Paraguai: novo governo, velhos desafios

Os observadores da política do Paraguai nutrem a expectativa de que o país consiga fazer uma mudança importante em sua política externa. Aproveitando a atual boa onda de crescimento – que chega a uma média anual de 4% –, está mais do que na hora de uma manobra radical: desembarcar de vez do tradicional contrabando como fonte da economia, em especial na fronteira com a brasileira Foz do Iguaçu. Apesar do cerco da Polícia Federal, que tem na Tríplice Fronteira sua maior presença fora de Brasília, os prejuízos ao Brasil chegaram a R$ 146,3 bilhões em um ano, conforme o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade.

O novo presidente do país, o conservador Mario Abdo Benítez, tomará posse em 15 de agosto. Ele sucederá Horacio Cartes, que no final de maio renunciou ao posto para assumir uma vaga no Senado. Ambos possuem perfil ideológico semelhante, mas o presidente eleito tem atuação direta, como empresário, no setor do tabaco, justamente o mais visado pelo contrabando.

Empresas especialmente afetadas pelo contrabando de produtos paraguaios nutrem esperanças. A expectativa é de que, diante da chance de inserção no mercado internacional, a partir do crescimento econômico, uma nova postura seja adotada.

“Para o futuro presidente, Mario Abdo Benítez, os Estados Unidos são um importante aliado no combate ao contrabando. Os americanos estão especialmente preocupados com o comércio ilegal de cigarros, sobretudo os fabricados pela empresa Tabesa, pois o dinheiro obtido financia o crime organizado”, diz Fernando Bomfiglio, diretor de relações institucionais da Souza Cruz. O Paraguai, portanto, teria de coibir o contrabando para ser aceito na comunidade internacional.

Resistência do atual governo

Horacio Cartes, em fim de mandato, resistiu a essas mudanças. Seus opositores alegam que, como sócio majoritário da Tabesa, o milionário Cartes tem interesses pessoais na atual permissividade.

O cigarro no Paraguai paga 16% de impostos. No Brasil, entre IPI, ICMS e outros tributos, a carga chega a 90%. Logo, a compra do cigarro no mercado interno até é legal. Mas a venda para o Brasil ocorre de forma ilegal.

A ideia dos defensores da proposta era de que o tributo subisse de 16% para 40%. Depois, em meio aos debates legislativos, a nova alíquota ficaria em 30%. Neste momento, o debate continua, mas a nova legislação já aumentaria a tributação em apenas seis pontos, de 16% para 22%, diferença irrelevante.

“O Paraguai é considerado o maior produtor de tabaco da região, e o contrabando de cigarros está vinculado à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos terroristas. Com a lei atual, sabemos quem é a primeira pessoa a comprar do produtor, mas não o que acontece depois”, explica a senadora Graciela Mais Jara, do Partido Democrático Progressista.

Forças Armadas na fronteira

Enquanto o Paraguai trata de resolver o assunto internamente, o Brasil procura proteger sua fronteira. Em março, Foz do Iguaçu ganhou reforço das Forças Armadas, em medida relevante, mas provisória.

Os contrabandistas mudaram de estratégia em razão do cerco que foi se fechando na fronteira. A passagem pela Ponte da Amizade (entre a paraguaia Ciudad del Este e a brasileira Foz do Iguaçu) foi trocada pelo uso de lanchas, que substituíram as “arcas”, embarcações de 12 metros de comprimento. Essas lanchas, também chamadas de “voadeiras”, chegam a centenas de portos improvisados na margem brasileira para descarregamento do contrabando. A PF não dá conta de tantas pequenas embarcações.

De acordo com a Polícia Federal Marítima (Nepom), em 2017 foram apreendidos R$ 2,3 bilhões em mercadorias, sendo metade delas de cigarros (algo como 221 milhões de maços, número irrisório diante dos 5 bilhões de maços produzidos anualmente nas permissivas terras paraguaias).

Resultado: cerca de 48% dos cigarros consumidos no Brasil têm essa origem.

Castigadas pelo contrabando, empresas brasileiras prestam atenção a todos os passos dados no Paraguai, internos e externos. Fernando Bomfiglio diz que o foco de Abdo na questão tributária estará no combate à evasão fiscal, e não no aumento de impostos, o que pode desacelerar a discussão sobre o aumento da carga tributária de cigarros.

É preciso considerar que Abdo não tem liderança no Senado, já que o Partido Colorado (sigla do ex-presidente Horacio Cartes) conseguiu apenas 38% das cadeiras disponíveis (17 de 45). Isso pode dificultar mudanças estruturais no país. Já na Câmara dos Deputados o Partido Colorado obteve maioria.

ERRATA: No texto acima, algumas frases entre aspas foram atribuídas equivocadamente ao  diretor de Relações Institucionais da Souza Cruz, Fernando Bomfiglio. As citações, retiradas de outro contexto,  já foram corrigidas.

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