Entre os seus poderes

Verdade seja dita: Marlon Santos é atípico. Olha firme nos olhos para dizer o que pensa, sem receio de leituras avessas. Sem trato feito com o agrado coletivo. Afirma ter dons sobrenaturais desde os três anos de idade. Médium, toca para curar até 12 mil pessoas por mês. É presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, mas na busca pelo seu nome na internet, a primeira resposta é um vídeo em que o deputado retira um tumor de células nervosas do pescoço de um enfermo. Não usa luvas, sequer aplica anestesia ou faz sutura – sempre é assim. A prova, com 240 mil visualizações, é uma de milhares que faz da Volta da Charqueada, em Cachoeira do Sul (RS), o principal destino da região Central do estado todo sábado.

Mais de 100 caravanas rumam até o pavilhão para ver o parlamentar – encarnado por Richard Dwannes Stan, declarado médico alemão no período da 2ª Guerra Mundial – arrancar a dor com as mãos. Nada é cobrado. “Para a maioria essa é a última alternativa”, conta Carina Silva. Ela é uma das 200 auxiliares que, semanalmente, ajuda nas operações. Excursões de outros estados e de fora do país buscam pela terapia. Ora e outra, chega a descer helicóptero na Capital do Arroz na busca por uma saída para moléstias até incuráveis.

De Alvorada, cidade gaúcha, Sabrina Ferreira testemunhou em si o câncer parar de crescer. Passou por cirurgia de laparoscopia total e foi desenganada pela medicina convencional. Com mais de 70 pontos pelo corpo, iniciou o tratamento alternativo e, pelas tomografias regulares, percebeu – segundo ela – um milagre. “Ninguém explica meu caso, sou muito grata e estou ótima”, diz. A cirurgia espiritual foi feita na sua própria casa, há cinco anos. Vestiu roupas brancas, deitou-se e pôs um copo d’água ao lado da cama.

A prática espírita serviu de trampolim para a carreira política. Em quatro anos, tempo constitucional de um mandato na vida pública, Marlon assumiu três. De 2000 a 2004, foi vereador, deputado estadual e prefeito. Na última eleição, em 2014, chegou ao parlamento com a chancela de 91.100 gaúchos – o terceiro deputado mais votado no estado. Voto que veio de 485 cidades, do total de 496 que o Rio Grande do Sul tem. Agora, o pedetista com quatro diplomas – de Marketing, Comércio Exterior, Ciência Política e Teologia – buscará assento no Congresso Nacional.

Marlon Santos recebeu a equipe da Revista VOTO para uma entrevista exclusiva em seu gabinete na Assembleia Legislativa.

O presidente

Sobre a efemeridade circunstancial do cargo, dispara: “O indivíduo debochava do médium Marlon e hoje o presidente da Assembleia não é debochado. Isso me choca.” Analisa que, infelizmente, a sociedade não se preocupa com a única coisa real numa pessoa, o que ela é. “Se eu entrar na Assembleia de boné, meu estilo; ou se entrar de sapato surrado de agricultor, o que sou; ninguém me vê. E veja bem, no Parlamento, onde presido, de gravata, me enxergam. Que sociedade é essa?”, questiona.

Convicto de que o presidente da Assembleia é, em suma, um administrador, Marlon atenta para o emprego responsável da verba pública como fator primário e diz que ninguém tem o poder de mudar o Parlamento. “Aqui, não tem modinha. Trata-se de uma roda inventada. Da pluralidade de visões”, define. Para ele, o desafio é equilibrar processos e decisões, seguir em harmonia com o período de transformação social e estreitar, cada vez mais, diálogo e relação entre os eleitos e quem os elege.

Indagado sobre política de austeridade, defende que, antes disso, é necessário o resgate da dignidade. “O problema do país não é a necessidade de enxugamento da máquina pública apenas. Mas a decência no gasto, principalmente. É o que falta: o Brasil precisa ser mais decente”. Enfatiza ainda que o serviço público não é pleno e eficiente – na maioria das vezes – porque falta maturidade de gestão. Para o parlamentar, o sistema político não pode ficar engessado na escassez material, porque para legitimar-se necessita de respostas sociais assertivas: “Fazer pelas pessoas sempre. Esse é o compromisso”.

Marlon raras vezes é voz que ecoa na tribuna. Entre os colegas parlamentares é visto como atuante, sensível e ouvinte. Conciliador, principalmente. Teve papel de destaque como relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias em 2013 e do orçamento do Estado em 2015, período de agravamento da crise. Apresenta 41 proposições listadas no Portal da Transparência. Entre elas, tornou patrimônio histórico cultural o Vale dos Vinhedos da região serrana. Como corregedor, investigou as denúncias aos ex-deputados Diógenes Basegio (PDT) e Jardel (PSD) – ambos cassados.

A cabeça do eleitor

“Tudo que está acontecendo no Brasil tem feito o eleitor amadurecer. Perceber que o político não é divindade. E o voto não é qualquer coisa. Há um tempo se votava porque o candidato era bonito, ou era do mesmo clube de futebol. O país nunca votou por idealismo político, interesse de Estado. Votava por proximidades pequenas, quase rabugentas”, analisa. Diante da fragilidade do cenário e das incertezas coletivas de futuro, o deputado crê numa postura diferente na urna: “Agora, o brasileiro vai começar a usar a razão, o que é necessário para o Brasil despertar”.

O presidente atenta que, à semelhança do eleitor que precisa se reencontrar com seus propósitos, o político também deve ser fiel a que veio. “Quem chega no Legislativo pensa que pode fazer obras. E o Executivo, que se elege para tal, ainda quer ser parlamentar e juiz.  E os juízes querem ser Executivo e legisladores também. E todos, no fim, querem ser Judiciário”, analisa. Para mudar a prática, é necessário rever a cultura antiquada e monárquica que, infelizmente, ainda se perpetua – segundo ele. “Quem tem poder quer ter poder para tudo”, resume.

Em ambiente político exaltado e radical, de tensionamento e de polarização de massas, Marlon Santos diz que interesses se sobrepõem a ideologias na maioria das lutas. “Nunca houve no Brasil direita ou esquerda. Sempre houve quem está no poder e quem não está”, aponta. Afirma que existe trabalhismo e um grupo que defende o capitalismo voraz, mas no Brasil o perfil do político e do eleitor sempre foi de situação personalíssima. O que instiga, conforme ele, “é a condução do mandato e o regionalismo”. E conclui: “Se faltam políticos estadistas é porque também não temos eleitores estadistas”.

Futuro

A pouco tempo de os brasileiros irem às urnas para depositar votos de esperança, o deputado pensa que o cenário é incerto. Acreditando que não há favoritos até agora para vencer a corrida ao governo gaúcho, o presidente da Assembleia faz uma análise otimista dos postulantes. “Temos candidatos muito bons. Essa lista é uma das melhores da história, e de todos os partidos”, elogia. Sobre o indicado da sua agremiação, o ex-prefeito de Canoas Jairo Jorge, resume-se a qualificá-lo como “simples, intelectualizado e concreto”. “Ele não faria mal ao Estado”, diz.

O novo desafio de Marlon Santos – de tentar ser um dos 31 deputados federais representantes do Rio Grande do Sul em Brasília – tem sido tratado com responsabilidade e pé no chão. “É cedo demais para antecipar resultados. Aliás, não existe eleição garantida”, pondera. Com perspectivas guardadas, vê no exercício parlamentar e no trabalho mediúnico aspectos de alto valor agregado e coletivo. Segundo ele, são fatores que contribuem para as decisões de outubro. Inseparáveis, o político e o médium, em plano material ou de espírito, inspiram-se nas mesmas causas: a de cuidar e prover o bem.

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