A história do preto na arte

No livro Preto, a história de uma cor (editora Orfeu Negro), Michel Pastoureau resgata a simbologia e a estética do negro e do noturno, tanto na arte quanto no vestuário. O autor lembra as referências cromáticas de diferentes sociedades, onde o negro significa o mistério e o desconhecido, assim como o vermelho significa o fogo e o sangue, e a luz, a brancura e a iluminação. A noite é ambivalente, inquietante, mais misteriosa do que fecunda e tranquilizadora. Para domesticar a noite, o homem dominou o fogo, o medo das trevas começou então a recuar. O escuro já não era tão negro.

O autor lembra que, no princípio, Deus criou a terra, um caos sem forma nem ordem. Era um mar profundo coberto de escuridão. Então Deus disse: Fiat Lux. E a luz começou a existir. Deus achou que a luz era coisa boa e a separou da escuridão. Segundo esse primeiro relato, o preto precedeu a todas as cores. É a cor primordial, mas com um estatuto negativo. Não há luz possível na escuridão. O começo era a imensa noite das origens.

Cor da noite e das trevas, o preto é também a cor da morte. Desde o Neolítico, os ritos funerários são associados a pedras negras. O vestuário preto é associado ao luto. Mas também há uma dimensão fecunda do preto, quando ligado ao benefício, como os reflexos profundos, a vigilância, o tempo de espera, proteção e abrigo, bem representados na filosofia oriental. Lá, o preto não tem esta tradição sombria e triste. Ao contrário.

A invenção da fotografia, em 1839, é um marco significativo nesta história. Surgida em tons de cinza, ela ditou por mais de um século a estética P&B, tanto na fotografia de arte como no domínio da documentação. Na França, até os anos 1970 o uso de fotografia em cores era proibido em documentos de identidade, pois era tida como inconfiável, falaciosa, instável e artificial. A tirania da foto P&B na imprensa até o final do século passado fez prolongar esta prática.

Na escultura, a obra do português Rui Chafes representa um enigma da suave penumbra.  Quando se valorizam a luz e o brilho, Rui prefere a escuridão. Suas esculturas são sempre negro-opacas. No que diz respeito à pintura e ao preto, ainda seria preciso esperar algumas décadas para que um pintor consagrasse a quase totalidade de sua obra: o francês Pierre Soulages (1919). Ele passa do ultrapreto (termo que inventou), ao preto de grafite, que apresenta certo brilho, até o negro de fumo, que absorve a luz. Suas telas são cobertas de uma camada de preto marfim, trabalhado com pincéis largos e espátulas, o que determina texturas e iluminações. Uma gama monopigmentária muito sutil, que gera infinidade de reflexos, cujos amálgamas traduzem todas as inflexões de nosso pensamento.  Por Eduardo Vieira da Cunha

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