“Work in progress, death in progress” – Por Eduardo Vieira da Cunha

Olhar a morte na sua própria face: escondida atrás de uma obsessão da continuidade da vida na construção de uma obra, poderia estar a vontade do artista de ser sempre lembrado, tornando-se assim imortal? Não seria esta a angústia que move a arte? Desejo de eternizar a vida em uma forma, de  paralisá-la através da imagem: “…na origem do desejo de imaginar, figuraria a vontade de dar uma imagem ao desejo”, diria Jean Lancri.

Muitos artistas trabalham com o tema da morte, e tratam de seu próprio corpo como se fosse um diário, algo que acompanha a evolução do tempo, passando pela doença e pela velhice. Eles efetivam, a partir desta angústia, a construção de uma obra original, seja ela em fotografia, como Robert Mapplethorpe (1946-1989). Fazer de seu corpo o motivo da obra significa não parar de registrar as modificações da idade e, portanto, o progresso da morte.

Aqueles que desapareceram, se perderam na noite escura. Estão privados da vida, privados da luz. Ausências, abandonos, carências. Trabalhar com arte significa trabalhar a partir de privações, de faltas. E de buscar realizar o desejo de algo ausente. Da mesma maneira, como em um teatro noturno, encenar a  chegada da morte significa, para certos artistas, afirmação antes da negação,  como mártires de sacrifícios simbólicos. Esculpir com as sombras. Partindo das trevas, das ausências, das faltas, poderia o artista estabelecer uma aliança com a noite, transformando-a em material plástico?  Procurar a noite, como aquela que nunca vivenciamos realmente, como o ocaso final?

“Aliás, são sempre os outros que morrem”. Estas foram as palavras escolhidas por Marcel Duchamp (1887-1968), como epitáfio para a pedra de sua tumba em Rouen, na França. Uma afirmação que oscila entre o ver-se a si mesmo imortal, e como um outro, alteridade indispensável para o reconhecimento de sua obra para toda a eternidade. A arte tem esta particularidade de precisar da aprovação do olhar do outro para realizar-se.

Por isso o artista vive em um dilema: de um lado, precisa construir uma obra original, sem se preocupar se está ou não agradando. De outro, espera pela aprovação do que faz. E esta aprovação, por ironia máxima do destino, muitas vezes não acontece em vida, como vemos em muitos casos clássicos de artistas que, como Van Gogh (1853-1890), viveram pouco, enfrentando dificuldades, sem ver seu sucesso.

Porque fazer algo, se temos a convicção de que, se nós morrermos, a arte, como toda a atividade será em vão? Este seria o segredo do artista: ele sabe que a arte não será em vão. A intenção certamente não é a de fazer um pacto com a morte, mas a de antecipar-se a ela, preparando-se para as suas surpresas. E viver assim em uma eterna infância, que é algo que não cessa de morrer em cada um de nós, para depois renascer.

1 Swimmer. Artista: Bruce Weber (1983). Fotografia

2 Estudo sobre a morte. Artista: Vincent Cordebard (1991)

3 Autorretrato . Artista: Robert Mapplethorpe (1988)

Por EDUARDO VIEIRA DA CUNHA, Artista plástico e professor do Instituto de Artes da UFRGS

ecunha@cpovo.net

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