GESTÃO BOLSONARO PARA ALÉM DA FUMAÇA

* Por Cleber Benvegnú

Em pouco mais de seis meses, o governo que “não tem articulação política” está aprovando uma consistente reforma previdenciária. Também estão sobre a mesa um pacote anticrime e o desenho de uma reforma tributária. Bolsonaro montou o mais qualificado ministério das últimas décadas, incorporando nomes como Paulo Guedes, Sérgio Moro e Tarcísio Freitas, sem fazer leilão de espaços entre partidos políticos. A propósito, diminuiu a quantidade de pastas e cortou milhares de cargos de confiança. Teve ainda algo notório, embora esteja esquecido: o governo derrotou Renan Calheiros para a presidência do Senado – desde Collor, ninguém havia alcançado ou sequer tentado esse feito.

Essa seria uma abordagem “chapa-branca” se não se baseasse apenas em fatos. É o conteúdo da gestão Bolsonaro até aqui, para além das interpretações e preferências que possamos ter. E abordo apenas a política, área supostamente mais vulnerável do governo. Ou melhor, de qualquer governo. Política e comunicação são sempre processos em construção, imperfeitos por essência, não têm obras a mostrar. E tais fatos, considerando a rivalidade e o desconforto da maioria dos formadores de opinião com o presidente, não têm a devida proporção no cotidiano das análises e dos noticiários nacionais. É preciso afastar um pouco a fumaça do passionalismo – de direita, de esquerda e também de isentos – para tentar perceber a realidade tal como ela é.

As pautas positivas orbitam em diversas áreas do governo. As iniciativas de incentivo à liberdade econômica são, mais do que uma mudança legal, uma transformação na cultura administrativa brasileira. É a primeira vez, em décadas, que o próprio Estado indica o protagonismo da sociedade e dos empreendedores. Enfrentar a cultura patrimonialista, herdada do nosso colonialismo, é uma luta de Davi contra Golias. Enormes interesses se organizam no entorno do superestado, tanto de corporações públicas como de privadas. Mexer nessas zonas de conforto significa mexer em focos de dinheiro e poder. Uma luta inequivocamente meritória.

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia entra nesse rol de feitos que não podem ser subjugados. Houve um caminho anterior, sem dúvida, mas o maior avanço aconteceu porque, pelas mãos de figuras como Marcos Troyjo, o governo teve capacidade de desatar os nós mais enozados. Vamos para outro extremo: na área social, criou o 13º salário para os beneficiários do Bolsa Família e antecipou parcela desse vencimento para os aposentados. Deu maior acesso ao FGTS. Na infraestrutura, realizou leilões de portos, aeroportos e ferrovias em seis meses. Priorizou obras paradas e deu um viés de planejamento para a dinâmica da logística do país. Por fim, na segurança, desacomodou líderes de facções, e os índices de criminalidade mudaram a tendência.

Falei de virtudes, sim. Mas claro que o governo tem defeitos – que são sobejos aos olhos vistos. A questão é que a maioria desses problemas reside na forma como o governo se movimenta ou se comunica. Há uma clara opção pela estridência, a partir do estilo do próprio presidente da República. E aqui escreve alguém que também se desagrada com brigas desnecessárias, exageros retóricos e agressividade sem propósito. Todavia, o fenômeno da opinião pública não pode ser analisado pelos meus olhos e minhas preferências, tampouco pelo comportamento institucional padrão. Estamos experimentando novos paradigmas, que mudaram completamente a política nos últimos anos. Gostemos ou não.

Bolsonaro é desse jeito mesmo. É de verdade. Isso traz consigo a fortaleza da essência. Portanto, o que é defeito para os olhares da classe média “comportada” talvez se transforme em fortaleza na relação com as camadas mais populares. As técnicas de persuasão, já usadas por figuras como Trump, despertam alavancas emocionais que estão além das medições convencionais da ciência política e do jornalismo. Isso tudo é muito diferente – e deve ser mais objeto de dúvida do que de convicções. Tão diferente que a própria esquerda, rápida no gatilho da guerra de convencimento, não tem sabido reagir.

Bolsonaro, até aqui, leva a pauta nacional para o lado que bem entender. Além disso, cumpre o papel de prosseguir a guerra cultural contra a esquerda, ainda hegemônica na academia, na pedagogia, na cultura, nas faculdades de comunicação, nos sindicatos e em tantas áreas. Política também é isto: guerra de convencimento, disputa de visão de mundo, ocupação de espaços, polarização e rivalidade. O establishment está tendo de aprender a lidar com a direita, inexistente nas últimas décadas no cenário eleitoral brasileiro. A polarização ao PT, antes de Bolsonaro, era o PSDB. Convenhamos, era apenas uma meia polarização. Agora, mesmo com as dores do processo, é de verdade. Alguns podem chamar de radicalismo (e tem); mas eu prefiro chamar apenas de democracia. Ressalvados os excessos, isso é do jogo, é salutar, é até mesmo necessário. É política.

Eis o que temos. Conteúdo e forma. É a virada de um ciclo histórico. Tudo é questionável, tudo está em aberto. Mais ruptura do que construção. O nó está em saber se a forma destruirá o conteúdo, se ajudará o conteúdo ou se perderá importância. A chave para essa medição é o resultado da economia. A ativação do emprego, da renda e dos negócios dirá sobre o futuro do país e do próprio governo Bolsonaro. Em última análise, a população quer resultado.

Cleber Benvegnú é jornalista e advogado, sócio-diretor da Critério – Resultado em Opinião Pública. Especialista em comunicação política e corporativa. Foi Chefe da Casa Civil e secretário de Comunicação/RS.

cleber@criterio.com.br

Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Please enter comment.
Please enter your name.
Please enter your email address.
Please enter a valid email address.
Please enter a valid web Url.