Ganhos público e privados

Por Gustavo Bornwinnson

Desde 15 de julho de 2020, o Brasil avançou no caminho da retomada econômica com a abertura do setor de saneamento básico para as companhias privadas. De fato, naquela data, a sanção do Marco Legal do Saneamento Básico foi além e fixou 2033 como prazo para a universalização da oferta de água e esgoto tratados. Para efetivar tais metas, nos próximos anos, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai oficializar uma carteira de investimentos iniciais que gira em torno de R$ 55 bilhões – e, assim, pôr em prática o calendário dos primeiros leilões de concessões ou Parcerias Público-Privadas (PPPs), para levar esgoto a 100 milhões de brasileiros e água a 35 milhões. A expectativa do mercado é que estas mudanças demandem até R$ 700 bilhões em investimentos, que devem gerar 700 mil empregos nos próximos 14 anos.

Em Alagoas, o leilão ocorreu em setembro, e em outubro, leilões no Espírito Santo e também no Mato Grosso. No Rio Grande do Sul, o BNDES prevê leilão no segundo semestre de 2021 para contrato de coleta e tratamento de esgoto por PPP em até 42 municípios, incluindo distribuição em Porto Alegre – por concessão ou PPP.
O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), afirma que o modelo atual de saneamento se mostrou ineficaz. “Embora os Estados contem com verba da União, nem sempre os recursos são suficientes para abranger o que é necessário. Quando há uma situação como esta, o Poder Público deve atuar em conjunto com o setor privado.”
Ele cita o trabalho para a recuperação de duas bacias da região metropolitana. “Os rios Sinos e Gravataí estão entre os mais poluídos do País. Empreendemos muito tempo para que a PPP saísse o quanto antes, afinal, falamos de nove municípios que vão elevar o índice de tratamento próximo a 90% e avançamos para ampliar o modelo às cidades do interior.”

Para o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, a chegada das empresas privadas dará mais garantias para que haja qualidade e alcance dos serviços. “O saneamento é um setor que não tem competição. A estatal opera por 30 anos e vai ficando. Isso não quer dizer que ela seja ruim, e a companhia privada, melhor; quer dizer que a concorrência trará benefícios, ou seja, as empresas deverão provar ter capacidade de operação. Em São Paulo, por exemplo, a Sabesp será obrigada a demonstrar capacidade para atender ao Estado.”

Em painel promovido pela agência FSB e a revista Exame, a diretora-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Christianne Dias, afirmou que a melhor solução é que esses grupos contenham municípios mais e menos rentáveis, porque existem pequenas cidades que, se atendidas individualmente, podem não gerar o lucro esperado. E se forem atendidos em blocos regionais, os municípios menores não ficam isolados e passam a ser fundamentais na formação dos grupos previstos pelo novo marco. “Esta formação das regiões [blocos regionais de municípios] deverá ser proposta pelos Estados. É claro que o BNDES, ao fazer projetos de modelagem, acaba trazendo as regiões para o bojo das discussões. Não é papel da agência contribuir para a formação dos blocos. Eles se formam, e a agência faz a regulação”, afirmou.

Alavanca da economia

“Tanto a população brasileira como os investidores clamavam, há tempos, por mudanças efetivas no setor de saneamento. Nesse sentido, a regulamentação melhora a transparência sob a ótica jurídica e mitiga os riscos de ingerência política; dessa forma, o marco legal estende o tapete vermelho aos investidores domésticos e estrangeiros, como ocorreu nos setores de telefonia, na década de 1990, e energia, em 2000”, disse o economista-chefe da Austin Ratin, Alex Agostini.

Segundo ele, companhias e fundos de investimentos estrangeiros começam a se articular com os olhos voltados à liquidez do mercado de saneamento. “O setor já movimenta importantes fundos de investimentos americanos, canadenses, chineses, europeus e do Oriente Médio, que contrataram assessorias técnicas para avaliar as oportunidades.”

O sócio da área de financiamento de projetos do BTG Pactual – banco com forte atuação no setor de infraestrutura –, Gustavo Fava, também avaliou o marco como positivo. “É algo que estamos esperando há muito tempo, um passo importante para atração do investidor. É uma oportunidade única; certamente o que não falta aqui é tamanho para justificar a vinda de investidores”, afirmou o executivo, no painel FSB/Exame.

O Banco Santander, que também atua na área de financiamentos para o setor, informou a abertura de linha de crédito no valor de R$ 5 bilhões para projetos voltados ao saneamento.

De dentro do mercado

O presidente da Construtora Passarelli, Paulo Bittar, endossou a perspectiva otimista. “O mercado está bem agitado. Várias empresas da área de construção, especializadas ou não em saneamento, estão se preparando para atuar como construtoras e, até mesmo, como sócias em SPEs [Sociedades de Propósito Específico], para disputar futuras concorrências.”

À frente da companhia, responsável por obras como as de tratamento de esgoto em Araguaína, no Tocantins, e da Adutora do Agreste, em Pernambuco, Bittar afirmou que é perceptível o interesse dos investidores nacionais e estrangeiros pelo mercado nacional. “Há o entendimento que não existe, no mundo, oportunidade semelhante na área de infraestrutura.”

Outra companhia que já atua na área é a Iguá Saneamento, que conduz 18 operações nos Estados de Alagoas, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Dessas, 14 são concessões, e quatro, PPPs. O CEO da empresa, Carlos Brandão, ressaltou que há diálogo com grupos grandes de outros setores, com experiência em infraestrutura e capacidade financeira, que podem se desdobrar em diversos formatos de parcerias. “A implantação de um sistema de água ou esgoto, por exemplo, requer engenharia complexa que deve observar, entre vários fatores, as interrupções viárias de uma cidade para a sua execução e, ao mesmo tempo, atender às metas do plano de saneamento pactuadas com a municipalidade.”

Vaney Iori, executivo responsável pela área financeira da Aviva Ambiental, desenvolvedora de projetos para futuras concessões privadas de serviços públicos de água e esgoto em todo o território nacional, afirmou que “o maior desafio é o aperfeiçoamento técnico para o desenvolvimento das operações e o prazo para atendimento das metas impostas nos contratos. Será necessário se adaptar para dar suporte ao volume de recursos à disposição.”

O papel do Congresso

Integrante da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Saneamento, no Congresso, a deputada federal Geovania de Sá (PSDB/SC) apoia o Marco Legal e destaca as novidades em relação à coleta de lixo. “O novo marco regulatório também prevê acabar com os lixões a céu aberto no Brasil. Aqueles que fizerem os planos municipais de resíduos terão prazo até 2024.”

O senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), também defensor da nova legislação, aponta que os municípios não têm mais recursos para os serviços básicos de saneamento. “O Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento aponta que metade da população brasileira não tem acesso à coleta de esgoto, e 20% não dispõem de acesso à água potável. Os gastos com doenças relacionadas ao saneamento básico inadequado ultrapassam R$ 1 bilhão”, afirma o senador.

Mapa das PPPs

Levantamento elaborado pela consultoria Radar PPP revela que o Brasil soma 360 projetos voltados a concessões e parcerias público-privadas com foco em saneamento básico, distribuídas entre as várias etapas do ciclo de vida de um projeto, o que inclui abastecimento de água, além de coleta e tratamento de esgoto.

Os projetos para concessões e PPP passam pela etapa de intenção pública, consulta pública, licitação e fase de contrato iniciado. Segundo o sócio da Radar PPP, Bruno Pereira, as prefeituras estão no topo da lista no que diz respeito às concessões e PPPs para abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. “Infelizmente, nos últimos anos, as estatais de saneamento básico agem de forma muito tímida na hora de implantar projetos via PPPs, que é uma modalidade de contrato que combinaria muito com o interesse das estatais de preservar a gestão comercial dos clientes.”

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