As relações do novo Brasil

Em pouco tempo de novo governo, já ficou evidente: uma guinada está por vir na forma como o Brasil vai se relacionar com as outras nações. Algumas ganharão relevância, outras perderão o status conquistado em períodos recentes

A troca entre direita e esquerda no poder dos grandes países historicamente movimenta a economia interna e mundial. No Brasil, não é diferente. Por mais de uma década, uma visão contaminada pela ideologia guiou as relações exteriores. Após o impeachment de Dilma Rousseff, o equilíbrio voltou a prevalecer no contato com o resto do mundo. Já com a eleição de Jair Bolsonaro, o pêndulo se desloca ainda mais para a direita – com os aliados de outrora efetivamente perdendo seus privilégios.

Desde o período da campanha eleitoral, Bolsonaro já deixava claro que mudanças seriam implementadas nesse campo. Prometia uma postura mais aberta em relação ao comércio exterior, aproximando-se de grandes economias liberais – como os Estados Unidos. Também, expressou a vontade de criar um bloco liberal na América Latina, em união com Argentina, Chile e Paraguai. Ou seja: anunciava o fim da estreita aliança com as nações comandadas por esquerdistas, como Venezuela, Bolívia e Cuba.

Da campanha ao início do governo, as intenções se confirmaram. Ernesto Araújo, o novo ministro das Relações Exteriores, destacou em seu discurso de posse que o Itamaraty existe para o Brasil, não para si mesmo. “Somos um país universalista, por isso, queremos construir algo bom e produtivo com cada parceiro. Mas universalismo não significa ausência de opiniões. Queremos ser escutados, não por repetir alguns dogmas insignificantes e algumas frases assépticas, mas porque temos algo a dizer”, frisou Araújo.

Com isso, a pasta buscará parcerias que permitam chegar ao destino desejado sem necessidade de permissão da chamada “ordem mundial”. É uma autoafirmação do país, que se pretende mais autônomo a partir de agora. Araújo também reafirmou que o Itamaraty terá um “perfil mais elevado e mais engajado na promoção do agronegócio, do comércio, dos investimentos e da tecnologia”.

Entre os planos, está a formulação de um programa de trabalho específico para desenvolver o potencial de cada relação internacional. Para isso, contará com o reforço da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), que passará por um processo de renovação, estando mais integrada às estratégias de política externa. Outro objetivo explicitado é a redução das burocracias nos setores de diplomação comercial nas embaixadas mundo afora, “transformando-os em verdadeiros escritórios comerciais capazes de gerar negócios e ocupar novos mercados para os nossos produtores”.

Parcerias de peso

No final de janeiro, durante o Fórum de Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o presidente Jair Bolsonaro reiterou que as relações internacionais contarão com uma política sem viés ideológico. “Para isso, buscaremos integrar o Brasil ao mundo, por meio da incorporação das melhores práticas internacionais, como aquelas que são adotadas e promovidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, enfatizou em seu discurso de estreia diante da comunidade internacional.

A defesa de uma reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) demonstra o alinhamento do Brasil com os Estados Unidos. Desde agosto de 2018, o presidente Donald Trump vem ameaçando sair da entidade caso mudanças não sejam realizadas. Em Davos, Bolsonaro destacou a necessidade de atualizações no organismo internacional, com o objetivo de eliminar práticas desleais e garantir a segurança jurídica.

Outra peça fundamental no xadrez geopolítico internacional, a China ainda causa dúvidas nas relações internacionais do novo governo. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro fez diversas críticas ao modus operandi comercial do país asiático. Durante o Brasil de Ideias da Revista VOTO, em setembro do ano passado, o então candidato criticou a possibilidade de compra de estatais estratégicas e terras agriculturáveis pelos chineses. Segundo ele, seria uma forma de “estatização” pelo governo comunista, e não propriamente privatização.

Já eleito, o tom e a frequência das críticas do novo governo diminuíram, em parte pela importância do país na balança comercial. O vice-presidente do parlamento chinês, Ji Bingxuan, esteve na posse de Bolsonaro – que prometeu fazer uma missão ao país asiático em breve.

Previsões para a balança comercial

Ao avaliar o saldo final de 2018, fica clara a importância da China para as exportações brasileiras. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), o país asiático deteve 26,8% dos envios. Os EUA, em segundo lugar, foram responsáveis por menos da metade desse valor, representando 12% das vendas externas do Brasil. Em terceiro lugar, a Argentina apareceu com 6,2%.

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a orientação das relações internacionais do Governo Bolsonaro deve priorizar o comércio internacional. Segundo o gerente-executivo Flávio Castelo Branco, é preciso “aumentar a interação com os principais mercados, abrir novos mercados e realizar acordos comerciais”. “Esse tem sido o tom que o novo governo apresenta. Quando as medidas de fato forem efetivas, saberemos realmente como tudo se comportará”, destaca.

Alguns elementos podem dificultar as vendas do Brasil ao exterior. Questões como a eventual elevação das taxas de juros dos Estados Unidos, a queda lenta e contínua do PIB da China e a crise financeira da Argentina afetarão o desempenho brasileiro, segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Outro fator que poderá repercutir é a proposta de transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. A medida desagradou parte da comunidade muçulmana – e chegou a ser citada como o motivo para a Arábia Saudita suspender a compra de carne de frango de cinco empresas brasileiras, no final de janeiro.

O Governo, no entanto, ponderou que a ação também pode ter sido uma forma de os sauditas incentivarem sua produção interna. “Não tem nada a ver com questão de embaixada, até porque, qual foi a declaração do nosso representante na ONU? Existe um Estado de Israel e um Estado palestino, conforme reconhecemos desde 1947. Então, nada mudou”, comentou o vice-presidente Hamilton Mourão.

É difícil prever quais serão os próximos passos do Brasil nessa sua nova forma de relacionar-se com o exterior. Mas é certo que as relações internacionais do Governo Bolsonaro indicarão uma grande mudança de paradigmas – alterando as práticas que vinham sendo adotadas nas últimas décadas. Com a legitimidade das urnas e o cenário global em constante mutação, novos ares pairam sobre o Itamaraty.

Sobe ou desce?

Uma série de mudanças deve ocorrer a partir das novas diretrizes do governo brasileiro para as relações exteriores.

Quem pode subir

Estados Unidos

Com perfis semelhantes, Jair Bolsonaro e Donald Trump devem estreitar relações e nutrir um diálogo firme e aberto. As trocas entre Estados Unidos e Brasil têm tudo para intensificarem-se.

Europa
Países como Inglaterra e Itália, que têm levantado discursos contrários à União Europeia, devem fortalecer a parceria com o Brasil. Mesmo com um ritmo de crescimento lento, a economia europeia exerce papel importante.

Argentina, Chile e Paraguai

Países que apoiam o livre comércio devem ser aliados de Bolsonaro nos próximos anos. Em campanha, ele afirmou que admira o projeto econômico dos vizinhos e manifestou o desejo de criar um bloco liberal da América Latina.

Quem pode descer

China

Apesar de ser a maior fonte de importações e exportações do Brasil, as relações com o país governado pelo Partido Comunista não se devem manter em alta. A questão ainda gera discussão, inclusive dentre quem elegeu Bolsonaro.

Venezuela, Bolívia e Equador

Alguns países do continente podem se distanciar caso não abram seus mercados e adotem novas políticas sociais. O desempenho recessivo de suas economias, com destaque negativo para a Venezuela, também deve reduzir a relevância na balança comercial brasileira.

Países árabes

A polêmica discussão sobre a embaixada brasileira em Israel acirrou os ânimos com o mundo árabe. Há a possibilidade de o Brasil sofrer algum boicote, além de outras mudanças nas relações.

Tag:

Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Please enter comment.
Please enter your name.
Please enter your email address.
Please enter a valid email address.
Please enter a valid web Url.