Presidencialismo de coalizão, a ideia e os fatos

Penso ser impossível encontrar maior evidência dos males inerentes ao nosso sistema de governo do que na observação direta, empírica, da atualidade nacional. Temos diante dos olhos, a poucos dias da eleição, a escrachada nudez de um arranjo institucional desmazelado. Ele se caracteriza por:

· Desorientação da sociedade perante o aleatório voejar dos partidos, em torno do pote de mel republicano;

· Candidatos presidenciais com rejeição superior à aceitação;

· Desequilíbrio financeiro na disputa por cadeiras parlamentares, com recursos públicos privilegiando quem já tem mandato; graças a tal vantagem, nunca foi tão elevado (quase 80% do total) o número de deputados federais buscando reeleição;

· Isolamento do presidente e de seu governo, que atravessam o ano de 2018 sem o apoio necessário à aprovação de quaisquer medidas de interesse nacional (como esvair-se assim, não aproveitado, um ano inteiro?);

· Reiteração da síndrome quadrienal do presidencialismo brasileiro, com os habituais sintomas de redução das atividades, depreciação da moeda e das ações ante um cenário de incertezas, e dores de cabeça nacionais;

· Quadro eleitoral evidenciando a crescente perda de influência dos partidos, a personalização das decisões de voto e a pequena relevância de ideias e programas.

Por outro lado, olhando-se para 2019, seja quem for o presidente eleito, parece impossível escapar da armadilha montada na frequentada esquina onde a necessidade de compor maioria parlamentar se encontrará com os meios disponíveis para obtê-la. Ali, como a pegar raposas, a ferragem dos fatos tem capturado a perna de eventuais boas intenções. As ditas coalizões vão ficando cada vez mais parecidas com “exigir vantagem indevida, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela” (art. 316 CP). Não é assim que, sistematicamente, o Brasil vem sendo governado? Não é precisamente a inevitabilidade dessa armadilha que tem motivado a ampliação do número de partidos no Brasil? Não parece impróprio haver-se um governante majoritário com miríade de fragmentadas minorias? Coisas do presidencialismo de coalizão.

Talvez convenha recuarmos um pouco no tempo. Nos mandatos imediatamente posteriores à Constituição de 1946, os presidentes Dutra (PSD/PTB), Getúlio (PTB/PSD), Juscelino (PSD/PTB) e Jânio (PTN, UDN, PDC, PL e PR) eram eleitos dentro de coligações e com elas governavam. Esse mesmo sistema de governo chegou a nossos dias numa prática enferma, onerando a sociedade com acordos instáveis, frequentes remarcações nos preços dos apoios partidários, negociações específicas para viger na aprovação de projetos relevantes e – sua mais escabrosa face – negociação individual, voto a voto, caso a caso, diretamente com membros da própria base do governo, quando não da oposição.

O mencionado acima não se refere a uma ou outra situação excepcional, mas a uma rotina decorrente da mera aplicação da regra do jogo ao jogo jogado. Em política, diferentemente do que possa parecer, idealismo e realismo são gêmeos bivitelinos, filhos da vida como ela é. Dado que a vida pública não é moça muito recatada, o pai resulta sempre incerto, mas a mãe dá à luz ideia e fato. A primeira pode ser resumida como a legitimidade da eleição direta do governante com ações mediadas pelo parlamento; o segundo como a ilegitimidade de operações comerciais custosas, que permitem a captura do governo e do Estado por partidos, fragmentando verbas e ações em prejuízo da sociedade. Os fins particulares das legendas da “coalizão” devoram o fim comum em torno do qual deveriam convergir as ações do governo.

Por Percival Puggina

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