O país dos direitos

Novo livro de Bruno Garschagen investiga como as regalias no Brasil se tornaram instrumento de compensação com efeitos nefastos

 

Há pouco mais de três anos, quando a crise começava a manifestar sua verdadeira profundidade, o cientista político Bruno Garschagen lançou uma pergunta que ajudava a entender as raízes daquele desequilíbrio: por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado? O questionamento era o subtítulo de seu livro de estreia, Pare de acreditar no governo, um resgate histórico desse curioso paradoxo nacional – a tendência tupiniquim de dedicar insultos variados aos governantes e, ao mesmo tempo, pedir a constante intervenção estatal para resolver seus problemas.

Com texto leve e bem-humorado, o livro se tornou bestseller e alçou Garschagen à condição de um dos principais nomes da atual leva de intelectuais conservadores. Colunista e podcaster, o capixaba lança sua segunda obra mostrando que, de contradições, o país está cheio. Em Direitos máximos, deveres mínimos: O festival de privilégios que assola o Brasil, ele investiga as consequências de uma população acostumada a regalias sem nenhum dever ou obrigação.

A origem dessa incoerência, aponta o autor, vem da Revolução Francesa. Em fins do século 18, Edmund Burke criticava os revolucionários por reivindicar e prometer determinados direitos abstratamente, ignorando a natureza do homem e, portanto, a realidade. “A discrepância entre abstração e realidade, segundo Burke, tinha como consequência a promessa de direitos sem a preocupação com sua realização concreta.”

Dependência e corporativismo 

Sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, essa aptidão foi tomando conta do sistema político e do ordenamento jurídico de todo o mundo. Garschagen aponta uma clara linha de continuidade entre diversos documentos que defendiam pautas políticas que jamais conseguiram atingir plenamente seus objetivos – justamente por serem abstratas. É o caso da Declaração Universal das Nações Unidas (1948), a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950) e, por fim, a Constituição Federal brasileira (1988).

A Carta Magna vigente, admite o cientista político, ampliou os direitos sociais e lhes conferiu legitimidade social e jurídica. “Mas também escondeu uma agenda ideológica oculta ao estabelecer um leque amplo de direitos abstratos na forma de políticas distributivas e um generoso Estado de Bem-Estar incompatível com a realidade econômica do país”. Trata-se, segundo ele, de uma Constituição “extensa, detalhada, confusa e desequilibrada”, que tenta corrigir desigualdades diversas através de leis, mas redunda em privilégios, proteção de corporações e uma sociedade mais dependente e infantilizada.

Como exemplo, o autor lista uma série de privilégios – dentro do Estado ou na própria sociedade – e suas incoerências [confira alguns deles no box ao lado]. De auxílios e regalias diversas a monopólios e simples medidas, como a meia-entrada em apresentações, o cientista político demonstra como algumas leis tornaram-se, à la jeitinho brasileiro, um instrumento de compensação com efeitos nefastos.

Uma das principais consequências negativas dessa mentalidade é “encorajar um número crescente de pessoas a buscar vantagens por meio de apoio político”. “A partir do momento em que um grupo ou categoria profissional ‘conquista’ um direito ou privilégio, os demais iniciam a ‘Batalha dos Rentistas’ para serem beneficiados.” O autor avalia que “cada benesse instituída para uma determinada categoria passa a ser uma meta a ser atingida pelas demais. Qualquer tentativa de eliminá-la provoca reações contrárias imediatas”.

Mais do que apontar falhas e absurdos perpetrados na lei brasileira, Bruno Garschagen propõe uma reflexão sobre o sentido da vida diante de uma mundo próspero, mas com um grau de dependência mental do auxílio estatal jamais antes visto. “Uma sociedade de privilégios é aquela onde nada pode faltar, porque ninguém quer perder. Quando a perda acontece, produz um vazio de sentido que tentará ser compensado por mais privilégios formais por parte de quem sente que perdeu. Como resultado, poderá haver negação da responsabilidade e servidão mental.” E essa, afinal de contas, acaba sendo o resultado mais prejudicial – e que mais deve ser combatido – diante do Festival de privilégios que assolam o país.

MUITO PRIVILÉGIO, POUCOS DEVERES

Políticos, servidores de diversas categorias ou indivíduos, muitos usufruem de uma série de direitos concedidos, essencialmente, pelo Estado. Confira alguns deles:

Auxílios para dar e vender

A concessão generalizada de auxílio-moradia, auxílio-alimentação e auxílio-saúde faz com que 26 tribunais estaduais de Justiça gastem R$ 890 milhões por ano.

Regalias para ex-presidentes

Uma vez encerrado seus mandatos, os ex-presidentes têm direito a oito assessores e dois carros, sem pagar um real por isso.

Serviço médico vitalício

Mesmo tendo os salários-base mais altos da América Latina, senadores brasileiros têm acesso vitalício ao serviço médico da Casa, além de serem ressarcidos (bem como cônjuges e dependentes de até 21 anos) de despesas médicas em hospitais e clínicas.

Meia-entrada

Criada em 2013, a lei é um exemplo do chamado subsídio cruzado: estudos comprovam que quem paga o preço total está desembolsando boa parte da meia-entrada; e quem paga meia-entrada, na verdade, está tendo um desconto de pouco mais de 30% do valor do ingresso. Se o direito fosse extinto, provavelmente o preço cheio dos ingressos seria reduzido pela metade.

Campeãs nacionais

Beneficiar um seleto grupo de empresários por meio de empréstimos bilionários foi uma política adotada pelos governos petistas. Quem financiou a farra de crédito subsidiado foi o cidadão comum, que viu seu dinheiro virar moeda para troca de favores.

Direitos máximos, deveres mínimos: O festival de privilégios que assola o Brasil

Bruno Garschagen

364 páginas

1ª edição

Record

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