Um por todos e todos por um

Indignados com os escândalos de corrupção, a ineficiência pública e a falta de preparo dos agentes públicos, muitos brasileiros decidiram não jogar a tolha. Criaram movimentos com perfis diversificados, mas com o mesmo propósito: melhorar a política – e, assim, o país

São 35 partidos políticos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e 73 estão na fila aguardando autorização para se formar no país. No Congresso Nacional, estão presentes integrantes de 25 siglas. Nenhuma delas tem mais do que 11,25% de representação no Parlamento. No outro lado da rua, está a sociedade. Descolada de bandeiras e de agremiações, parte dela está se organizando com o propósito de melhorar a política.

Na grande maioria, esses movimentos são compostos por jovens com boa formação que comungam da mesma ideia: a nação precisa sair do labirinto. Os grupos independentes – sem interferências partidárias ou verba pública – têm instigado mobilizações, proposto a qualificação da vida pública e semeado esperança. Não há líderes isolados. Cabe a frase de Alexandre Dumas, escrita em 1844: “um por todos e todos por um”.

Para ganhar notoriedade, todos têm apostado nas redes sociais como o canhão para disseminar as convicções. O Movimento Brasil Livre (MBL), por exemplo, tem quase 2,8 milhões de seguidores no Facebook. A audiência é muito superior à de qualquer sigla política. Nas manifestações que derrubaram o governo Dilma, foram o megafone da indignação de muitas pessoas. O Brasil Paralelo também aposta na web para se fortalecer como plataforma de educação. Desde 2016, difunde ideias liberais e clareia a história a partir de séries audiovisuais. A proposta nasceu de jovens inconformados com a ignorância da sociedade sobre temas relevantes.

O movimento Agora! se apresenta disposto a contribuir e congrega jovens com capacidade intelectual e econômica. O núcleo propõe uma nova agenda de políticas públicas, baseada em expertises colhidas pelo mundo. As propostas foram repassadas a todos os candidatos à Presidência da República. Enquanto isso, o Renova Brasil nasce com a proposta de ser uma escola que ensina a boa política. Parte da premissa de que não há transformação sem conhecimento. O curso de 220 horas conta com 49 professores e seleciona com critério pessoas capazes de mudar o Brasil.

Empatia social

Para a cientista política Elis Radmann, os movimentos ganham corpo com as frustrações e descrenças da sociedade. “A sensação de ineficiência faz com que pessoas com discernimento e capacidade pensem em reagir. Há uma conexão muito grande de empatia social, por isso há unidade de pensamento e força de expressão. Não existe um cacique”, avalia. Elis crê que o caminho para esses blocos é se tornarem agremiações políticas, pois são nichos que comungam das mesmas convicções.

A cientista aposta ainda no florescimento de novos movimentos ou que os existentes sejam encorpados. “Pesquisas apontam que 70% das pessoas concordam com a indignação popular, com os movimentos que vão às ruas. Porém, apenas 7% de fato vão para o protesto ou mergulham na ação”, explica. “As pessoas se reconhecem pelos seus machucados sociais. Mazelas são bandeiras, há uma empatia comum e coletiva”.

Convergência a partir das diferenças 

Eles são mais de cem e estão em 17 estados do Brasil. A maior parte com menos de 40 anos, e todos robustos conhecedores de agendas públicas. Juntos, apresentam a políticos e governos ideias para consertar o país. O grupo se considera independente, plural e sem rotulação partidária. Nesta eleição, propôs a todos os presidenciáveis uma série de reformas em áreas como saúde, educação, segurança e abertura econômica.

O time é heterogêneo. Anapuaka Tupinanbá, por exemplo, trabalha com etnomídia e coordena a Rádio Yandê, a primeira indígena do país. Ele é da nação Tupinambá. Seu colega de classe é Carlos Jereissati Filho, presidente da rede de shoppings centers Iguatemi e reconhecido como jovem líder global em 2007. Luciano Huck, apresentador de TV e recorrentemente cotado para concorrer ao posto mais alto da nação, também faz parte do movimento. Outro membro é Octávio Nassur, uma das principais referências de cultura e de dança contemporânea da América Latina.

Na visão de Melina Risso, cofundadora e porta-voz, o Agora! veio à luz diante do sentimento de que o modelo político está esgotado, sem alternativas e com serviços péssimos. “O cidadão abandonou a política por muito tempo, mas ela não se resolverá sozinha. Não precisa ser político formal, a política deve ser exercida em todos os lugares”, defende. Melina vê o movimento como um espaço de convergência e de circulação de ideias que apresenta uma agenda simples e sustentável para melhorar a vida das pessoas.

Doutora em Administração Pública e Governo, ela afirma que toda proposta está ancorada sob o mesmo propósito: redução de desigualdades. “Nascemos de um encontro de amigos em 2016. Quando percebemos que estávamos todos pensando em atualizar o Brasil, decidimos pôr a mão na massa”, explicou. Eles se encontram no mínimo uma vez por mês para debater propostas de trabalho e ações.

Formação de elite cultural

Imagine um Netflix de séries apenas sobre política. O Brasil Paralelo é isso – ou quase. Apresenta produções de viés educativo sobre a história nacional e mundial. O time reúne historiadores, comunicólogos, juristas, cientistas políticos e sociais. Além de ver capítulos e poder reacessá-los quando quiser, o assinante participa de videoaulas e discussões sobre pautas como a Operação Lava Jato, Mensalão e impeachment. A plataforma é um modelo de negócio inédito.

Um dos criadores do projeto, Henrique Viana crê que as mensagens didáticas ofertadas na web nasceram de uma demanda evidente. “Detectamos que estudiosos e formadores de opinião estavam sozinhos na internet, mas já tinham despertado. Então, decidimos fazer o trabalho de organização, curadoria e produção”, explica. A ideia é 100% financiada pelos assinantes e não recebe nenhuma verba pública. Mais de 10 milhões de pessoas já beberam da fonte de ensino compartilhada e digital.

Um vídeo institucional do Brasil Paralelo afirma que a proposta é “pavimentar um futuro sólido e promover uma revolução intelectual no país. Perfurar camadas da sociedade e reverter mazelas”. Indagado sobre a postura política do canal, Viana avalia que a isenção é impraticável. “Todo mundo tem opinião, não existem narrativas neutras. É preciso ter posicionamento”, defende.

Sem um modelo pronto, a proposta é talhada a partir da validação do mercado. Com estética convidativa, o Brasil Paralelo totaliza mais de 800 audiovisuais exibidos. E o que antes demorava seis meses para ser entregue hoje se materializa em até 30 dias. Conforme Henrique Viana, os maiores especialistas do país falam sobre vida, liberdade e experiências exitosas pelo mundo. “Estamos formando uma elite cultural”, entusiasma-se.

Missão nas ruas e nas redes

Eles são tantos que já não são mais quantificáveis – ultrapassam milhões. Agitam a nação e saem às ruas para pedir mudança. Fizeram em 2016 e, pela internet, uniram o país num só grito: impeachment. O Movimento Brasil Livre (MBL) se veste com bandeira verde-amarela e pauta a redução da maioridade penal, a liberação do porte de arma, corte de privilégios e privatizações.

O movimento nasceu da indignação causada pela situação do país e pelo excesso de Estado, agravado com a reeleição de Dilma Rousseff. É o que afirma o coordenador nacional Rubens Nunes. Parte dos fundadores integravam um grupo local chamado Renova Vinhedo (SP) e, indignados, conclamaram a primeira manifestação contra o governo em 1º de novembro de 2014. Foi quando surgiu o MBL.

Questionado se o grupo pode se tornar uma sigla partidária no futuro, Nunes afirma que a intenção é se manter como está: “O movimento possui ramificação em todo país e atuação suprapartidária, o que nos dá liberdade para pautar o debate e defender causas importantes, de acordo com nossos ideais.” O MBL vê na internet um megafone das frustrações sociais e faz da plataforma seu principal canal de mobilização e divulgação. “Na web, temos rapidez e agilidade de informação, quebramos a hegemonia da imprensa tradicional.”

Hoje, muitos dos líderes do movimento de 2016 participam do pleito eleitoral. “Optaram por se candidatar em razão da necessidade de ocupar espaços que antes eram utilizados pela velha política. É uma forma de trazer mudanças pelo exemplo, apresentar propostas e defender pautas essenciais para o país, algo extremamente complexo se não houver representantes com mandato”, argumenta.

Escola para políticos

O Renova Brasil é uma escola de formação política que ensina a acertar no mandato. Prepara líderes de diferentes visões e partidos que compartilham a convicção de que a vida pública requer honestidade, diálogo e ação. O movimento veio da observação da sociedade. “Nunca antes se desejou tanto a renovação. A população quer novos nomes, mas não sabe muito bem o caminho. Iniciativas como o Renova BR nasceram por isso”, explica o fundador, Eduardo Mufarej.

Mais de 5 mil pessoas se inscreveram para o processo no ano passado. Eles passaram por testes online, vídeo de apresentação, entrevistas e banca avaliadora com especialistas em gestão e política. Em dezembro de 2017, foram selecionadas 133 pessoas. A formação de 220 horas durou seis meses. Para que os aprovados pudessem se dedicar à formação, receberam uma bolsa mensal entre R$ 5 mil e R$ 12 mil. O custeio é oriundo de doações de pessoas físicas, patrocinadores do programa. As inscrições para próxima turma já estão abertas e podem ser feitas pelo site do projeto.

Para Mufarej está na hora de o Brasil fazer as suas escolhas, pois o Estado cobra muito e entrega muito pouco. “Precisamos derrotar a ideia de político é tudo igual. Na democracia o voto é o principal instrumento de garantir direitos e defender interesses. Isso acontecerá na medida em que o eleitor votar com critério, estudar propostas e acompanhar o mandato”, avalia. A proposta da escola vem ao encontro de inserir talentos na vida pública e prepará-los para os desafios coletivos.

“Acredito que hoje temos a melhor safra de candidatos a deputado federal e estadual que o país viu em muito tempo, com pessoas formadas em Harvard e Yale, com projetos sociais relevantes, com histórico de honestidade e realização”, crê Mufarej. Ele diz ainda que entrar para a política não é a decisão mais óbvia para pessoas capacitadas e atuantes, por isso muitas vezes a política é ocupada por pessoas despreparadas. “Precisamos olhar com carinho para jovens lideranças e fazer com que consigam desenvolver seu repertório”, conclui.

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