“Foi a primeira eleição com uma direita”

O que está por trás da vitória de Bolsonaro e da eleição de um novo perfil de políticos por todo o país? O analista político Flavio Morgenstern explica o que muitos especialistas ainda não conseguiram compreender

Flavio Morgenstern é figura conhecida nas redes sociais. E não tem meio-termo: ou o amam ou o odeiam. Com humor ácido, expressa suas opiniões sem meias-palavras e não foge de entrar em polêmicas. Para Morgenstern, “o conservadorismo é o novo sexy”.

Ele faz parte de uma nova geração de formadores de opinião que surgiram no ambiente digital e que, hoje, provocam muito mais repercussão do que aqueles que estão em veículos de comunicação tradicionais. Totaliza em torno de 150 mil seguidores no Twitter – onde escreve várias vezes ao dia – e é editor-chefe do Senso Incomum, portal que reúne pensadores contra a corrente da esquerda.

Mas não para por aí: com o reconhecimento que obteve na web, é convidado frequente do programa Pânico, da rádio Jovem Pan. Também lançou em 2015, pela Editora Record, “Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs”. O livro, que se tornou bestseller, é resultado de uma profunda análise das manifestações ocorridas no Brasil em junho de 2013.

Em entrevista para a Revista VOTO, Flavio Morgenstern apresenta a sua visão sobre o momento atual do país e o que virá nos próximos anos. De forma cristalina, busca explicar o que muita gente ainda não entendeu sobre o resultado das eleições. E antecipa: a esquerda terá um trabalho árduo pela frente.

Diversos analistas estão apontando que a vitória de Bolsonaro seria, na verdade, a consagração do antipetismo. É isso mesmo ou o fenômeno é mais complexo?

Certamente é muito mais do que o antipetismo: o PSDB foi o “antipetismo” por mais de uma década e nada ganhou. O PT, de fato, perdeu votos a cada eleição, mas 2018 é marcado por duas diferenças fundamentais. Foi a primeira eleição de fato ideológica do país, em que a discussão se deu no âmbito esquerda-direita. Era natural que, no segundo turno, houvesse o candidato da direita, Jair Bolsonaro, e do outro o candidato mais forte da esquerda, que ainda é encarnada pelo PT. Mas, para isso, também houve outro fator: foi a primeira eleição brasileira com, de fato, uma direita. E numa época em que termos como “conservador” deixam de ser palavrões. Por fim, não foi uma eleição apenas contra o PT, mas contra todo o establishment, e é esse o erro da maior parte dos analistas: crer que se tratava, como no passado, de uma disputa de escândalos entre PT e PSDB. Ou em acordos com o velho Centrão fisiológico. Ou em velhas mídias. O eleitor de Bolsonaro pode ter votado no PSDB no passado, mas simplesmente por falta de uma opção conservadora de verdade. Ninguém no planeta nunca morreu de amores por Aécio, por Alckmin ou por um Serra. Nem admirados eram.

Na sua avaliação, quais foram os principais fatores que levaram à eleição de Bolsonaro?

Bolsonaro é um símbolo do que o brasileiro espera nessa nova década. Os problemas atuais do país não são exatamente problemas que a classe pensante chamou de “sociais” nas últimas décadas. São muito mais questões morais, incrivelmente mais simples do que toda a conversa de sociólogos crendo que dizem mesmo algo profundo ou difícil. A maior prioridade do país é a criminalidade, disparadíssima sobre qualquer outra questão. Para haver melhora na economia, precisamos estar vivos. Nem mesmo alguns países em guerra matam tanto quanto o Brasil. E as soluções da esquerda – desarmamento, relativização de crimes graças à “desigualdade”, política de desencarceramento, audiência de custódia, culpabilização da polícia etc – foram todas um desastre humanitário. Assassina-se um décimo do Holocausto por década em tempos de paz no Brasil da esquerda. Talvez, mesmo sem os maiores escândalos de corrupção do Ocidente, o PT e a esquerda perdessem o contato com o povo graças à violência. Mas ainda foi a primeira eleição pós-Petrolão (descoberto três semanas após a reeleição de Dilma Rousseff), depois de um impeachment e da prisão de um ex-presidente. Definitivamente, o brasileiro quer que o fruto do seu trabalho seja respeitado e continue em seu bolso.

As eleições de 2018 marcaram uma série de mudanças. Até então, eram eleitos os candidatos com mais recursos, mais tempo de TV, mais estrutura e maior apoio de partidos. Por não ter nada disso, muitos apostavam que o candidato do PSL se desidrataria. Por que isso não aconteceu?

Em primeiro lugar, porque se Bolsonaro fizesse qualquer concessão aos velhos políticos é que seus eleitores se decepcionariam. Até hoje, Bolsonaro é cobrado por conversas que precisa ter, como aquelas com congressistas. Geraldo Alckmin, por falta de inteligência ou conselhos burros (ou ambos), acreditou que sua ascensão seria fazendo acordo com ainda mais gente que não estava mais na esfera de influência do PT. Apenas provou ao Brasil que estava mais interessado em política profissional e toma-lá-dá-cá do que em ouvir o que o brasileiro quer. Outro aspecto óbvio é a internet. A internet hoje pauta a grande mídia. Um jornal televisivo comenta o que acontece no Twitter, não o contrário. E qual foi o único candidato a ter uma linguagem adequada à internet? Tempo de TV, por incrível que pareça, é importante, sim: mas de que adianta ter 3 minutos de tempo de TV, se 2 minutos e meio são para falar de Bolsonaro? Na verdade, Bolsonaro tinha mais tempo de TV do que todos os partidos: quando você é a pauta, você já está quase ganhando.

Outro paradigma quebrado por Bolsonaro foi a ausência de um marqueteiro – figura que, há poucos anos, era tida como peça-chave para o sucesso de um candidato. Isso será um padrão a partir de agora ou é caso específico do presidente eleito?

Apenas Bolsonaro é capaz disso. Tente imaginar um Geraldo Alckmin sem marqueteiro e o eleitorado precisará de um intérprete. Um Ciro Gomes sem marqueteiro precisaria de calmantes tarja preta. Claro que ambos tiveram um marketing risível de tão ruim, mas é difícil imaginar qualquer autenticidade neles sozinhos. Alguns tentaram fazer marketing para Bolsonaro, mas só queriam mesmo era marketing para si próprios. Nenhum marqueteiro conseguiria mais autenticidade do que Bolsonaro falando como o povo (o que inclui segmentos ricos da sociedade em um país extremamente informal) dos problemas reais do povo.

Desde a eleição de 2002, os adversários do PT nas eleições presidenciais foram crescendo. Naquele ano, Serra fez 38,7% dos votos. Em 2006, Alckmin fez 39,1%. Em 2010, Serra chegou a 43,9%. Em 2014, Aécio atingiu 48,3%. E, em 2018, Bolsonaro finalmente superou o PT, com 55,1%. O que estava faltando para vencer as eleições?

É fato que qualquer um teria chances altas contra o PT devido à alta rejeição do partido em toda a sociedade (e o discurso pobrista da esquerda não permite que o próprio esquerdista perceba essa obviedade). Mas o PT tem uma máquina, uma ideologia e uma hegemonia difíceis de vencer. Alckmin, num segundo turno contra o programa eleitoral do PT, seria massacrado, sairia tão machucado que só mesmo a rejeição ao PT o impediria de ter um desempenho ainda pior do que o de 2006. Quando se fala em esquerda e direita, é costume tratar tais termos como se fossem geograficamente extremos, e que seria preciso apontar para o centro. É uma confusão entre palavras e coisas. O que alguém precisava fazer era encarar os valores do brasileiro, que nunca foram os valores dos partidos políticos antigos.

Como o resultado eleitoral do Brasil está conectado com o que está acontecendo no mundo?

Todo o ocidente vem sofrendo do mesmo movimento: o establishment não possui mais representatividade, mesmo formado por partidos com tradição de votos, seja por falta de opção ou porque já representaram algo no passado, e as pessoas querem soluções diferentes. Isso significa não apenas ir contra o establishment político, mas recusar explicações de acadêmicos e da mídia hegemônica (e cada vez mais homogeneizada) com o mesmo palavreado. Como a nova esquerda dita boa parte do establishment (mesmo em países tradicionalmente conservadores, como Inglaterra e América), e como entidades globalistas, como a ONU, a União Européia e a Open Society, querem ditar que leis devem ser aprovadas sem o escrutínio da população, é natural ver um fenômeno mundial de recusa ao discurso previsível e repetitivo do beautiful people e da mídia.

O presidente e os governadores alinhados que se elegeram defenderam a família, a propriedade privada, a revogação do Estatuto do Desarmamento e uma ampla agenda de privatizações. O Brasil deu realmente uma guinada à direita?

Definitivamente. E mais do que isso: não se trata apenas de uma direita antipetista, de “defesa da ditadura” (como creem os esquerdistas, apegados à única explicação que têm da realidade como uma boia num oceano) ou de tradições brasileiras. O movimento hoje é mundial. O Brasil está muito mais em diálogo com ideias de conservadores americanos, ingleses etc. A esquerda terá um trabalho infinitamente maior do que pensa nas próximas décadas.

Além do PT e dos partidos de esquerda, quem são os principais derrotados destas eleições?

A grande mídia em primeiro lugar. Globo e Folha de S. Paulo se mostraram tão repudiadas pelo povo quanto Lula tentando dar uma volta na Avenida Paulista sem seguranças. A Veja, uma ex-revista, morreu para o brasileiro. A USP e as faculdades em geral debatendo “transfobia”, enquanto o povo morre por um celular de R$ 200, vêm logo atrás. Os artistas que mandavam no que o povo deveria gostar, e hoje têm a internet como concorrência (até para ouvir críticas que nunca ouviam), também saem sem poder. E, claro, Alckmin e o PSDB, a piada nacional.

Durante a campanha e no discurso de vitória, Bolsonaro deixou claro que seu governo pretende quebrar paradigmas. Qual o risco de ele não conseguir atender às altas expectativas que gerou e, assim, perder o apoio popular?

O que Bolsonaro cria de altas expectativas é em relação à segurança. Quanto a isso, só o Judiciário (muito mais do que o Congresso) pode atrapalhar. E mesmo assim, toda essa movimentação em direção à direita veio com mais consciência. Hoje o brasileiro sabe o nome dos 11 ministros do Supremo e sabe quem atrapalha e quem faz acontecer. Bolsonaro não perderia apoio se não conseguisse acabar com a audiência de custódia porque algum ministro do STF impediu, por exemplo. Todo o resto que vier é lucro.

Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Please enter comment.
Please enter your name.
Please enter your email address.
Please enter a valid email address.
Please enter a valid web Url.