CLEBER BENVEGNÚ: É POLÍTICA

Vivemos uma experiência de novo tipo na política brasileira: a polarização. Esse fenômeno, aparentemente incômodo, tem viés ideológico. Parece chato e inócuo, e talvez seja mesmo. Mas isso também atende pelo nome de democracia.

Ocorre que, até ontem, antes das redes sociais, a esquerda dominava praticamente sozinha a maior parte dos vetores que formam a opinião pública. A estratégia de ocupação de espaços e hegemonia cultural funcionou em toda a América Latina: tomou sindicatos, setores da Igreja, imprensa, pedagogia, advocacia, cultura, academia, publicidade e, por fim, o poder. Não por outro motivo que quase todos os países da região tiveram, ao mesmo tempo, governos de viés socialista.

A novidade é que surgiu um contraponto consolidado, reto, direto, duro e permanente. E não se trata apenas de Jair Bolsonaro. Há um Brasil profundo e concreto nesse jogo: dos “tiozões de WhatsApp”, pessoas simples, trabalhadoras, o povo que até ontem, sem Face e Insta, não tinha audiência. E agora fala, cria grupo, forma opinião e mobiliza gente. Não é mais a social-democracia, uma meia polarização. Hoje a direita se assume. São jovens liberais e conservadores que estudaram, estabelecem paradigmas, não aceitam verdades empacotadas. O buraco desse embate é bem mais embaixo.

Entender tudo exige ir além de julgar os modos e atitudes de Bolsonaro. Esse é um dado factual importante, claro, mas não pode ofuscar as razões populares mais enraizadas que motivaram a mudança do eleitor. Com abertura e honestidade intelectual, talvez encontremos motivações elevadas para as novas escolhas da população brasileira e latino-americana. Vale para a direita não pensar que é a nova dona das mentes, para a esquerda exercitar a autocrítica e para os isentos deixarem seus mornos confortos.

Política é terreno de criação de consensos e harmonia social. Mas, por essência, também é ambiente de disputa intelectual, de visão de mundo, de valores. De ideologia. Ressalvados os excessos, a intolerância e o bloqueio de diálogo, essa nova dialética é mais coerente com a vida que pulsa nas ruas. Talvez o que incomode alguns bem-comportados não é o conteúdo da disputa, mas o fato de que agora a disputa de fato existe. As redes sociais inauguraram a era em que o povo fala, e isso gera uma aflição danada a quem falava sozinho. Viva a liberdade!?

Cleber Benvegnú é  Jornalista, sócio-fundador da Critério – Resultado em Opinião Pública

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