O Mecanismo: Talento versus polêmica

É muito difícil falar sobre O Mecanismo, série que José Padilha fez para a Netflix, sem abordar seus aspectos políticos, suas liberdades criativas, imprecisões fáticas e históricas e as paixões e os ódios que certamente despertarão ao abordar a maior operação de combate à corrupção da História do Brasil.

Pois este é o meu propósito: olhar O Mecanismo apenas como um série política e policial lançada com grande impacto no mercado de streaming. Como se a história se passasse em um país escandinavo.

Não há como negar que, cinematograficamente falando, José Padilha é um craque. Não é à toa que seus dois filmes Tropa de Elite estão entre as obras mais vistas do cinema brasileiro, e o impacto e as qualidades delas são inegáveis. Narcos foi outro trabalho de primeiro nível, também acumulando polêmica com talento. Tirante os ódios políticos despertados por O Mecanismo, aqui dá um passo à frente em sua carreira.

José Padilha retoma muitas das estratégias narrativas vitoriosas em Tropa de Elite. É o caso da narrativa em off (aqui repartindo a tarefa entre mais de um personagem por um motivo que se torna óbvio no meio dos episódios). Também, do ritmo acelerado da montagem e das cenas com a câmera na mão – como se fosse uma arma prestes a ser disparada. E, ainda, das reviravoltas do roteiro. Enfim, privilegiando o caráter de filme policial da trama.

Selton Mello, Caroline Abras e Enrique Díaz estão inegavelmente ótimos nos papeis centrais. Selton Mello é um artista completo. Dois filmes dirigidos por ele são obras excelentes: O Palhaço e O Filme da Minha Vida.

É muito divertido o quebra-cabeça “disfarçado” de nomes de pessoas e empresas. Foi um exercício de criatividade e alguma ironia. Na minha opinião, funcionou bastante bem.

A série tem várias opções corajosas, o que não pode deixar de ser visto como mais um mérito. Em algum momento da narrativa, procura ver os defeitos e limitações de todos os personagens e instituições. Dos políticos referidos aos membros do Ministério Público, passando pelo juiz e pelos diretores e familiares da estatal, todos recebem sua parcela do atual quadro do país. Talvez tenha sido feito demasiadamente dentro do “olho do furacão” da Operação Lava Jato, para ser devidamente examinado e apreciado.

Convicções políticas e ideológicas a parte, O Mecanismo é entretenimento de alta qualidade, melhor que seu antecessor Polícia Federal, que já tinha bem mais méritos que defeitos.

Por Marco Antônio Campos

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