A exuberante obra arquitetônica que virou símbolo de um país

A Revista VOTO se hospedou em Casapueblo, no Uruguai, um casarão esculpido à mão por mais de três décadas

 

Olhar para a imensidão do azul-cobalto que se perde rumo à Antártida é desviar o foco diante do que mais interessa na paisagem. A construção desajeitada, coberta por um branco reluzente, atrai olhares fascinados pela imprevisibilidade das formas. O interior de Casapueblo, em Punta Ballena, no Uruguai, é feito de escadas que encontram salas, que levam a torres, que se conectam com mais escadas e acabam em outras salas ao longo de nove níveis desalinhados. Uma experiência da arquitetura que provoca sensações que você, leitor, provavelmente, já sentiu – mesmo sem nunca ter estado aqui.

 

Essa “era uma casa muito engraçada / não tinha teto / não tinha nada”. Se você, assim como eu, leu a frase anterior no compasso da melodia, sabe que este é o único lugar no mundo que poderia ter inspirado Vinícius de Moraes a escrever “A Casa”, poema da década de 70 que virou cântico infantil e embalou gerações. Casapueblo foi a inspiração para o poeta brasileiro. Na versão original, não gravada em disco, a letra terminava com outro verso: “era feita com pororó / era a casa de Vilaró”. Carlos Páez Vilaró, o renomado artista por trás da construção que durou 36 anos e se tornou o principal símbolo turístico do Uruguai.

 

A história remete a 1958. Punta Ballena era uma península remota a 10 quilômetros de Punta Del Este, a uma hora e meia da capital uruguaia, Montevidéu, e a sete horas de estrada da fronteira brasileira. Vilaró encontrou no penhasco rochoso de frente para o oceano o lugar para construir uma casa e um ateliê.  Sem planejamento e esculpida à mão, a arquitetura foi improvisada na cabeça do artista, de forma com que a natureza e a casa entrassem em sintonia em uma enorme pintura da vida real. A obra de Casapueblo, ou Casa do Povo, cresceu junto com a curiosidade alheia. Vilaró a chamava de obra de arte habitável pela capacidade de acomodar centenas de hóspedes em mais de 70 quartos. Vinícius de Moraes, amigo de longa data do artista, falecido em 2014 aos 90 anos, costumava se perder pelos intermináveis corredores desconexos.

 

Obras a partir de 10 mil dólares

 

Casapueblo é cercada por centenas de frestas que, apesar de direcionarem o olhar para o mesmo mar, asseguram que a vista jamais se repetirá. O auge do espetáculo que tem a natureza como pano de fundo acontece no cair do sol. Durante quase uma hora, o branco mediterrâneo ganha tons alaranjados, enquanto que, mesmo nos dias mais quentes, uma brisa incessante invade os cômodos de Casapueblo.

 

A primeira parte do casarão é uma galeria aberta ao público. É onde ainda mora a viúva do pintor, em uma área residencial reservada, e por onde é possível caminhar entre boa parte da coleção de Vilaró. Inspiradas pela cultura afroamericana, o sol e a liberdade, algumas obras podem ser adquiridas por valores que partem de 10 mil dólares. Embora muitos colecionadores sejam atraídos para cá com o propósito de negociar arte, a maior atração não requer muito investimento. O restaurante de frutos do mar e gastronomia local fica no ponto mais alto de Casapueblo e é dono de uma vista privilegiada para o oceano.

 

Noites em Casapueblo

 

A experiência completa, no entanto, é exclusiva a quem destina mais tempo à Casapueblo. O Clube Hotel possui a maior parte da estrutura. Com 70 quartos e dezenas de escadas, possui piscina climatizada, aberta, sauna e academia. E não insista. O espaço permite apenas a entrada de hóspedes. No check in, todos recebem pulseiras de identificação rigorosamente checadas nos acessos pelo único portão ao lado do museu. Ao entrarmos, somos cercados por um forte aroma adocicado que remete à baunilha e nos acompanha por toda a experiência. 

 

Casapueblo foi construída de cima para baixo. Os elevadores antigos são verdadeiras pérolas e nos guiam pelos nove andares inferiores. Todas as acomodações possuem vista e sacada. Mas não espere luxo. O chão é de madeira, as paredes são as mesmas do exterior. Uma pequena cozinha rústica e charmosa, com utensílios, e uma geladeira compõem os quartos e nos lembram que estamos em um país que valoriza a natureza e os sentidos. 

 

Para  não perder: acorde cedo para o café da manhã no restaurante Terrazas, onde é possível fazer uma refeição a poucos metros da água. Sem dúvidas, é a melhor experiência da viagem: ovos mexidos, bacon, medialunas de doce leite, alfajores e doces caseiros da região surpreendem até os mais exigentes.

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