Carta fora do baralho?

Em 29 de outubro de 2006, o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu pela última vez em uma urna eletrônica. Isso não significa que, de lá para cá, ele viveu longe das disputas eleitorais. Foi o grande responsável por vitórias como as de Dilma Rousseff, para a Presidência, e de Fernando Haddad, para a prefeitura de São Paulo. Mas também sofreu derrotas como a de Alexandre Padilha para o governo paulista e uma série de prefeituras perdidas em 2016.

O retorno do petista aconteceria em 2018 – mas a condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá reduziu suas chances de participar do pleito. A inelegibilidade decorrente da Lei da Ficha Limpa modificou as peças do tabuleiro eleitoral, e os cenários sem Lula começam a se tornar os mais prováveis nas análises políticas.

Pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha no final de janeiro, poucos dias após a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mostra um contexto de incertezas e pulverização das intenções de voto. “Na ausência de Lula, destaca-se a alta significativa de intenção de votos nulos ou em branco, que oscilam de 24% a 32%, dependendo dos nomes consultados”, destaca o relatório do levantamento.

Chamuscado pelas denúncias e pela crise política e econômica que o país vive, Lula já não é o mesmo puxador de votos de outrora. Segundo a pesquisa, a capacidade de transferência do petista – ou seja, a tendência de seu eleitor escolher algum candidato apoiado por ele – é cada vez mais baixa. Hoje, 53% dos entrevistados não votaria em alguém indicado por Lula. Na primeira eleição de Dilma, em 2010, esse percentual era de apenas 23%.

Para Gabriel de Arruda Castro,  diretor-executivo do Instituto Monte Castelo, sediado em Brasília/DF, os números mostram que a renovação natural do eleitorado tende a dissipar ainda mais a capacidade de transferência de votos de Lula. “Ele deixou o cargo há oito anos. Quem tem 18 anos agora, por exemplo, provavelmente só conhece o Lula pelos escândalos de corrupção. Quem tem menos de 28 nem mesmo teve a oportunidade de votar em Lula antes”, destaca ele, que é mestre em Administração Pública pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

Após atingir um pico de rejeição de 57% nas manifestações populares de 2016 que culminaram no impeachment de Dilma, Lula recuperou-se um pouco e agora chega a 40%. O percentual ainda é alto, segundo Castro, estando “no limite para inviabilizar o sucesso de uma candidatura eleitoral”. “A não ser que haja um trabalho muito bem feito durante a campanha, como o que João Santana fez com Dilma em 2010, essa rejeição alta é um sério problema para ele”, aponta.

Embora meio ano ainda separe este cenário nebuloso das eleições, as cartas já estão sendo colocadas à mesa. Com a possibilidade real de Lula ficar de fora, o jogo não parece estar fácil para seu partido.

Intenção de votos reflete mudança nas ideias políticas

Em todos os cenários sem Lula testados pelo Datafolha, quem lidera as intenções de voto para a Presidência é Jair Bolsonaro (ainda oficialmente no PSC, mas com possibilidade de candidatura pelo PSL). De acordo com a análise do instituto, o desempenho do deputado federal “vai melhor entre os homens do que entre as mulheres”, e “também ganha destaque na fatia dos mais jovens (a faixa de 16 a 24 anos), entre os brasileiros com ensino superior e na parcela com renda média-alta (entre 5 e 10 salários por família)”.

A pesquisa também avaliou o potencial desgaste que o presidenciável sofreu após denúncias sobre aumento de patrimônio da família Bolsonaro desde seu ingresso na política. Isso, no entanto, não trouxe aparente prejuízo à imagem de Bolsonaro. No grupo dos que tomaram conhecimento das notícias, não há alteração significativa em sua intenção de voto.

Autor do best seller Pare de Acreditar no Governo – Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado (Editora Record), o cientista político Bruno Garschagen avalia que Bolsonaro tem atraído um percentual cada vez mais expressivo do grupo de eleitores que se considera “de direita”. “Ele tem enfatizado sua posição a respeito de segurança pública e assumido pontos de uma agenda conservadora com discurso pró-economia de mercado”, aponta.

Para Garschagen, esses altos índices de intenção de voto têm relação com um novo ambiente de ideias na política brasileira, em que um grupo cada vez maior passou a expor sua defesa de princípios de liberdade econômica e conservadorismo social. “Essa mudança pode influenciar as eleições deste ano em duas dimensões: pressionando os políticos para aderir a essa agenda conservadora ou liberal, por convicção ou por oportunismo; e elegendo os poucos políticos que hoje identificam-se ou defendem abertamente essas ideias ou parte delas.”

No entanto, Bolsonaro parece ainda enfrentar dificuldades para conquistar o eleitor médio. Prova disso é que ele perde em todos os cenários testados para o segundo turno – com ou sem Lula. Isso pode mudar, segundo Garschagen, “se não aparecer qualquer outro candidato que defenda essa mesma agenda para dividir votos, e Bolsonaro continuar a ajustar o seu discurso”. “Pode ser que ele consiga vencer resistências atuais e se tornar a opção de voto daqueles que ainda não decidiram em quem votar, mas que querem impedir que um candidato da esquerda vença a próxima eleição”, conclui.

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