Opinião: “Cassação inconvincente”

Antônio Augusto Mayer dos Santos
Advogado e especialista em Legislação Eleitoral

Os 344.917 votos obtidos por Deltan Dallagnol não foram anulados, porém, não ostentam mais a sua representatividade popular. Foram mantidos na legenda de modo a, tão somente, viabilizar a manutenção da cadeira partidária pelo respectivo suplente.

Na Justiça Eleitoral, os adversários convenceram o Tribunal Superior Eleitoral de que o ex-deputado federal se exonerou do cargo de procurador da República em 03/11/2021 quando estavam pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal dois processos administrativos disciplinares, além de outros quinze feitos disciplinares, destinados à apuração de irregularidades graves, perante o Conselho Nacional do Ministério Público, que só foram posteriormente extintos ou arquivados devido à exoneração.

A Lei de Inelegibilidades, apelidada de Lei da Ficha Suja, diz que são inelegíveis os membros do Ministério Público que “tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos”. Deltan, em sua defesa, referiu a existência de certidões expedidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público comprovando que à época de seu pedido de aposentadoria, não tinha processo administrativo disciplinar algum pendente de julgamento. Na prática, eram nove reclamações disciplinares, uma sindicância, um pedido de providências, três recursos internos em reclamações disciplinares e uma revisão de decisão de arquivamento.

Diante dessa situação, qual foi o fundamento da decisão que cassou o registro? O TSE, a partir do voto do relator do recurso, entendeu que Deltan antecipou o seu pedido de exoneração de forma proposital (o voto refere “manobra”) exatamente para evitar que esses outros 15 procedimentos diversos que tramitavam contra ele “viessem a gerar processos administrativos disciplinares (PAD) que poderiam ensejar a pena de aposentadoria compulsória ou de perda do cargo”, agindo, assim, em “fraude à lei”.

A pergunta é: dentre esses expedientes, todos eles, alguns deles ou apenas um que fosse, poderiam efetivamente gerar processos administrativos disciplinares (PAD) aptos a ensejar a pena de aposentadoria compulsória ou de perda do cargo de Deltan caso tivesse permanecido na sua instituição? Será? Como afirmar peremptoriamente isso? Quem tem certeza da resposta? O TSE!

Desconsiderando possibilidades tais como arquivamentos, falhas procedimentais, penas menos severas ou até mesmo eventuais suspensões judiciais dos procedimentos, o tribunal sacramentou que “o pedido de exoneração teve propósito claro e específico de burlar a incidência da inelegibilidade”. Para o tribunal, o ex-deputado estava plenamente ciente de que a instauração de novos processos administrativos disciplinares em seu desfavor, culminando em ulterior e eventual demissão, não era apenas uma hipótese remota, mas uma possibilidade concreta.

Em suma: trata-se, ao fim e ao cabo, de uma decisão cujos fundamentos são impressionantemente artificiais e amparados em presunções.

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