Rotatividade: hora de reformar o conceito antigo – Por Igor Morais

Em tempos de discussão sobre reforma da legislação trabalhista no Brasil, é muito importante ter opinião embasada em conhecimento. A proposta de hoje é que entendamos aspectos estruturais de um indicador polêmico que permeia estes debates, a rotatividade de trabalhadores. Você sabia que este não é um indicador oficial? Sendo assim, está sujeito a variações na sua base de cálculo e diferentes interpretações. Na maior parte das vezes, é aplicada a fórmula que considera o menor valor encontrado na relação entre contratados e desligados sobre o estoque de trabalhadores em atividade em um determinado período. A inexistência de um padrão em sua análise torna o tema bastante polêmico, pois devemos atentar sempre para quem está incluído nos numeradores da análise. Além disso, no nosso país impera a visão de que a rotatividade penaliza apenas os trabalhadores. A maior queixa é a de que esse processo encobre um mecanismo do empregador utilizado apenas para reduzir salários e benefícios. No entanto, raramente isto se traduz em uma vantagem real para o contratante.

A perda de um funcionário experiente na sua função pode resultar em piora de produtividade no curto e médio prazo. Estudos feitos para os EUA apontam que o custo para a empresa treinar e capacitar um novo funcionário gira em torno de 20% do seu salário anual de contratação, sendo mais alto quanto maior for o grau de especialização do trabalho em si. E o tempo médio de adaptação desse trabalhador varia entre 4 e 6 meses. Soma-se a isso o desperdício de tempo e recursos com anúncio, entrevista, análise de documentação e procedimentos de contratação. Ou seja, ao contrário do senso comum, quando o turnover é elevado, tanto o trabalhador quanto a empresa podem sair perdendo.

Há vários estudos que apontam o Brasil como pertencente ao grupo de países que apresentam os maiores índices de rotatividade. Esta colocação é trazida frequentemente para a mesa de discussões das negociações salariais nos sindicatos e também junto ao Judiciário. Apesar do alarde sobre o tema, a comparação com outros países deve ser feita com cautela, devido aos diferentes conceitos aplicados sobre as formas de contratação e desligamento, já que a regra no mercado de trabalho não é comum. Ademais, a forma de medida deste indicador no nosso país é questionável e não padronizada. Ela tende a colocar todo mundo dentro da mesma realidade, e não preserva as diferenças que existem entre regiões, setores, a função exercida pelo empregado e razões de desligamento e contratação. Por exemplo, não devemos considerar como rotatividade se a empresa demite um funcionário do almoxarifado e contrata um gerente de vendas. São funções diferentes. Da mesma forma, não deveríamos usar na base de cálculo contratos de trabalho temporários na sua origem. Ainda, uma quantificação fidedigna isolaria desligamentos voluntários, daqueles involuntários, motivados por aposentadoria e/ou morte.

Dessa forma, quando aplicamos filtros pertinentes nesta equação, como os citados acima, percebemos que a taxa de rotatividade de trabalhadores no Brasil passa de 30% para 19,7%, em especial quando analisamos as mesmas CBOs – Classificação Brasileira de Ocupações. Ou seja, a rotatividade ocorrida na mesma função exercida anteriormente. Diferenças adicionais aparecem quando aplicamos o indicador isolando regiões homogêneas em relação ao seu principal setor produtivo. Por exemplo, em Mato Grosso, onde a agropecuária é mais forte e, portanto, temos mais sazonalidade no emprego, é natural esperar uma rotatividade maior do que em Brasília, uma cidade tipicamente administrativa e com maior estabilidade nos empregos. Assim, os números mostram que a melhor forma de tratar o tema é considerando situações diferentes de forma diferente, sob pena de incorrermos em distorções grotescas e falácias conjunturais.

Porém, muito além dos números está uma questão cultural difícil de romper nessas discussões sobre reforma das leis trabalhistas. O mundo corporativo e a relação entre empresas e trabalhadores vêm mudando de forma significativa nas últimas décadas. A geração atual, conhecida como geração milênio, nascida a partir de meados da década de 80, e que será a maioria no Brasil já a partir de 2020, não pensa mais em emprego, e sim em trabalho. A resultante disso será, inevitavelmente, uma relação menos duradoura entre trabalhadores e seu local de trabalho, por mais que as empresas se esforcem em manter um ambiente atrativo. Essa já é uma realidade para diversas empresas que encontram dificuldade em reter talentos, mesmo oferecendo benefícios como planos de saúde e previdência, entre outras vantagens. Essa geração não quer usar uniforme e não está preocupada com horário. Ela não se sente explorada como as gerações de outrora que participaram da formação dos conceitos que norteiam a legislação brasileira atual e demanda um ambiente mais livre.

Se pensamos em reformar nossa defasada legislação trabalhista, que o façamos à luz de dados objetivos. Vamos desconstruir indicadores e visões obsoletas, entender seu conteúdo e trazer à tona números representativos e que proporcionem uma discussão justa e resolutiva. A nova geração quer conceitos novos.

Igor Morais é Pós-doutorando em economia aplicada na Universidade da Califórnia – Riverside

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