A Reforma que nasceu do diálogo

Convidado para participar de um encontro com integrantes de uma central sindical, Ronaldo Nogueira não conseguia falar, tão altas estavam as vaias. Ministro do Trabalho, ele tentava explicar as mudanças necessárias para a modernização da legislação trabalhista. Em vão. O cenário, que já era bastante adverso, conseguiu piorar. Indo em sua direção com agressividade, um homem gritava furiosamente, como se preparasse um golpe.

A tensa situação colocaria a maioria das pessoas diante de duas escolhas – a fuga ou o pedido de segurança. Porém, Nogueira optou por uma terceira via. Com calma, dispensou quem vinha em sua ajuda, deixou o sujeito se aproximar, deu um abraço e entregou a ele o microfone. “Pode falar tudo o que está sentido”, disse. O silêncio foi completo. E a violência se converteu em desabafo, com o trabalhador reclamando das dificuldades vividas em função da falta de emprego.

O ambiente já era outro, e o ministro conseguiu finalmente se expressar: “Se não ouvirmos o outro, não resolveremos os problemas. Estou aqui porque quero ouvir vocês. Pelo que este homem passou, eu também já passei. As lágrimas que ele chorou, eu já chorei muitas vezes”, disse para uma plateia agora atenta.

O exercício da empatia, a paciência e a abertura para o diálogo não se fizeram presentes só nessa ocasião. Foram vistos em todos os encontros com trabalhadores e empregadores, desde o momento em que definiu a reforma trabalhista como a prioridade de sua gestão à frente do ministério, que ocupou entre 2016 e 2017, no governo Michel Temer. Tomada a decisão, viajou pelo país com o objetivo de construir consensos. E foi bem-sucedido em sua missão, promovendo a primeira atualização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em mais de 70 anos. No dia 11 de novembro de 2017, começou a vigorar a nova legislação.

Outros avanços de grande impacto social e econômico marcaram seu período como ministro, entre maio de 2016 e final do ano passado. O governo liberou o saque do FGTS para os trabalhadores e do PIS/Pasep para os idosos, beneficiando mais de 34 milhões de brasileiros. As medidas injetaram cerca de R$ 60 bilhões na economia, sendo, segundo especialistas, um divisor de águas na superação da mais grave recessão. Foi criado ainda o programa Seguro-Emprego, que ajudou a preservar aproximadamente 200 mil vagas de trabalho de empresas afetadas pela crise.

Na área de inovação, lançou a plataforma digital de emprego do governo federal, o Emprega Brasil, que inclui a Carteira de Trabalho Digital, Seguro-Desemprego Web, Sine 2.0 e Escola do Trabalhador – que funciona à distância. Com isso, o trabalhador pode ter a carteira de trabalho em seu smartphone e, pela internet, solicitar seu seguro-desemprego, candidatar-se a uma vaga de emprego ou fazer um curso de qualificação profissional. Além disso, com a contratação de uma plataforma tecnológica antifraude, estima-se uma economia de R$ 1 milhão por dia em pagamentos indevidos relacionados ao seguro-desemprego. São cerca de R$ 700 milhões poupados até o momento.

Natural de Carazinho/RS, Ronaldo Nogueira é formado em Administração, com especialização em Gestão Pública pela UFRGS. Aos 51 anos, é casado e tem três filhos. Após um ano de meio no Executivo, está de volta ao Legislativo, onde exerce seu segundo mandato como deputado federal. Nos planos para este ano, está a realização das Jornadas Brasileiras de Relações de Trabalho. Serão 31 encontros por todo o país até junho, com o objetivo de esclarecer as mudanças da modernização da legislação trabalhista. Participarão juízes, advogados, procuradores, auditores fiscais do trabalho, jornalistas e acadêmicos, entre os demais públicos interessados no tema.

Com uma fala contundente, mas sempre tranquila, o parlamentar do PTB respondeu às perguntas da Revista VOTO em uma entrevista exclusiva. Confira:

Como foi receber a missão de liderar a Reforma Trabalhista?

Quando fui indicado para o Ministério do Trabalho, logo elegemos o objetivo principal: modernizar a legislação trabalhista. Nosso país tem três fases importantes nas relações de trabalho. No século 19, a Lei Áurea aboliu a escravidão. Na metade do século 20, Getúlio Vargas consolidou a legislação trabalhista. E, agora, na primeira dezena do século 21, houve a modernização. O Brasil possui capacidade de produção e de geração de empregos em grande escala, mas tínhamos em torno de 14 milhões de pessoas buscando lugar para trabalhar e 45 milhões vivendo na informalidade. Então, nós precisávamos quebrar mais de 70 anos de imobilismo. Resolvemos eleger isso como prioridade, com disposição para o diálogo. Logo começamos a viajar pelo Brasil, conversando com trabalhadores e empresários. Conseguimos construir um consenso. E, no dia 22 de dezembro de 2016, estavam todos lá no Palácio do Planalto, na cerimônia de lançamento da modernização trabalhista. Das seis centrais sindicais reconhecidas, cinco estavam presentes. As três principais confederações de empregadores também estavam lá. Todos discursaram. A única que não se fez presente, mas esteve no Ministério momentos antes, foi a CUT. Ouvimos e conversamos com todos. Se tivemos um 11 de novembro de 2017, quando entrou em vigor a reforma, foi porque houve o 22 de dezembro. Nesse dia, revolucionamos as relações de trabalho no Brasil. Juristas dizem que foi a mais importante reforma estrutural desde a Constituição de 88.

A reforma trabalhista foi aprovada há pouco mais de meio ano e entrou em vigor em novembro. Já é possível avaliar o que mudou nesse período?

Mudamos o sistema de relações de trabalho no Brasil. Saímos de um sistema estatizado e altamente regulado, para um de autocomposição dos conflitos. As ações trabalhistas caíram 50% depois da reforma. Isso gera segurança jurídica e o melhor ambiente de negócios da América Latina, dizem especialistas. Ambiente bom traz investimento, e investimento traz emprego. Não reinventamos a roda, mas apenas a colocamos a rodar em terras brasileiras. O Brasil agora está ao lado dos Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. Por que será que tantos brasileiros querem ir trabalhar lá? Alguns setores importantes que estavam há dois anos retraídos, voltaram a contratar e restabeleceram a jornada normal, inclusive com acordo coletivo para fazer horas extras. Mais de um milhão de postos de trabalho foram abertos em 2017. Formalizados com carteira assinada, foram mais de 340 mil empregos. Com o crescimento do PIB na faixa de 3% em 2018, o Brasil irá gerar em torno de 2 milhões de empregos formais. Perder emprego é coisa do passado. O Brasil do futuro é o Brasil do emprego, e o futuro já chegou.

Que outros fatores precisam ser aprimorados para que o país acelere o processo de geração de empregos?

Uma nação se estabelece sobre três pilares: segurança nacional, segurança monetária e segurança jurídica. Enfim, baseia-se em estabilidade. A fidelidade dos contratos tem se mostrado o principal fator de desenvolvimento econômico e social perene da história da humanidade. Pois o Estado não gera empregos, não gera riqueza. Quem gera riqueza é o particular, o empreendedor, aquele que investe. Mas, para investir e empreender, as pessoas precisam de estabilidade, de previsibilidade. Então, entendo que conseguimos avançar tremendamente em dois pontos. Com a retomada de uma política macroeconômica ortodoxa, de responsabilidade fiscal, garantimos a segurança monetária. Com a modernização das leis trabalhistas, alcançamos um patamar elevado de fidelidade dos contratos. Agora, falta reconquistarmos a segurança nacional, abalada pela crise sistêmica no sistema de segurança pública nos estados. Não tenho dúvidas de que, hoje, um dos grandes entraves para a economia nacional e para a geração de empregos é a questão da segurança pública. Enfim, o Brasil tem capacidade de ser protagonista do desenvolvimento no mundo. E o Brasil do futuro será esse.

Antes de vencer a batalha no Congresso, teve que ser vencida a batalha da opinião pública e desfazer muitas mentiras que se disseminaram sobre a reforma trabalhista. Qual foi o maior desafio enfrentado?

A batalha da informação. Pudemos constatar o amadurecimento da nossa democracia. Precisamos defender o direito de expressão e interpretação. Tem efeitos pedagógicos nisso. Todas as críticas que vieram foram oportunidades que surgiram para que a verdade se manifestasse e para que pudéssemos aprimorar nossas propostas. Houve um momento em que disseram que a jornada de trabalho aumentaria de oito para 12 horas. E isso nunca esteve em nenhuma proposta. A verdade veio e se manifestou, e o trabalhador continua usufruindo do direito de oito horas diárias. Mas esse trabalhador agora também tem a vantagem de escolher a forma mais vantajosa de como usufruir das 40 horas semanais. Tem o direito de combinar com seu patrão como essa jornada semanal de trabalho será executada. E foi isso que a legislação trabalhista facilitou ao trabalhador, dando aos acordos coletivos força de lei para deliberar sobre determinados itens. A reforma não comprometeu direitos. Ao contrário, aprimorou e assegurou direitos. Desafio a me dizerem qual direito foi tirado! Tudo está garantido: seguro-desemprego, FGTS, salário mínimo, piso salarial, férias de 30 dias com um terço a mais de salário, repouso semanal remunerado, 13º salário, aviso-prévio, licença-maternidade, horas-extras e aposentadoria. No Brasil, diferentemente de outros países em crise, como Grécia e Portugal, conseguimos fazer uma reforma sem tirar direitos do trabalhador. Gosto de pensar que contribuí para isso.

Parte importante da aprovação da reforma trabalhista resultou de um esforço de comunicação – tanto interno, na negociação com o Congresso, como externo, para o público em geral. O governo tem conseguido se comunicar a respeito das outras reformas?

O governo do presidente Michel Temer tem feito um esforço extraordinário. Teve uma coragem importantíssima, e os resultados serão colhidos no futuro. Em um país complexo como o nosso, não é fácil construir um consenso em relação a temas como a reforma tributária e da Previdência. Mas o importante é que o governo não desiste de seus propósitos.

Como o senhor enxerga essa movimentação de alguns juízes, afirmando que não colocarão em prática algumas medidas da reforma?

Veja, uma minoria diz isso. O cumprimento da lei faz parte do juramento dos magistrados. Seria um absurdo, pois lei se cumpre. Tenho a mais absoluta confiança no nosso Poder Judiciário. Tenho certeza que ele seguirá cumprindo seu papel. Confio nos juízes do Trabalho. São técnicos, pessoas abnegadas que passam em um concurso público dificílimo. Gente muito preparada.

Por que há tanta resistência às medidas da reforma trabalhista entre alguns juízes do trabalho?

Não acredito que haja resistência. Vamos ver à medida que o tempo passa. A Justiça tem um legado muito importante no que diz respeito à aplicação da lei e à preservação dos princípios constitucionais. Não passa pela minha cabeça a hipótese de algum juiz tomar uma decisão à revelia daquilo que está na lei. Não aconteceu e não vai acontecer. Acredito 100% em nosso Judiciário.

Então, o empreendedor pode se sentir seguro em relação a isso?

O empreendedor que cumpre com suas obrigações não precisa ter medo da Justiça.

A reforma trabalhista tocou em pontos considerados sensíveis, como o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. De que forma o governo trabalhou o desgaste com essas classes?

O presidente Lula já tinha encaminhado a PEC 469, que promovia mudanças na organização sindical no Brasil. A modernização trabalhista não extinguiu a contribuição, apenas fez ela deixar de ser obrigatória. Se o trabalhador está satisfeito com seu sindicato, ele pode contribuir. Não enfrentamos, por parte do movimento sindical, resistência nesse quesito. A preocupação sempre foi com os direitos dos trabalhadores. E nós os asseguramos. Ninguém pode afirmar que a reforma tirou direitos. As reformas da Espanha, da França e de Portugal tiraram. A única no mundo que não tirou foi a nossa.

Na sua avaliação, o fim da obrigatoriedade da contribuição abrirá caminho para uma maior qualificação e representatividade dos sindicatos?

O movimento sindical terá de se adequar àquilo que a Constituição sinalizou: a unicidade sindical. Ou seja, um sindicato representativo por categoria e base territorial. O modelo ideal é esse.

Após a modernização trabalhista, qual é a reforma mais urgente para a retomada do desenvolvimento?

O Brasil precisa fazer o enfrentamento de reformas importantes. Aquele conceito do Estado provedor foi quebrado. A sociedade não tem como bancá-lo. Temos de criar uma legislação para que o Estado seja indutor, com cidadãos livres e emancipados e uma visão do que cada um pode fazer pela nação – e não o que a nação pode fazer pelas pessoas. Isso passa por uma mudança cultural de visão do modelo de Estado que queremos e que é possível construir, que proporcione oportunidades para todos. Não podemos ter um Estado que privilegie poucos em detrimento de muitos.

Você foi o último ministro a liderar a aprovação de uma reforma estrutural. Agora, está de volta à Câmara dos Deputados. Como deve ser a relação entre os poderes Executivo e Legislativo para que as reformas andem?

Uma relação que prime pela radicalização do diálogo. É importante não pensar na próxima eleição, mas na próxima geração. Você não pode ser escravo da próxima eleição, mas de princípios, de causas, da nação que queremos para o futuro. E a nação do amanhã precisa ser construída agora. Precisamos fazer com que toda a sociedade tenha essa visão. Cada Poder, além de conhecer suas prerrogativas, deve ter o conhecimento das competências do outro, colocando freios e impedindo a usurpação de poderes do outro. Cada Poder deve ter a devida consciência de seu papel no desenvolvimento da nação e da democracia.

Independentemente de quem for eleito, em qual situação o novo governo receberá o Brasil em 2019?

O Brasil de 2019 será melhor do que o Brasil de 2014. Pode ter certeza. Assim como o Rio Grande do Sul será melhor. Sou um otimista, apesar da situação dramática que vive o nosso Estado. Tenho convicção de que só arrocho nas contas públicas não funciona. Responsabilidade fiscal é essencial, mas temos de arrecadar mais. Para isso, precisamos mudar a matriz econômica do Rio Grande. Nossas vantagens competitivas estão postas: a localização, epicentro do Mercosul, um dos maiores parques universitários do Brasil, e dentro dele duas das melhores universidades brasileiras, a UFRGS e a PUCRS, e o nosso povo, que é o mais escolarizado do país. Com o modelo de gestão certo, podemos transformar o Rio Grande no Vale do Silício da América Latina. Mão de obra e mercado consumidor, que sempre são os quesitos mais difíceis, temos. Agora, o que falta é política pública. A grande força do Rio Grande do Sul está na nossa gente.

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