Opinião: Dez inconstitucionalidades do Inquérito das fake news

(Foto: Jane de Araújo/Agência Senado)

*Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

O Inquérito nº 4.781, instaurado pelo presidente do Supremo Tribunal a partir de “notícias fraudulentas (fake news)” que teriam atingido “a honorabilidade e segurança” da Corte, é um processo inconstitucional. Este seu comprometimento é ostensivo, indo “desde os alicerces até o telhado”, para utilizar as expressões do jurista prussiano Ferdinand Lassalle (1825-1864).

Dez inconstitucionalidades explícitas e incontornáveis fulminam a sua tramitação:

1ª – A redação do artigo 43 do Regimento Interno do Supremo (RISTF), dispositivo invocado como fundamento para a sua instauração, é originária do texto publicado pelo Diário da Justiça de 27/10/1980, portanto oito anos antes da Constituição Federal e dos novos pressupostos legais e processuais adotados no Brasil.

2ª – O artigo 2º da Resolução nº 564/2015 do Supremo, ao regulamentar o referido RISTF, dispôs que só há possibilidade de instauração de algum inquérito se o autor da infração à lei penal, “na sede ou dependência do Tribunal”, for “autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.

3ª – Diante das medidas judiciais até o momento determinadas pelo relator do processo, não há nenhum suspeito ou investigado detentor de foro para ser processado perante o STF.

4ª – Observada tal circunstância, importa destacar que o rol estabelecido pelo inciso I do artigo 102 da CF/88 acerca das pessoas que devem ser processadas perante o STF é taxativo, ou seja, sem a possibilidade de vir a ser ampliado. Neste sentido, dois acórdãos do próprio tribunal, ambos proferidos em 2018, um deles inclusive relatado pelo mesmo ministro Alexandre de Moraes (Inquérito nº 4.506/DF), reafirmaram esta compreensão.

5ª – Nenhuma prerrogativa do STF ou de seus integrantes foi violada. O tribunal vem funcionando e exercendo todas as suas competências constitucionais. Logo, face à plenitude da normalidade institucional, a invocação do artigo 13 do RISTF pela Portaria GP nº 69, de 14/03/2019, não respalda a formalização do procedimento.

6ª – Nenhum inciso, parágrafo ou letra do artigo 102 da Constituição Federal determinou ao STF competência para agir como órgão investigador ou de acusação como tem procedido neste feito.

7ª – O artigo 129 da “Constituição Cidadã” de 1988 dispõe que compete exclusivamente ao Ministério Público promover a ação penal pública contra infratores da lei. Logo, apesar de todas as 6.400 páginas do inquérito, o Procurador Geral da República pode declinar oferecer denúncias criminais contra um ou todos os acusados e remeter o feito para o arquivo do STF.

8ª – O sigilo absoluto determinado ao expediente, inviabilizando inclusive que advogados constituídos possam atuar em nome e em função dos seus clientes, além de dinamitar a ampla defesa, implode o texto da Súmula Vinculante nº 14 do próprio STF assegurando pomposamente que “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

9ª – Pessoas jurídicas ou entes despersonalizados como tribunais, procuradorias e casas legislativas, embora essenciais e respeitáveis, não são legalmente passíveis de sofrer os crimes de injúria, calúnia e difamação que a Portaria GP nº 69 invocou para formalizar o inquérito. Tais entidades, diferentemente dos seus integrantes, não tem honra a defender.

10ª – Esse somatório de afrontas, sem prejuízo de outras tantas, torna letra morta o Princípio da Legalidade que deveria prevalecer em todos os atos estatais, conforme determina o artigo 37 da Constituição Federal.

Com a palavra, sobre si mesmo e em causa própria, o plenário do STF.

*Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado, professor de Direito Eleitoral e colunista da Revista VOTO.

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