A busca pela suntuosidade

Num momento em que estamos livres das máscaras e do pânico de aglomerações, lembrar o período crítico da pandemia pode ser um exercício de concentração. Embora pareça que foi há muito tempo, sim, estivemos isolados. Sim, sentimos medo. Além disso, testemunhamos a transformação de vários setores, seja devido à crise que assolou os serviços de algumas empresas, seja pela necessidade de revolucionar a forma de trabalhar. 

Quando analisamos o mercado de luxo no mundo, é intrigante ver que esse nicho seguiu uma direção contrária, mostrando um crescimento médio de 51,74% em setembro de 2021 em relação ao mesmo período de 2020. No Brasil, o segmento cresceu 10,8%, alcançando um valor de vendas estimado em R$ 13,9 bilhões. 

Em 2022, a indústria global de artigos de luxo atingiu um valor de mercado de cerca de € 1,4 trilhão (R$ 7,8 trilhões) em receita de vendas — ou seja, um aumento de 21% quando comparado com o ano anterior. Isso demonstra que, enquanto as condições econômicas e de mercado de consumo se mostram altamente incertas, o mercado global de bens de luxo continua em franca ascensão.

De acordo com Claudia D’Arpizio, parceira da Bain & Company — consultoria global que auxilia empresas e organizações a promover mudanças para definir o futuro dos negócios —, “A nouvelle vague (nova onda) do mercado de bens de luxo exigirá evolução em meio à disrupção, adaptação em meio à incerteza e expansão da criatividade em todos os fundamentos. Tudo isso enquanto novas tendências e conceitos se desenvolvem”.

Um fausto amanhã
O relatório da consultoria sobre esse nicho de mercado, hoje em sua 21ª edição, sugere que a mesma tendência deverá seguir nos próximos anos até o final da presente década, mesmo em face à turbulência econômica atual. A indústria de bens pessoais de luxo, em particular, viu uma aceleração de crescimento ainda maior em 2022.

A análise aponta que, mesmo com uma possível recessão global em 2023, o impacto sobre o setor pode ser diferente da crise financeira global de 2008 e 2009. O motivo? Porque se acredita que esse mercado, agora, parece mais bem equipado, uma vez que conta com uma base de consumidores maior e mais concentrada.

Além disso, as transformações decorrentes da pandemia, como o foco no cliente e os ecossistemas de compras omnichannel — bem como o investimento das marcas em suas áreas de tecnologia —, são grandes responsáveis não só pela estabilidade do setor, mas também pelo crescimento contínuo esperado pela consultoria.

Tendências geracionais
Quando se fala em “base de consumidores maior e mais concreta”, é porque existe uma expectativa em relação ao comportamento de consumo das gerações Z e Alpha. Enquanto os millenials começaram a olhar para esse mercado aos 18-20 anos, percebe-se que os mais novos passaram a adquirir itens de luxo por volta dos 15 anos de idade. 

As crianças nascidas a partir de 2010 formam a mais nova geração, chamada Alpha. São filhos e filhas da geração Y, e pertencem a um mundo tecnológico e conectado desde os primeiros meses de vida, sendo conhecidos como nativos digitais. Estima-se que essa geração chegará aos 2 bilhões de pessoas no mundo até 2025, e que seus gastos deverão crescer três vezes mais rápido, o que os fará representar um terço do mercado de luxo.

Portanto, é correto afirmar que essa base de consumidores está mesmo “maior e mais concreta”: hoje, ela conta com cerca de 400 milhões de consumidores, e, até 2030, a previsão é de chegar a meio bilhão. Segundo Claudia D’Arpizio, “esse crescimento do mercado é impulsionado por fatores que vão além da aspiração, com as pessoas se tornando mais informadas e exigentes, o que contribui para uma competição intensificada.”

Riqueza brasileira
De acordo com um relatório produzido pela consultoria Euromonitor, o mercado de luxo no Brasil seguiu o comportamento mundial durante a pandemia, demonstrando forte crescimento, o que fez com que as marcas passassem a fornecer variedades e coleções exclusivas aos consumidores daqui. Assim, a classe média alta, que investia seu dinheiro em produtos no exterior, passou a consumir no próprio país.

Segundo Roberto Veiga, coordenador da Abrael (Associação Brasileira das Empresas de Luxo), esse consumo na pandemia foi sofrendo alterações com o passar do tempo. No primeiro momento, as pessoas procuraram por autocuidado, a exemplo dos produtos específicos de skincare, seguido de artigos para casa. Já após as flexibilizações, começaram a investir também em roupas, automóveis, lanchas e jatinhos.

Um dos maiores exemplos de como o mercado brasileiro está aquecido é a marca Porsche, que pareceu ignorar a crise e teve um crescimento de 24% no Brasil só em 2021. Isso porque, segundo a consultoria Brand Finance, a Porsche é a marca de luxo mais valiosa do mundo. Com a pandemia, ocorreu um “boom” nas vendas dos seus automóveis, e filas de espera de até dois anos por um zero quilômetro começaram a ser consideradas normais.

Embora esse atraso não seja exclusivo do segmento de luxo, uma vez que houve paralisação em todas as fábricas e falta generalizada de peças (o que atingiu, também, montadoras mais populares), o gatilho da escassez é para quem pode, e não para quem quer. Afinal, quando a demanda é maior do que a oferta, os preços dos produtos tendem a subir, já que os consumidores se dispõem a pagar mais para obter um determinado item.

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