Renúncia – um ato de covardia ou coragem?

Recentemente, o mundo foi surpreendido com a renúncia da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que permaneceu seis anos no cargo. Depois de conduzir o país em meio a catástrofes naturais, ao pior ataque terrorista da sua história e à pandemia de covid-19, a parlamentar reconheceu esgotamento e necessidade de dedicar mais tempo à vida privada. Segundo ela, “É possível ser gentil, mas forte; empático, mas decisivo; otimista, mas focado. Igualmente importante é saber quando chega a hora de ir embora”. 

Enquanto a maioria dos homens ainda está disposta a pagar o preço que for para se manter no poder, mulheres têm maior facilidade para admitir a vontade de equilibrar vida pessoal e profissional. Ao assumir que já não tinha mais a energia necessária para levar adiante um cargo de tamanha responsabilidade, Jacinda foi, mais uma vez, duramente criticada. A mesma mídia que primeiro questionou como uma mulher poderia engravidar em uma posição de tanta exigência e destaque, também polemizou sua volta ao trabalho após seis semanas do parto. Independente da escolha que se faça, a impressão que se tem é de que a mulher dificilmente acerta. Ela erra ao manter uma viagem a trabalho enquanto ainda amamenta e erra, também, quando muda um voo para ficar menos tempo longe do bebê. E é justamente sobre esse paradoxo do universo feminino que se precisa pensar, reavaliar, mudar e evoluir. Ironicamente, espera-se que as mulheres trabalhem como se não tivessem filhos e que eduquem filhos como se não trabalhassem.

Ao longo da história da humanidade, homens e mulheres sempre desempenharam papéis sociais muito diferentes. O que acontece agora é que, apesar da herança do sistema patriarcal, a mulher cada vez mais é protagonista não apenas da sua própria vida, como também da sociedade em que vive. Ao assumir diferentes funções, ela acumula as obrigações de dona de casa, mãe, esposa, profissional e coleciona críticas porque nem sempre é fácil administrar as demandas quando se ocupa determinados postos no mercado de trabalho e cargos de liderança em escolas, universidades, empresas, cidades e governos.

Quem também repercutiu a renúncia de Jacinda Ardern no Instagram foi a jornalista Manuela d’Ávila, que desistiu de concorrer ao Senado nas eleições de 2022 para estar mais próxima de sua filha, Laura, de 6 anos de idade. Manuela declarou em seu perfil:

“Um dia a gente vai debater publicamente sobre quem cuida das crianças dos homens políticos. Canso de ver matérias em jornais sobre políticos europeus que vão de bicicleta ou ônibus para o trabalho. Acho interessante nossa preocupação com transporte e sustentabilidade ou mesmo com padrões de vida proporcionados aos políticos de cada país. Mas nunca li uma linha sobre a dinâmica da política e a rotina de cuidados. É o mundo dos homens, dos horários de quem não sabe o nome da professora da criança, de quem chega em casa com a geladeira abastecida e a camisa passada.”

A vida pessoal e profissional na balança

A psicóloga e co-founder do Grou, um hub de soluções que une gestão comportamental à tecnologia para impulsionar o desenvolvimento das pessoas nas empresas, Mariana Lucas Uebel diz que o papel da liderança já é carregado de muitas demandas e responsabilidades que transcendem o individual.

“Enquanto líderes, estamos o tempo todo pensando no time e nos impactos coletivos de cada ação. Mas, quando falamos de liderança e maternidade, a pressão e os desafios são ainda maiores. Não é à toa que nós, mulheres, sofremos mais com a síndrome de burnout do que os homens. Ao mesmo passo em que há uma exigência por dedicação exclusiva aos outros, se pressupõe um equilíbrio utópico entre vida pessoal e profissional. A consequência mais comum é a sobrecarga em todas as frentes, prejudicando o nosso bem-estar físico e emocional.”

Apesar do mercado e da sociedade terem muito o que evoluir em relação à pauta, mudar esse cenário também é responsabilidade das mulheres, acredita Mariana.

“Precisamos baixar a régua da autocrítica, descentralizar demandas e entender que o equilíbrio não é uma divisão igualitária de dedicação. Cada área da vida, em cada momento, exigirá mais ou menos da nossa atuação. Sem tanta autocobrança, conseguimos fazer mais pelos outros, mas o mais importante: por nós mesmas. De qualquer forma, independente de gênero, cargo ou posição social, renunciar é sim um ato de coragem. Não só porque envolve uma importante tomada de decisão, mas porque o ato de olhar para as nossas verdades e de entender nossos reais desejos, possibilidades e limitações é, além de corajoso, libertador.”

Que a corajosa atitude de renúncia a cargos e, consequentemente, a todas suas benesses, estanque de uma vez por todas a covardia do silêncio sobre as desigualdades de gênero. Se o lugar da mulher é onde ela quiser, está na hora de repensar a opinião pública, qual a importância que se deveria dar ao julgamento alheio. De que adianta o poder quando não se tem a liberdade? Dizem que o que a vida exige da gente é coragem. E qualquer escolha requer firmeza de espírito para enfrentar situação emocional ou moralmente difícil. Afinal, toda decisão implica renúncia e consequência.         

Longe dos holofotes

Ana Paula Arósio
Uma das atrizes brasileiras mais famosas dos anos 1990 e 2000, Ana Paula Arósio começou a trabalhar cedo. Depois de estrelar diversas campanhas publicitárias como modelo (quem não lembra do `Faz um 21` da Embratel?), estreou em 1994 na teledramaturgia. Em 2011, quando seria protagonista da novela das 21h na Globo, Insensato Coração, a atriz repentinamente abriu mão da carreira de sucesso para ter uma vida tranquila no anonimato. Passou a viver com o marido, Henrique Plombom Pinheiro, em um sítio em Santa Rita do Passa Quatro, a 250 km de São Paulo. Apaixonada pela vida próxima da natureza e dos animais, hoje mora no interior da Inglaterra e suas aparições públicas são pontuais.

Simone Biles
Outra personalidade a declarar estafa e preocupação com a saúde mental em função da carreira foi a ginasta profissional dos Estados Unidos Simone Biles. Depois de abrir mão da disputa da final individual na Ginástica Olímpica nos jogos de Tóquio em 2020, afirmou: “O aspecto mental obviamente me pegou e o meu corpo não aguentou. Estou completamente bem em me afastar, porque já passei por muito. Eu conquistei muito. Então, se me custar a paz, vou me aposentar ”, declarou a ginasta. Cotada como uma das favoritas para a medalha de ouro, Simone enfrentou dificuldades durante a disputa e não atingiu os objetivos esperados. Mesmo assim, ainda faturou uma medalha de prata e outra de bronze. 

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