das mulheres já está consolidado. Somos muito respeitadas. Cada vez mais, a meritocracia é o que vale. São as tuas experiências e competências que farão, ou não, a diferença. Então, o segredo é assumir as rédeas da própria vida e fazer acontecer”, comemora.

Jogo rápido 

Uma personalidade: Paulo Guedes

Um livro: O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez

Um filme: Les uns et les autres

Uma viagem: Rússia

Um sonho: meu maior sonho pessoal é que a minha família esteja unida e com saúde. Meu maior sonho profissional seria conquistar um Freio de Ouro pelo Cavalo Crioulo. Pela Paineiras temos vários, mas, pela Basca, ainda não.

Uma citação: “Eu sou parte de uma equipe. Então, quando venço, não sou apenas eu quem vence. De certa forma, termino o trabalho de um grupo enorme de pessoas.” Ayrton Senna