Eles não vieram em vão

De sangue novo, eles fervilham transformação. Conheça a história de quem multiplica resultados tendo espírito público e inovação como bússola

O período das vacas gordas, definitivamente, não é a vida do Brasil real. De sul a norte, o sentimento do brasileiro é o mesmo: medo de futuro. Apreensão com a economia que patina, com o resultado das urnas, com o esgotamento material de Brasília.

Apesar das dores sociais, fazer do país terra arrasada seria negar abundâncias produtivas e a capacidade do capital humano que empurra o país para frente. Para se desamarrar das agruras coletivas, há quem reinvente caminhos e acelere o ritmo da passada para chegar mais longe. Esses, inspiradores onde estão, multiplicam otimismo pelo Brasil afora e provam – a si e à sociedade – que o atrito da hora áspera do presente serve de oportunidade para avivar a esperança no coração brasileiro.

São quatro histórias. Trajetórias cruzadas por facetas singulares: o vigor da juventude, a inquietação por empreender e a certeza de que vir ao mundo em vão seria inútil demais. Roberto Sirotsky abriu mão de seguir os negócios da família – o maior conglomerado de comunicação do Rio Grande do Sul – para fazer as suas vontades. Viu o projeto de um garoto, em menos de dez anos, transformar-se na maior agência de marketing do Brasil. Une criatividade e business para fermentar uma história criada por ele.

Exemplo de inovação e primor nas suas obras, Carlos Jereissati Filho recolhe bons exemplos pelo mundo. Repara até como lhe servem o café e, a partir do que vê, implementa soluções nos 17 shoppings centers do Grupo Iguatemi.

Jereissati Filho também é colega de Patricia Ellen no AGORA! – movimento de jovens empreendedores que propõe uma nova agenda de prioridades para a política. Professora de liderança pública, transita entre governos municipais e estaduais com propostas de gestão profissional. Em 2016, foi indicada pelo Fórum Econômico Mundial como líder global. Apenas duas brasileiras estavam na lista.

Paula Paschoal, CEO do PayPal, completa a lista. De tato apurado para venda, faz negócio por onde cruza. Em casa, é mãe de duas crianças de colo. No trabalho, comanda a operação brasileira de uma empresa que opera em 200 países.

A Revista VOTO conversou com cada um deles. E ajudará você a entender, a partir da próxima página, por que essas quatro pessoas – tão diferentes entre si – são exemplos de líderes da nova geração.

Carlos Jereissati Filho

Triunfo onde encosta

Carlos Jereissati Filho (47) põe espírito inventivo e senso estético apurado, atributos seus, em tudo que toca. Detalhista, faz de minúcias resultados robustos. E assim, diverte-se e empreende num dos mais principais conglomerados de shoppings centers do país. De fino faro, trouxe ao Brasil as 50 mais reconhecidas marcas do mundo e, em 2017, foi eleito uma das 500 personalidades mais influentes da moda pelo The Business of Fashion.

Vindo de um dos berços mais tradicionais do Ceará e de São Paulo, sustenta-se pelas entregas que apresenta e faz do tino inovador fermento para o boom do luxo acessível. “Fazer algo é muito mais importante do que ser alguém”, expressa. Ele costuma ver o seu negócio com as pupilas do cliente e enxerga similaridades entre política pública e varejo. Para ele, quem compra e quem vota tem o mesmo critério de inteligência.

Do tamanho do futuro, o prisma do Grupo Iguatemi é de prosperidade. Ampliar, construir e fazer crescer são verbos incorporados ao vocabulário de quem vislumbra na crise porta aberta para o novo. Assim como no mercado, Carlinhos – como é chamado por amigos – defende que na política é preciso de saúde financeira, contas em dia. São obrigações para a reconstrução e o recomeço.

 Na política, a prova para ser CEO é o voto. Hoje, o setor privado se reinventa, e a política pública patina. O que falta no gestor público e o que o mundo coorporativo pode ensinar?

O setor privado avança porque sabe que reina o consumidor e, por isso, trabalha incansavelmente para atender suas expectativas – ou algum competidor o fará. O novo político precisa entender que não existe distinção entre cidadão e consumidor. Esse novo brasileiro aprendeu a viajar pelo mundo, acompanha tudo pela internet, demanda informação e transparência e, portanto, demandará cada vez mais por serviço de qualidade e rápido atendimento para os seus problemas.

O setor público precisa mudar a sua dinâmica e aprender a criar formas de competição interna. O primeiro passo é rever os incentivos aos servidores públicos e trabalhar cada vez mais usando tecnologia para que sua intermediação seja menos necessária.

A grande transformação do homem público nas próximas décadas só ocorrerá se houver a generosidade de entender que o seu papel será muito mais de dar espaço para que o cidadão possa resolver seus problemas sozinhos com o uso de tecnologia.

 O Grupo Iguatemi se tornou referência no varejo. São 17 shoppings espalhados pelo Brasil. Mais do que manter o sucesso, dados de faturamento e atração de marcas internacionais apontam crescimento e visão repaginada de negócio. Qual a fórmula para crescer mais?

Evoluímos muito nas últimas décadas em todos os aspectos. Me orgulho de acompanhar esse crescimento mantendo a qualidade de nossas operações e a cultura de excelência que conquistamos. Inovação também é um grande valor, essencial para que continuemos crescendo, atendendo o consumidor que hoje é exigente e rápido nas suas demandas.

O crescimento do Iguatemi ocorrerá através de novos projetos, expansões e aquisições de empreendimentos. Além disso, precisamos nos reinventar usando tecnologias disponíveis para identificar melhorias no atendimento das necessidades dos nossos clientes e atendê-los em todos os momentos da jornada de consumo.

 Ser da família Jereissati abre portas? Até onde pesa o sobrenome e até onde você é visto pelo espírito empreendedor e criativo que tem?

O nosso nome a gente constrói todos os dias, através de atitudes, da maneira como enxergamos o mundo e das decisões que tomamos. Tenho orgulho do meu sobrenome por tudo aquilo que ele representou e representa para o Brasil, não só na esfera privada, mas também na esfera pública. Tem uma frase que eu gosto muito que diz o seguinte: “No passado era tudo sobre fazer alguma coisa, hoje é tudo sobre ser alguém”. Acredito que fazer algo é muito mais importante do que ser alguém. Fazer a coisa certa é fundamental, e todas as pessoas que pensam dessa maneira estarão contribuindo para o avanço coletivo.

 Você é reconhecido por ser detalhista. Reparador de boas práticas, aprimorador de inventos simples. O que precisa melhorar no negócio para fazer a diferença no resultado?

Cada companhia tem a sua cultura. E para nós, um dos grandes valores é o cuidado com os detalhes, a excelência em fazer as coisas. Essa nossa maneira de ver o mundo é valorizada pelos clientes e acaba fazendo com que as pessoas voltem e queiram estar sempre em nossos shoppings. Isso, para mim, se traduz no resultado que buscamos.

 Se o Brasil fosse o Iguatemi, e você o presidente do Brasil, quais seriam as medidas emergenciais para virar a chave?

Seria certamente colocar o cidadão no centro de tudo. Cada política desenvolvida deve levar em conta as reais necessidades do cidadão brasileiro. Para uma companhia estar saudável, ela precisa ter suas contas em dia, isso é uma obrigação essencial para o país. Acredito também na máxima do presidente Macron, recém-eleito na França, de que o Estado deve liberar energia daqueles que têm potencial e cuidar daqueles que são vulneráveis.

Devemos ser também cada vez mais transparentes onde não cabem mais privilégios de sorte alguma e reconhecer que ninguém sozinho vai poder fazer tudo. A parceria entre o setor privado e o público, integrado à sociedade civil, é vital para o Brasil dar certo.

Paula Paschoal

Vento favorável à vista

“A ambição nunca me guiou na carreira. A paixão sempre fez isso”, afirma Paula Paschoal (37), CEO no Brasil do PayPal – maior empresa global de pagamentos do mundo. Com veia de vendedora e foco quase budista, perguntava-se: “Qual problema posso ajudar a solucionar?”. As respostas para Paula vieram. Tornou-se diretora da companhia no meio de uma pós-graduação de vida, a de ser mãe. No fim de 2017, com Maria (3) e Ana (1), emancipou-se para a liderança tendo a virtude da cumplicidade como chave. “O líder precisa andar junto”, define.

Ela vê no terreno da inovação – sua área de trabalho – porta aberta para o erro. À vista das dúvidas, aposta numa equipe de olhares, gêneros e visões plurais para talhar o negócio. No PayPal, 50% dos cargos de chefia são ocupados por mulheres. E Paula, no topo da pirâmide, é exemplo de equilíbrio e entrega. Nunca é provedora de serviço – apenas. Apresenta-se como parceira, sempre. Faz pontes para o estreitamento das relações e defende que não há foco sem alegria. “Existe foco quando há amor pelo trabalho”, simples.

Entre os desafios do presente e do futuro, está a desmistificação do medo das pessoas de comprarem pela internet. E o convencimento de que investir no online é prática crescente, segura e favorável. Hoje, apenas cerca de 4% das compras do varejo são feitas online. Há, portanto, vento favorável para o crescimento.

 O varejo mudou. Hoje o mercado virtual o abraça com intensidade. Qual é o principal medo do consumidor e qual é a segurança que ele precisa ter?

A segurança ainda é importante quando o consumidor quer fazer uma operação online. O índice dos consumidores brasileiros que ainda têm algum receio de que seus dados sejam compartilhados está em torno dos 47% – segundo pesquisa divulgada pelo PayPal ano passado. A média mundial é de 44%. Então, falamos em quebrar paradigmas: o comércio online é mais seguro do que o comércio tradicional. A questão diz muito mais respeito às informações que precisam chegar a esse consumidor. De qualquer forma, também é uma questão geracional. Entre os consumidores mais jovens, das gerações Y e Z, o índice de desconfiança cai muito, para cerca de 30%.

O importante é demonstrar que conveniência e segurança podem andar juntas. O fundamental é mostrar que essa conveniência representa mais comodidade, e não riscos. O botão de compra da rede social, por exemplo, representa uma chance a mais para que a loja online converta vendas. No caso do PayPal, como não dividimos dados pessoais e financeiros com o lojista, pouco importa como o cliente inicie a compra.

O PayPal investe diariamente em novos modelos de segurança da informação. Um deles reúne mais de 80 campos durante o processo de compra via mobile para identificar se é ele mesmo que está usando a conta PayPal. Esses pontos permitem à empresa compor uma assinatura digital comportamental única.

Assistimos, nos últimos 10 anos, a uma evolução gigantesca de segurança do e-commerce. E o PayPal é um dos players mais importantes do mercado nesse assunto. Hoje, contamos com tecnologias impossíveis de se imaginar no passado – combinam inteligência artificial e big data para diminuir progressivamente o risco de fraudes.

 A tecnologia pode rever o hábito de consumo ao ponto de tornar a venda online superior à venda física? Qual a visão de futuro sobre a possibilidade?

Com certeza. Estamos assistindo a esse movimento: a migração do comércio de loja física para o e-commerce é tendência mundial. O comércio mobile, realizado por smartphones, cresce a cada ano. Isso está relacionado à diminuição do protagonismo do papel moeda, que varia entre os países. Os alemães ainda usam muito dinheiro, mas na China 95% das pessoas realizam pagamentos móveis. A China mostra o caminho: o número de dispositivos móveis está explodindo. Em cinco anos, haverá seis bilhões de smartphones no mundo. Soma-se a isso a rápida digitalização do dinheiro.

Em países como o Brasil, o dinheiro ainda é ferramenta de compra importante. Diferentemente de nações europeias, como Suécia e Dinamarca, que já têm até data para o fim do dinheiro físico. Não tenho dúvida de que estamos a caminho, no mundo todo, do fim do dinheiro e da economia offline – ela representa mais riscos para quem vende e para quem compra do que o meio online. E também garante ao governo e às instituições financeiras mais controle sobre os negócios realizados com moeda corrente, o que também diminuirá fraudes e sonegações.

A tendência é que os pagamentos, em pouco tempo, sejam quase todos feitos por via eletrônica. A capacidade dos aparelhos móveis para incluir, no mundo financeiro, uma população mundial que não tem conta em banco nem acesso à internet é uma inclinação comprovada. É uma questão importante e urgente: inclusão digital, compromisso global do PayPal, que trabalha em estratégias para democratizar a gestão e a movimentação de dinheiro para consumidores.

 Você tem uma veia vendedora muito forte e, pelo que diz, vive a dor do dono. Sente-se dona de onde está. O que inspira fazer a empresa crescer e onde vocês miram estar?

Minha inspiração vem da conexão com os valores do PayPal e a sintonia com esse mercado. Acredito no potencial da inovação e da tecnologia, que já cresceu bastante, mas que ainda apresenta espaço para expandir. O Brasil é o maior mercado do continente depois dos Estados Unidos. São milhões de potenciais consumidores. E o brasileiro é um entusiasta da tecnologia.

 Mulher, muito jovem, mãe de duas filhas e uma das principais CEOs do Brasil, como equilibrar esses mundos?

Acredito que é possível ser mulher, mãe e profissional de grande performance ao mesmo tempo. E se você faz o que gosta, fica muito mais fácil dar equilíbrio à vida. Minha família, minhas filhas são, claro, motivações para tudo o que eu faço. E fazer parte de uma empresa tão inovadora, que tem mudado a maneira como as pessoas consomem, gerenciam seu dinheiro, pagam suas contas, recebem pagamentos, certamente é um gás diário para seguir.

Conciliar diferentes papeis também me ajuda a enxergar a importância de trabalhar não somente por números e resultados, mas em busca de um legado social.

 O Brasil hoje vive uma carência de novos líderes. Diante do esgotamento de valores, quais são os atributos de uma liderança agregadora?

Um bom líder estrutura equipes com peças que se completem. É fundamental que as empresas trabalhem, de forma genuína, a criação de equipes com alto grau de diversidade. O sucesso da companhia é resultado, também, da maneira como engrandece a dedicação de cada pessoa, respeitando a individualidade e a diversidade de pensamentos.

Dar espaço para que cada colaborador contribua com sua experiência agrega valor ao resultado de entrega aos seus stakeholders. Equipes plurais trabalham e pensam mais e melhor, chegam a soluções mais interessantes e eficazes. Sou uma líder que cobra dos meus times, mas que também acredita no potencial de todos eles. No PayPal, atingimos nossos objetivos de forma eficaz porque combinamos pessoas diferentes em nossas 55 equipes espalhadas pelo mundo.

O que o PayPal aplica de gestão de negócio que poderia ser replicado em governos?

Globalmente, o PayPal possui o compromisso de fomentar a inclusão financeira, investindo muito em países com grande quantidade de pessoas economicamente ativas – embora ainda fora do ecossistema bancário e financeiro. Segundo dados do Banco Mundial, existem 2,5 bilhões de desbancarizados no mundo. Por isso, trabalhamos estratégias para democratizar a gestão e a movimentação de dinheiro para consumidores e vendedores, cooperando nas migrações de dinheiro físico para pagamentos digitais.

Usamos a tecnologia para tornar os serviços financeiros inclusivos e acessíveis. Políticas públicas de inclusão digital são essenciais e um caminho sem volta para o crescimento das economias.

 Política, economia e negócio são dinâmicas indissociáveis. Como governos podem colaborar com o setor e como o setor pode cooperar para a retomada do Brasil?

Fintechs têm grande potencial para impulsionar o crescimento econômico e aumentar a saúde financeira de bilhões de pessoas em todo o mundo. É importante seguir democratizando os serviços financeiros para criar uma economia inclusiva que estimule a participação financeira e permita a indivíduos e comerciantes autoridade e gerenciamento sobre suas aspirações econômicas.

E somente as tecnologias disruptivas, como a que o PayPal representa, são capazes de incluir essa população no mercado. Para nós, que trabalhamos cotidianamente nesse cenário de virtualização do dinheiro, significa poder de compra para os mais pobres e economias mais pujantes – com menores índices de corrupção. A melhor maneira de fazer com que a população de um país vislumbre a melhora no seu dia a dia é produzindo riqueza. E só se produz riqueza integrando as pessoas à economia.

Outro ponto é o fomento de parcerias com concorrentes tradicionais e reguladores governamentais – para ampliar o alcance dos serviços e criar base de colaboração e inovação. Para impulsionar o crescimento real e realizar mudanças, serão necessárias parcerias em vários níveis para promover impactos econômicos e socioeconômicos verdadeiros e duradouros.

Patricia Ellen

Fé na transformação do Brasil

Não há transformação sem conhecimento – eis a visão de Patricia Ellen (40), professora de gestão pública, uma das fundadoras do movimento AGORA! e Young Global Leader no Fórum Econômico Mundial. Ela preside a Optum, empresa de serviços de saúde e inovação, no Brasil. Também integra o Conselhão ligado à Presidência da República. Mãe das gêmeas Ana Vitória e Maria Luiza (3), tem coração grande. Também pudera: no primeiro grau da árvore genealógica, são 115 pessoas distribuídas em São Paulo, Sergipe e Goiás.

Diante dos contrastes que a vida sempre lhe pôs a olhos nus, inspira-se a buscar soluções inovadoras para combater a pobreza e as desigualdades sistêmicas do Brasil. Em 2005, após período sabático para maturação de pensamentos, abriu uma escola gratuita de inglês na Favela do Real Parque – subúrbio sergipano onde sua avó, Celina, chegou há 50 anos num pau de arara abraçada nos 16 filhos que tinha.

Convicta dos seus sonhos e fins de engajamento cívico, especializou-se em gestão pública pela Harvard Kennedy School e, a partir de então, dedica-se a melhorar a vida das pessoas. Crê que só a união entre ideias e práticas tem a força necessária para transformar o país. “Eu acredito muito nisso. Eu acredito muito no Brasil”, persevera.

Você tem uma trajetória muito interessante. O que levou se dedicar aos setores público e privado interessada sobre o futuro da saúde, do emprego, a qualidade de vida nas cidades?

Venho de família humilde, minha avó é retirante nordestina do Sergipe, meu pai começou a vida como feirante, minha mãe é filha de um garimpeiro e de uma índia. Minha família também é grande e passa por grandes desafios na saúde. Acompanho de perto a questão da tripla carga de doenças. Tenho tias, por exemplo, que tiverem de conviver com a doença de chagas por toda a vida. O Brasil é o país das doenças infecciosas. Ao mesmo tempo, convivemos com causas externas, como a violência e o uso de drogas. Há também o envelhecimento da população. Estamos progredindo bastante em relação à expectativa de vida, mas ainda temos muitos desafios de recursos à tecnologias, pilares na promoção e acesso à saúde em regiões remotas. Tudo isso inspira no trabalho. Unir tecnologia, saúde e a melhoria no processo de liderança e gestão público-privada.

No Centro de Liderança Pública, você ensina didaticamente práticas aplicáveis a governos. Entende que o conhecimento de gestão é determinante para endereçar essas questões no país?

Como professora, tive a chance de compartilhar com líderes do setor público uma reflexão importante sobre o processo de liderança e o alinhamento com propósitos e valores. Tem sido inspirador e um grande aprendizado. Aliás, aprendi mais do que ensinei. Dou aula para secretários, prefeitas, delegadas e acompanho o dia a dia dessas pessoas. O mais bonito é que, além de compartilhar o conhecimento técnico, trabalhamos juntos a relevância no contexto atual do Brasil e ajudo a promover o resgate do verdadeiro sentido do serviço público. Eu acredito muito nisso. Eu acredito muito no Brasil. E eu acredito que, se conciliarmos uma visão técnica de gestão robusta com o resgate do valor do serviço público, conseguiremos fazer uma transformação incrível no país.

Você é uma das fundadoras do AGORA!. Quais são as contribuições desse movimento para a construção de uma agenda positiva voltada para políticas públicas?

O AGORA! é um movimento criado exatamente para fazer a ponte entre a geração analógica e a digital, para que possamos pensar o Brasil do futuro agora. A proposta gera agendas propositivas, pensando o Brasil do futuro em 12 áreas prioritárias. Acabo me envolvendo mais nas agendas de saúde, de GovTech e de cidades. Mas também há ideias para educação, segurança pública, combate à desigualdade, gestão eficiente dos recursos, sustentabilidade e reforma do Estado. Temos vários núcleos de pensamento com especialistas de ponta, tanto dentro do grupo como fora, que estão pensando nessas agendas. A grande contribuição é colocar o trabalho à disposição de quem quiser implementá-las tanto no serviço público como no privado ou na academia.

 Em 2016, o Fórum Econômico Mundial indicou 121 jovens como Líderes Globais. Na lista, há apenas dois brasileiros, e você foi uma delas, reconhecida pelo trabalho de transformação em governos. Na prática, quais foram as propostas e os resultados?

Fiquei muito lisonjeada. O trabalho destacado foi o de inovação digital e educação e desenvolvimento econômico. Durante o período de consultoria, fiz muitos projetos de gestão pública em municípios, estados e no Governo Federal. O grande avanço que percebo é nos gestores públicos – em especial prefeitos das grandes, médias e pequenas cidades – são processos de planejamento estratégico e de gestão. Temos vários exemplos colocados em prática. Trabalhei muito em cidades como Fortaleza, Salvador, São Paulo e consigo ver quadros técnicos muito bons em todas as cidades fazendo um acompanhamento rigoroso de planejamento. Independentemente do contexto, que é muito desafiador no País, vejo que o Brasil tem hoje um bom quadro de gestores técnicos. Trazer técnica de planejamento e transparência de gestão pode nos proporcionar grandes resultados na educação, na saúde e na aplicação da tecnologia para a melhoria da gestão.

Em dezembro de 2017, você foi nomeada pela Presidência da República para compor o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), também chamado de “Conselhão”. Na sua avaliação, quis são os avanços do colegiado?

Essa é uma iniciativa bastante positiva. Trabalho como conselheira há menos de um ano, mas antes atuei como consultora e moderadora, liderei algumas mesas de discussão sobre governo digital e sobre o Brasil do futuro. Durante este tempo no CDES, pude perceber evoluções significativas, por exemplo, na gestão interna, onde o percentual de participação de diversidade de gênero e racial aumentou. A participação feminina cresceu 83% desde 2016. Hoje, quase 40 mulheres compõem o grupo representa diversos setores da economia. Atuei também em reformas que estão sendo propostas. Por exemplo, muita coisa sobre a Reforma Digital foi debatida dentro do CDES, sob a temática “O Brasil Digital”. Os debates são organizados em grupos de trabalho, e as recomendações são entregues à Presidência. Em março de 2017, o presidente recebeu 15 indicações sobre cinco áreas e determinou aos ministérios que formulassem políticas relacionadas à desburocratização e ao ambiente de negócios. No fim, 68% das propostas foram executadas.

Na sua avaliação, quais são os principais desafios do sistema de saúde no Brasil?

Temos três sistemas de saúde em um. É um país muito peculiar, pois ainda temos uma grande incidência de doenças infecciosas, um quadro de causas externas bastante relevante, além de um país envelhecendo rapidamente – cujas doenças crônicas são a maior causa de mortalidade. Soma-se a isso o fato de que o sistema tem desafios significativos de recursos. Temos três sistemas com necessidades diferentes e escassez de dinheiro. Diante do cenário, a tecnologia tem papel fundamental para termos o Brasil como referência no mundo – de como trabalhar a saúde de forma inovadora e eficiente, alavancando recursos tecnológicos. É o que me levou a assumir uma empresa de tecnologia para a saúde no Brasil.

Quais as transformações necessárias para impactar o sistema público de saúde? E como a iniciativa privada pode contribuir?

As transformações importantes para impactar o sistema público de saúde são a integração dos sistemas – público, privado e social – e a integração dos dados dos pacientes para que eles possam levá-los onde estiverem. Hoje, temos uma grande fragmentação dentro de cada sistema. Para isso, precisamos de tecnologia, integração de dados, processos de governança transparente e gestão eficiente. Temos um sistema de saúde com desafios significativos, mas há saída e respostas claras para isso. Então, com disciplina, tecnologia e gestão, acredito que conseguimos resolvê-los. Fundamental, sem dúvida, é parceria direta com os setores público, privado, academia e os melhores especialistas do mundo trabalhando de forma integrada.

Roberto Sirotsky

Feitor das suas façanhas

Roberto Sirotsky (31) é herdeiro de uma das famílias mais tradicionais da região Sul. Abriu mão de seguir enraizado aos negócios do Grupo RBS – maior rede de mídias integradas do Rio Grande do Sul – para caminhar com as próprias pernas aos 22. Ou correr, pode-se dizer. De 2007 pra cá, transformou seu simples projeto de negócio, empreendido entre amigos entusiastas, em uma das mais completas agências de marketing do país. Em recente fusão, transformou a 3YZ em Ogilvy Brasil – empresa global do grupo WPP, o maior do mundo no segmento.

O porto-alegrense há três anos mora em São Paulo, onde divide a casa com a esposa Catarina, o primogênito José Roberto (2), e a filha que nasce em dezembro. Tem aprimorado o tempero do churrasco e, quando consegue, acompanha o Grêmio pelos estádios do Brasil. Agora, está se preparando para correr a São Silvestre. Precisará de fôlego para completar os 15km – fichinha para quem espera chegar muito mais longe. Na juventude, se dedicou ao tênis. E lembra com orgulho, que aos 12 anos, venceu o argentino Del Potro – tenista que chegou a ser o 4º melhor do mundo.

Da área de Administração experimentou a publicidade no mercado e, de tanto experimentar, venceu o prêmio Empresário de Comunicação do Ano, da Associação Rio-grandense de Propaganda, em 2016. De longe acompanha a Maromar, family office que une as primeiras sílabas de Maurício, Roberto e Marina, filhos de Nara e Nelson. Os valores ensinados aos Sirotsky são os mesmos que compõem a filosofia de seu negócio. Iguais também aos que inspiram o Beto: confiança é ponto de partida, trabalho dá sentido à vida e com coragem se chega lá.

Na juventude, você chegou a ser o número 1 do ranking nacional de tênis. Treinava diariamente e, inclusive, morou fora do Brasil para se aprimorar. Colheu que lições do esporte para a vida?

De fato, por muito tempo, pensei que o meu futuro estaria no esporte. Para treinar, morei primeiro na Espanha e depois em Santa Catarina. Vivia isso com muita intensidade. Essa fase me fez amadurecer bastante. Aprendi que ninguém vence sem objetivo bem definido, trabalho duro e muita concentração. Aprendi a ter foco claro. Aprendi que mesmo na adversidade é preciso de serenidade para resolver os problemas.  Aprendi que você sempre ganha, até mesmo quando perde. A experiência ensina. A vida é o acúmulo do que se faz, se tenta e aplica.

 Até onde o sobrenome abre portas e até onde você precisa fazer por você para que o crescimento venha?

Aumenta a rede de relacionamentos, é verdade. Mas um sobrenome não sustenta quem quer que seja por muito tempo. O que legitima a sua imagem num mercado tão competitivo é o bom trabalho, resultados e entregas. Sempre fui muito dedicado, curioso pelo aprendizado e perseverante. Nunca desisti no primeiro não. Tentei muito e sigo tentando. O êxito é sempre decorrência do emprego do esforço.

Como começou a empresa 3YZ, onde ela chegou e o que a fusão com a Ogilvy Brasil representa? Onde, de fato, se quer chegar agora?

Me formei em Administração de empresas pela PUCRS e optei em não fazer a graduação com ênfase em sucessão. Desde lá, sabia que precisava inovar, desde jovem conciliava o tênis com a adoração que tinha por tecnologia. A partir daí, startamos com serenidade responsável o projeto da 3YZ, em 2007. Inicialmente, com amigos, nosso produto de comunicação eram os anúncios na internet. Toda essa lógica específica. Com o tempo, nosso cardápio criativo de oferta cresceu e nos especializamos como agência de comunicação digital completa. Nos consolidamos no mercado gaúcho com clientes importantes no cenário de mercado. Agora, vivemos uma etapa nova. Tudo passa a ser Ogilvy Brasil. São escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Mais de 500 funcionários e clientes importantes no país.

O que é ser criativo? Embora seja um administrador naturalizado publicitário pela expertise de trabalho, o que é uma estratégia inteligente para o mercado?

A boa proposta no marketing se ampara num tripé: verdade, simplicidade e tensão. A ideia precisa ser genuína, conversar com o cliente e causar uma reação de impacto, mexer com quem sente, com quem vende e com quem compra. A criatividade precisa impactar diretamente nas negociações de venda, o interesse de quem nos contratar. É criativo e bom tudo que alavanca os processos de venda. Com respeito, claro, às regras da boa publicidade.

Como se enxerga nos próximos dez anos? Vislumbra a possibilidade de acompanhar mais de perto os negócios da família ou a intenção é seguir na aposta de uma trajetória paralela?

A minha rotina é tão corrida que a agenda da próxima semana é incerta, quem dirá os planos para os próximos dez anos. No futuro também quero ser presidente do Grêmio, é uma brincadeira com fundo de vontade de verdade. Aliás, o tricolor é o meu time e acompanho os jogos sempre que posso e tenho tempo. Hoje, fazer parte da direção do Grupo RBS não está nos meus planos, estou muito focado na Ogilvy, mergulhado nisso, em fazer o negócio crescer ainda mais. Estou concentrado na prospectação de novos clientes. No entanto, no futuro, não descarto nenhuma possibilidade. As pessoas da família estão cuidando dos negócios muito bem. Não descarto a chance de, lá na frente, também colocar o meu nome à disposição para algum cargo eletivo. Tenho muita vontade de contribuir mais com a política do país.

Como vê o cenário político do Brasil? O que falta no eleito e o que falta em quem elege?

Para o político, falta mais planejamento e aplicação de processos de gestão para aprimorar os serviços públicos. Falta, muitas vezes, um quadro técnico mais competente, não somente nomeado por apadrinhamentos políticos. Mas é preciso também lembrar que temos bons gestores, honestos e preocupados com as boas causas. Muita coisa na política é boa e funciona. Para o eleitor, falta pensar mais no amanhã – visão a longo prazo, estudar a fundo os candidatos, suas bandeiras e as necessidades do Estado e do país. Eu participei do início do projeto Agenda Brasil do Futuro, debatíamos sugestões de políticas públicas para o aprimoramento de serviços. Infelizmente me afastei pelo acúmulo de agendas, mas é vital que a sociedade participe mais, sugira mais e coopere nas decisões para reconstrução do país que se precisa ter.

 

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