Votar ainda é a melhor escolha

Um denso nevoeiro de incertezas paira sobre o Brasil neste momento. A desconfiança generalizada nos políticos, a constante judicialização de decisões do Poder Legislativo, o aumento da sensação de insegurança, o desemprego, a retração econômica e a indelével burocracia atrapalham a visibilidade dos eleitores quanto aos candidatos e suas propostas, às vésperas do pleito do dia 7 de outubro.

Isso é especialmente preocupante em um país que, em pouco mais de um quarto de século desde a retomada das eleições diretas, passou por episódios traumáticos como dois impeachments de presidentes e inúmeros escândalos de corrupção. “O voto é a principal ferramenta que o eleitor tem para influir na vida política do país. Infelizmente, grande parte da nossa população não sabe o significado e o poder do voto. A nossa escolha pode representar uma melhor ou pior qualidade de vida, pois são os eleitos que irão criar e gerenciar os impostos que pagamos. O que, por si só, já aponta a necessidade de selecionar candidatos com propostas direcionadas à melhoria de vida da coletividade”, avalia o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul, desembargador Jorge Luís Dall’Agnol.

Diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), o professor Paulo Carlos Calmon destaca alguns fatores que contribuem para um desinteresse eleitoral. “Além do cenário de incertezas normais do período, esta é uma campanha atípica, tanto pela mudança nas regras, no financiamento das campanhas, no tempo de duração, no modo de condução, como pela falta de confiança dos brasileiros nas instituições políticas tradicionais”, avalia o professor.

Somos uma nação formada por 208,5 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em agosto deste ano. Destes, 147,3 milhões são eleitores, distribuídos pelos 5.570 municípios do país – além de 171 localidades de 110 países no exterior. Porém, com a esperança de dias melhores escondida em algum lugar em meio à névoa, é grande o contingente de brasileiros e brasileiras, do Oiapoque ao Chuí, que acenam com a possibilidade de simplesmente abrir mão do mais importante instrumento popular de uma democracia: o voto.

Em seu artigo intitulado Desalento eleitoral e democracia no Brasil, o professor Homero de Oliveira Costa, titular da área de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), faz um alerta: “É fato que as eleições vão ocorrer num cenário de profundo desalento, que pode ajudar a criar as condições para o êxito eleitoral de algum ‘salvador da pátria’, com partidos sem representatividade e sob profunda descrença e rejeição”.

Na avaliação do cientista político e coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rafael Madeira, os questionamentos ao sistema não são uma exclusividade brasileira. “O voto de protesto, o chamado voto cacareco, é algo presente nas democracias liberais e não acontece só no Brasil e nem somente só agora. Há o exemplo de outros países, como o caso emblemático dos Estados Unidos, onde parte significativa dos eleitores fez o seu protesto e acabou por eleger Donald Trump, para surpresa mundial”, recordou o professor, que também é membro do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS.

Crise política potencializa a econômica

A falta de confiança dos brasileiros no setor político também tem reflexos nefastos na economia nacional. O desemprego, de acordo com pesquisas recentes, supera a casa dos 13 milhões de brasileiros. O número sobe para espantosos 65 milhões de pessoas quando se entra no tópico daqueles que não estão trabalhando e nem procuram emprego – neste cálculo estão incluídos idosos, jovens, estudantes e aqueles que simplesmente desistiram da busca por oportunidades.

O reflexo dessa legião de ausentes do mercado de trabalho na economia forma um perverso círculo vicioso: as famílias ficam mais endividadas, o consumo diminui, a indústria produz menos, mais pessoas são demitidas, menos investimentos são feitos, baixam as contribuições para a Previdência Social, mais pessoas ficam sem proteção social, aumenta a informalidade do trabalho, o Produto Interno Bruto (PIB) cai e o ciclo se fecha.

Para Calmon, a desconfiança dos investidores com relação ao resultado pós-eleição contribui bastante para o cenário negativo. “O nosso sistema eleitoral tem uma idiossincrasia: a grande formação de alianças é feita depois das eleições e não antes. Na maior parte das democracias contemporâneas, as coalisões são formadas e expostas aos eleitores antes do pleito. No Brasil, é depois. Por isso corremos sempre o risco de ver um presidente eleito sem tanta representação no Congresso, o que prejudica a governabilidade e o obriga a fazer acordos nem sempre lógicos aos seus eleitores. Hoje o risco político é maior do que o risco econômico”, conclui.

Omissão que atrapalha

Mas a omissão eleitoral – embora legítima e parte integrante do jogo eleitoral – ajudará o país a superar seus problemas? Para uma nação que ainda sonha e busca coisas básicas – mas não simples ou menos relevantes – como eficiência e transparência na aplicação dos recursos públicos, carga tributária mais justa, diminuição dos impostos e da burocracia, melhoria da infraestrutura e logística, valorização e melhoria na educação, dentre tantos outros desejos, a resposta parece ser óbvia: não.

Um dado estatístico de quatro anos atrás ajuda a elucidar isso. De acordo com números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições nacionais de 2014, quase 40 milhões de brasileiros não exerceram o seu direito de escolher o presidente da República. Dessa legião, aproximadamente 27 milhões não compareceram aos locais de votação, enquanto outros 13 milhões anularam seu voto ou apertaram a tecla branca na urna eletrônica. Os resultados dessa lacuna de opiniões não foram os dias melhores que todos desejavam.

O cientista político, sociólogo e pesquisador Alberto Carlos Almeida, sócio do Instituto Brasilis, acredita que a democracia brasileira está consolidada e não há motivo para pânico. Mas ele concorda com o risco de propostas populistas se sobressaírem.  “As críticas ao sistema político e à liberdade de imprensa são sintomas do correto funcionamento da democracia. Assim como também é a alternância de poder. As pessoas exageram com a previsão de um cenário de catástrofe, abrindo assim espaço para falsos salvadores da pátria”, defende Almeida, que é autor dos livros A cabeça do brasileiro, A cabeça do eleitor e, em junho deste ano, lançou sua mais recente obra, O voto do brasileiro.

Saída pela participação

Autoridades e especialistas acreditam que o caminho para o Brasil se reencontrar é justamente a maior participação e engajamento dos brasileiros no processo democrático. Evidentemente que fazer a correta seleção dos candidatos – seja a deputado estadual, deputado federal, senador, governador ou presidente – também não é tarefa fácil diante do grande volume de informações e, para piorar, do crescente alcance e rapidez de difusão das fake news.

Com uma população que, em sua grande maioria, não teve acesso a uma educação de boa qualidade, principalmente nas fases iniciais de aprendizado, saber interpretar, reconhecer ou separar o que é fato do que é falso se tornou um grande desafio para o Brasil como sociedade.

Alberto Carlos Almeida acredita que, além das escolhas corretas na hora de votar, a pacificação do país passa pelo do desempenho da economia. “Quando a economia vai bem, está todo mundo satisfeito. Mas qualquer governo em um mundo democrático depende do voto para ter legitimidade”, sintetiza o cientista político.

Já Calmon projeta que estará nas mãos do próximo presidente eleito a reunificação. “As eleições por si só não vão resolver a polarização. Vai depender do que o candidato que vencer irá fazer. O que me traz um certo otimismo, apesar da zona de turbulência que ainda deveremos ter em 2019 e, talvez, até 2020, é que começa a haver a discussão sobre uma reforma política e institucional mais profunda”, diz o professor da UnB.

O desembargador Jorge Luís Dall’Agnol lança um olhar para o futuro político nacional. “Para reverter esse cenário de falta de confiança, penso que o caminho mais apropriado seja o diálogo. Amplo diálogo entre sociedade e instituições. Ampliar os meios de participação política do cidadão. Criar mecanismos que possibilitem e assegurem práticas que procurem de fato solucionar os problemas que afligem a população. É preciso que o desencanto ceda lugar à possibilidade de se tirar lições desse quadro desalentador. E tais lições devem servir de aprendizado para aprimorarmos nossa participação política desde já. Políticos, partidos, instituições e eleitores. É como se diz com frequência: se não podemos refazer o que já foi feito, ponhamos um final no ocorrido para dar início ao que está por vir. Iniciemos já!”, conclama o presidente do TRE-RS.

COMO FAZER UMA BOA ESCOLHA

Mais participação e engajamento dos brasileiros são fundamentais para aprimorar o processo democrático. Fontes consultadas pela VOTO destacam cinco maneiras para fazer isso:

  1. Acompanhe a propaganda eleitoral, as redes sociais e tente participar das atividades de campanha dos candidatos para conhecer melhor suas propostas e suas visões sobre diferentes temas
  2. Procure checar os projetos e as informações divulgadas nas redes sociais, sejam elas favoráveis ou contrárias ao seu candidato de preferência
  3. Investigue o passado do seu candidato, veja se ele já foi alvo de algum processo ou possui alguma condenação
  4. Antes de passar adiante alguma informação recebida em um grupo ou em suas redes, busque averiguar a veracidade da mesma. Isso evitará que você seja usado como um multiplicador de fake news
  5. Não deixe para conhecer os candidatos e suas propostas na última hora. Isso poderá levar você a uma escolha superficial e aumentará o risco de frustração após a eleição

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