Combate ao crime: muito além do que tem sido feito

Nos últimos anos, o brasileiro se encontra perplexo e assustado com a escalada do crime em suas várias vertentes. Estamos falhando em controlá-lo, desde um simples roubo de celular até o mais problemático que envolve assassinatos. Isso para não dizer sobre a corrupção que vem desviando enorme soma de riqueza todos os anos. Essa ineficiência do Estado nas três esferas de gestão custa caro para todos nós. Podemos dividir em custos públicos, que são os recursos destinados para infraestrutura de polícia, judiciário, prisões e material de consumo; custos privados relacionados à segurança particular e demais investimentos; e custos sociais como a redução da sensação de felicidade, liberdade de viver em sociedade, vidas perdidas e renda que se deixa de gerar nessas condições.

Esses aspectos já são bem estudados pelos pesquisadores que, há anos, identificaram os custos econômicos e sociais da violência. Uma morte, um trauma e o medo de sofrer um ataque físico ou assalto, por exemplo, geram sequelas psicológicas que reduzem a felicidade e a produtividade das pessoas. A pesquisa “Os custos do crime e da violência: Novas evidências e constatações na América Latina e Caribe” aponta que o custo médio do crime no Brasil é da ordem de 3,78% do PIB todo ano.

Essa situação resulta em um dos continentes mais perigosos do mundo. A nossa taxa de homicídios (30 por grupo de 100 mil habitantes) é maior que a média da região (23 por 100 mil habitantes), fazendo com que o país seja responsável por nada menos que 52% de todo o custo relacionado a homicídios no continente. E isso é perceptível para todos, como apontado em pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que mostrou que a violência se tornou um problema para 1 em cada 3 brasileiros, e mais da metade apontou a corrupção como uma grande mazela. São preocupações maiores do que o item “educação e miséria” e que certamente devem estar em debate nas eleições deste ano.

Diante desses números, é natural imaginar que há uma grande expectativa para se encontrar imediatamente a solução de um problema complexo. Mas “para todo problema complexo existe uma solução simples que, invariavelmente, está equivocada”, dizia H. L. Mencken. Ou seja, para resolver o problema da violência no Brasil, não basta aumentar as verbas para compra de material ou contratação de pessoal. Ou, simplesmente, enviar o Exército para determinadas regiões em uma situação onde não há como fazer identificação e, muito menos, fazer uso do poder de polícia.

Claramente, dá para ver que nossos governantes estão confusos com o enfrentamento do tema e muitos intelectuais se abraçaram em discursos equivocados de perseguição racial ou de classe para defender menos rigor no combate ao crime – chegando a demandar, inclusive, abrandamento de penas ou o fim da polícia. Além disso, falta organização, transparência, integração de dados e mais consulta aos pesquisadores e especialistas, que via de regra não passam nem perto das secretarias de segurança pública espalhadas pelo país. Será que está difícil enxergar que a solução do combate ao crime é muito mais ampla, passa pelos aspectos que envolvem o fato e vai até a conclusão do processo de investigação?

O que fazer?

Isso envolve discutir nosso modelo de registro, estrutura de suporte para investigação, acompanhamento do processo, definição das penas e instâncias com discussão sobre as leis e também sobre o encarceramento. O processo de registro já começa errado. Quem precisou documentar um crime em uma delegacia, mesmo que seja a comunicação de um roubo, sabe a dificuldade e o tempo que se leva para concluir esse processo.

A infraestrutura precária das delegacias é notícia em todo o Brasil, com situações onde faltam salas de interrogatório e gasolina. Há também teto com goteira e telefone desligado, e muitas delegacias ainda usando máquinas de datilografia e arquivos de papel – o que facilita a perda de provas e dificulta a transparência na informação. Sem infraestrutura não há como dar andamento na investigação, e isso prejudica a solução dos casos e gera desperdícios de recursos.

Quando conseguimos elementos suficientes para levar o processo adiante, esbarramos na legislação com o emaranhado de leis e caminhos alternativos que atrasam os processos e ajudam a aliviar a pena dos condenados. Tudo isso contribui para gerar no brasileiro a sensação de impunidade e, assim, acaba se tornando um estímulo ao crime.

O último relatório da Justiça mostra que ainda temos um caminho longo a percorrer para gerar a sensação de rigor da lei. O tempo médio de uma sentença em primeiro grau na Justiça Federal é de 4 anos. E a tramitação de processos pendentes na fase de execução de primeiro grau nas justiças estaduais leva em média 7 anos e 5 meses. No Tribunal de Justiça de São Paulo, o mais lento do Brasil, esse prazo vai a 9 anos e 4 meses. A título de comparação: nas cortes americanas, a média de tempo de um processo civil na fase de prejulgamento leva, em média, 11,7 meses, e durante o julgamento e conclusão, outros 12,6 meses.

Precisamos debater de forma séria o tema, escutar os profissionais da área, aplicar estudos de caso de outros países e retirar da mão dos políticos o poder de decisão na gestão. Isso é um assunto de Estado, não de governos. Situações semelhantes, em que a violência fugiu ao controle, já foram verificadas em diferentes locais do mundo – e a resolução sempre passou pela aplicação de um conjunto eficaz de ações. São aspectos que vão desde a integração da polícia com a comunidade até o controle da venda de álcool para menores de idade e em determinados horários.

Algumas pesquisas apontam os efeitos positivos de manter as crianças por mais tempo na escola, investir na melhoria de infraestrutura das cidades, mantendo-as limpas, e também tornar as leis mais críveis, sem abrandamento. As regiões que estão em estágio mais avançado já se utilizam da inteligência artificial para prever os locais e horários com maior probabilidade de ocorrência de um crime e, com isso, direcionar os agentes para atuar na prevenção. Além disso, há diversos outros campos de aplicação da inteligência artificial em uso, como sistema de detecção de disparos de armas de fogo, reconhecimento facial, leitura de placa de veículos e até um sistema que pode orientar a justiça sobre o perfil de uma pessoa na hora do julgamento. Nos Estados Unidos, já se discute como usar a tecnologia blockchain para registro de informações relacionadas ao crime, com o intuito de reduzir custos e acelerar o processo de investigação.

O campo para melhoria do modelo brasileiro é fértil, e o ano eleitoral é o momento ideal para demandarmos ações mais inteligentes no combate ao crime por parte dos políticos. E que eles entendam que dá para fazer muito mais do que tem sido feito, cobrando menos impostos da população.

Por Igor Morais

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