Congresso terá muitas caras novas e menos nomes tradicionais

Com 30 partidos representados, o Legislativo dos próximos quatro anos terá muitas caras novas e menos nomes tradicionais. Os ventos de transformação também chegaram aos estados

A partir de hoje, 1º de fevereiro de 2019, quando completa um mês de sua posse, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deverá lidar com um Congresso fragmentado de forma inédita no percurso da democracia brasileira. Os votos da população não só promoveram a maior renovação do Parlamento desde 1990, como também alçaram ao Legislativo um número recorde de partidos representados, trazendo novos paradigmas nas relações de forças.

Depois de quatro anos de profundas divisões, uma grave crise financeira, um impeachment, duas denúncias contra um presidente em exercício e o furacão da Operação Lava Jato, a voz das urnas se manifestou. E os resultados trouxeram à tona o caldo de insatisfações e novos valores que foram nutridos nesse período conturbado da nação.

Das 35 legendas em atividade no país, 30 estarão representadas — o maior número da história do Legislativo. Há duas décadas, 20 siglas estavam presentes. Impulsionado pela força de Bolsonaro, o PSL foi quem teve o maior avanço. De apenas um deputado federal eleito em 2014, agora a agremiação terá 52, além de quatro senadores. É superado numericamente apenas pelo PT, que contará com 62 nomes a partir de 2019.

Entre os campeões de votos nos estados, cinco são do PSL, como Eduardo Bolsonaro, filho do capitão da reserva, apoiado por mais de 1,8 milhão de eleitores de São Paulo. No Rio de Janeiro, Hélio Barbosa Lopes, que concorreu pela mesma sigla, fez mais de 345 mil votos.

O crescimento do pensamento liberal também se refletiu no Congresso: o partido Novo, principal representante dessa corrente, fará sua estreia com oito deputados federais. Entre eles, o gaúcho Marcel van Hattem, que foi o mais votado no Rio Grande do Sul, com 349,8 mil votos.

Tradicionais desidratam

Enquanto novas forças se organizam, partidos que antes dominavam o Congresso passaram por uma profunda desidratação. O MDB do presidente Michel Temer, que em 2014 elegeu 65 deputados, fez este ano apenas 34 cadeiras. PSDB e DEM, que há 20 anos tinham juntos mais de 230 representantes, agora terão somente 37 e 36 nomes, respectivamente — uma redução de 69%.

Figuras tradicionais, que nos últimos quatro anos apareciam nas listas da Lava Jato, ficarão de fora do Congresso — e, com isso, sem foro privilegiado. Eunício Oliveira (MDB-CE), Romero Jucá (MDB-RR), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Edison Lobão (MDB-MA) foram alguns dos que perderam o mandato nas urnas. Adversários em 2014, Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) tiveram destinos diferentes: a ex-presidente ficou apenas em quarto lugar na disputa pelo Senado. Já o tucano, que decidiu concorrer à Câmara, conseguiu a eleição.

Partidos do chamado “Centrão” também registraram perdas: o PTB viu sua bancada cair de 25 para 10 nomes. PSD e Solidariedade encolheram em dois deputados, enquanto PR e PP elegeram um a menos. O único do grupo que avançou foi o PRB, que passou de 21 para 30 eleitos em 2018.

No campo da esquerda, o PT perdeu 13 cadeiras na Câmara, mas ainda assegurou o posto de maior bancada. Enquanto siglas como PSB e PCdoB recuaram em uma vaga, o PDT passou de 20 para 28 deputados. O destaque, no entanto, ficou para o PSOL, que dobrou sua representação, indo de cinco para dez parlamentares.

Mais mulheres no Parlamento

Maioria da população, as mulheres ainda terão uma baixa representação na Câmara dos Deputados. O número, no entanto, será o maior da história: 77 foram eleitas para a casa – o que representa 15% do Parlamento. A campeã foi a jornalista Joice Hasselmann (PSL-SP), que fez mais de um milhão de votos.

As mulheres terão ainda as deputadas mais nova e mais velha: Luisa Canziani (PTB-PR), com 22 anos, e Luiza Erundina (PSOL-SP), com 83 anos. Além disso, a Casa contará com sua primeira parlamentar indígena: Joênia Wapichana, eleita pela REDE de Roraima.

O avanço conservador e as pautas da segurança pública também deram impulso para frentes informais no Congresso, como as bancadas evangélica e da bala. Entre os religiosos, estima-se que o grupo deve alcançar 180 parlamentares a partir de 2019. Já o da segurança teve um aumento de 70%, segundo levantamento da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme).

Cláusula de barreira

Uma regra que começou a valer nesta eleição pode ajudar a reduzir essa fragmentação parlamentar: a cláusula de barreira, que estabelece critérios para as siglas acessarem o fundo partidário e tempo de televisão.

Aprovada na reforma política em 2017, a cláusula determina que os partidos devem eleger pelo menos nove deputados federais, além de conseguir ao menos 1,5% dos votos totais para a Câmara, distribuídos em nove estados diferentes. Até 2030, esses limites vão se ampliando.

Dos 35 partidos, 14 deles não conseguiram cumprir as regras. Com isso, algumas siglas já começaram a negociar fusões para sobreviver. Entre eles, a REDE de Marina Silva, que conversa com PPS e PV.

O desafio de Bolsonaro

Eleito com um discurso de renovação e enfrentamento da corrupção, Bolsonaro terá o desafio de encontrar o tom ideal para contar com a maioria dos parlamentares. Referendado por quase 60 milhões de eleitores e com uma base social forte, o presidente terá legitimidade para imprimir seu estilo próprio na construção do novo governo.

No entanto, não será simples romper com o presidencialismo de coalizão que foi a marca principalmente dos governos petistas e de Michel Temer, desde 2003. Com importantes pautas para tirar do papel, como as reformas previdenciária e tributária, mudanças no Estatuto do Desarmamento e redução da maioridade penal, o novo presidente precisará de muitas negociações com o parlamentares.

Diante da expectativa de milhões de brasileiros que depositaram em Bolsonaro sua esperança por um novo país, ele precisará mostrar sabedoria e destreza para equilibrar os interesses públicos e o xadrez do jogo político. Um desafio ainda mais difícil diante de um cenário político tão dividido entre muitas forças.

SAINDO DE CENA

Nomes tradicionais da política e protagonistas dos últimos anos tentavam uma vaga no Senado, mas ficaram de fora. Confira alguns nomes que saem de cena em 2019:

Dilma Rousseff (PT-MG)

Ex-presidente que sofreu impeachment em 2016, tentou ser senadora em seu estado natal. Amargou um quarto lugar, com apenas 15% dos votos.

Romero Jucá (MDB-RR)

Da linha de frente de Michel Temer, o emedebista ficou a apenas 426 votos de distância do segundo colocado, Mecia de Jesus (PRB).

Edison Lobão (MDB-MA)

Senador desde 1995 e também na mira da Lava Jato, não fez nem 10% dos votos no Maranhão.

Eunício Oliveira (MDB-CE)

Presidente do Senado e investigado pela Lava Jato, não teve sucesso na busca pela reeleição, ficando na terceira posição.

Lindbergh Farias (PT-RJ)

Investigado no âmbito da Lava Jato, o petista ficou em terceiro lugar na disputa.

Eduardo Suplicy (PT-SP)

Um dos principais nomes petistas, perdeu a vaga pela segunda eleição consecutiva.

Roberto Requião (MDB-PR)

Um dos principais defensores do ex-presidente Lula, também fracassou em sua tentativa de conquistar um novo mandato.

Marconi Perillo (PSDB-GO)

Ex-governador, liderava as pesquisas até ser alvo de uma operação da Polícia Federal. Não passou da quinta posição.

Beto Richa (PSDB-PR)

Governador por dois mandatos, tentou se eleger senador. Preso em plena campanha eleitoral por suspeita de corrupção, ficou em sexto lugar.

NOVAS CARAS

Mais de 260 deputados farão sua estreia na Câmara a partir do próximo ano. Conheça alguns rostos que prometem chamar a atenção no Parlamento:

Joice Hasselmann (PSL-SP)

Jornalista, com passagens pela Veja e Jovem Pan e grande influenciadora nas redes, foi a deputada mais votada do país, com o apoio de 1,07 milhão de paulistas.

Kim Kataguiri (DEM-SP)

Com 22 anos, é um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre (MBL). Defendendo um ideário liberal, foi o quarto mais votado em São Paulo.

Marcel van Hattem (NOVO-RS)

Cientista político e jornalista, foi deputado estadual. Na disputa pela Câmara, foi o mais votado do Rio Grande do Sul, conquistando mais de 349 mil votos.

Katia Sastre (PR-SP)

Policial militar, ficou nacionalmente conhecida pelo vídeo que mostra sua ação contra um assaltante que agia em frente a uma escola. Recebeu mais de 260 mil votos.

Tabata Amaral (PDT-SP)

Filha de uma diarista e um cobrador de ônibus, formou-se em Harvard como cientista política e astrofísica. É cofundadora do Mapa da Educação e Acredito.

Marcelo Freixo (PSOL-RJ)

Uma das principais figuras da esquerda brasileira, fará sua estreia como deputado federal, depois de três mandatos na Assembleia Legislativa fluminense.

Joênia Wapichana (REDE-RR)

Primeira índia a exercer a profissão de advogada no Brasil, é também a primeira mulher indígena a ser eleita para a Câmara dos Deputados

João Campos (PSB-PE)

Com 24 anos, filho de Eduardo Campos e bisneto de Miguel Arraes, levará a tradição da família ao Parlamento. Foi o quinto mais votado do país.

DIVISÃO TAMBÉM NOS ESTADOS

A fragmentação partidária também se refletiu nas eleições regionais. O Brasil terá um recorde de partidos comandando os estados: 13 siglas, quatro a mais do que em 2014.

O MDB, que elegeu sete governadores em 2014, venceu em apenas três estados em outubro. Mesmo número obtido pelo PSL de Bolsonaro, que teve uma importante vitória em Santa Catarina, com o Comandante Moisés.

Do Sudeste, vieram surpresas como Wilson Witzel, que leva o PSC pela primeira vez ao comando do Rio de Janeiro, e Romeu Zema (NOVO), que venceu de forma avassaladora em Minas Gerais, fazendo mais de 70% dos votos no segundo turno contra Antonio Anastasia (PSDB).

O PT é a legenda que mais fez governadores: quatro, todos eles no Nordeste.

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