O Brasil patina e pode patinar ainda mais

Um dos maiores economistas da América Latina, Andrés Velasco teme a vitória do populismo nas próximas eleições do Brasil. E afirma que o futuro do país depende de ajuste fiscal e investimento

Voz reconhecida no cenário mundial, Andrés Velasco esteve em São Paulo para falar a 200 empresários sobre o comportamento do mercado e a difícil tarefa do próximo governo brasileiro: fazer o país crescer. O painel com o ex-ministro das Finanças do Chile abriu a Confraria de Economia promovida pelo Experience Club sob a curadoria da Revista VOTO, no dia 7 de agosto. O professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, também alertou para o risco do populismo diante da profunda falta de credibilidade das instituições daqui.

“O problema número 1 do Brasil tem sido o baixo nível de poupança. Historicamente, sempre que o país começa a crescer, a demanda interna puxa mais importações, o que aumenta o déficit externo e, a partir disso, a dívida sobe, o mercado fica nervoso e os investimentos começam a cair, freando a economia”, disse.

Outro dado trazido à luz pelo economista foi o encolhimento de produtividade e geração de trabalho na América Latina. Enquanto esse índice cresceu em média 1,7% ao ano na Ásia, os países latinos apresentaram queda de 0,2% ao longo dos últimos 57 anos. Nações desenvolvidas registram percentual médio de 0,8%. Para Velasco, esse entrave precisa ser atacado de frente pelo próximo governo, pois se trata do freio principal da economia.

Com o período eleitoral, Velasco assume que o maior desafio do país é estrutural e requer um longo e duro trabalho de fortalecimento das instituições, bem como reformas fiscais. “Se aparecer algum político e disser que resolverá tudo rápido e sozinho, é mentira. Armadilha populista”, enfatizou.

Após o painel – que posteriormente teve a presença dos economistas de três presidenciáveis: Persio Arida (de Geraldo Alckmin), Gustavo Franco (João Amoêdo) e Mauro Benevides Filho (Ciro Gomes) – Velasco concedeu entrevista exclusiva à Revista VOTO. Confira:

Essa crise de confiança e de legitimidade que o brasileiro tem no governo, indicado por várias pesquisas de opinião, influencia na abertura de novos mercados internacionais?

Creio que não. A crise política brasileira é um problema apenas brasileiro. Não é um problema internacional. Obviamente, a primeira coisa que o Brasil precisa fazer é reconstruir a confiança do brasileiro no governo. Isso permitirá fazer as reformas econômicas capazes de desenvolver novos produtos e abrir novos mercados. Mas, primeiro, é preciso reconstruir a relação dos brasileiros com o seu governo.

O Brasil é um grande exportador de soja e de proteína animal. A agricultura puxa a economia para cima. O senhor percebe que existe aqui capital humano qualificado capaz de guinar outras áreas de exportação?

Claramente a agricultura no Brasil, na Argentina ou no Chile é altamente tecnológica. Não é a agricultura tradicional. Seja na soja, no açúcar, na carne, se requer conhecimento técnico de agricultura e, também, conhecimento de marketing, dos mercados, de transporte, de logística. Creio que o Brasil, como a Argentina, o Uruguai e o Chile, começou a desenvolver os talentos e o capital humano necessários. Acredito que ainda nos falta, em todos os países da América do Sul, dar mais atenção ao ensino técnico. Prestamos demasiada atenção somente à educação universitária. Quando se der mais ênfase ao ensino técnico, outras áreas crescerão.

Consultores econômicos dos presidenciáveis afirmam que a economia do setor público frustra, e a do setor privado inspira. O que as empresas têm a ensinar para a política brasileira?

O setor corporativo no Brasil – e em qualquer parte do mundo – depende do clima político e das políticas públicas. Evidentemente que, no Brasil, o problema principal é político, e o problema econômico principal é o desequilíbrio nas contas públicas. Mas aí o setor corporativo também tem um papel a ajudar. Primeiro como fonte de debate e informação, como vimos aqui. E, segundo, colaborando com as reformas. As reformas se fazem a partir da política, mas envolvem atores sociais, empresariais e sindicais. E acredito que o setor corporativo poderia ter um papel mais proativo, pró-reforma e pró-moralização da política e, também, pela atividade empresarial.

Se estivesse à frente do Ministério da Fazenda do Brasil, quais seriam as medidas emergenciais a serem tomadas? E quanto tempo poderíamos prever para que o Brasil entrasse num rumo diferente?

É mais ou menos evidente que há duas prioridades urgentes, imediatas. Uma é a reforma fiscal, global, tributária, e a segunda é a reforma da Previdência. Obviamente uma e outra estão muito relacionadas. Agora, ninguém pode pensar que os resultados de uma ou de outra reforma serão imediatos, porque são reformas grandes, caras, tecnicamente difíceis, politicamente difíceis. E, portanto, há que se entender que os efeitos serão globais. E, por isso, o mundo político, o mundo empresarial e o mundo corporativo têm de demonstrar que podem esperar os resultados. Se há um político que diz “vote em mim porque sou capaz de mudar tudo em 24 horas”, esse político está mentindo.

Como os passos e as decisões do presidente Donald Trump influenciam a economia brasileira diretamente?

Diretamente, não. Talvez o mercado da soja, porque a China é um grande comprador, e se os Estados Unidos vendem menos ao país asiático ou se há restrições na China para a compra dos americanos, isso poderia ser benéfico para o mercado brasileiro. Esse é o único impacto direto. Mas, evidentemente, também há impactos indiretos, que têm a ver com os preços das commodities e com a velocidade de crescimento da economia mundial. E é mais ou menos claro que há um certo impacto das políticas protecionistas de Trump – e da resposta da China – no crescimento mundial. E isso, indiretamente, afeta o Brasil e afeta a América Latina.

Alguns candidatos à Presidência defendem que o Brasil foque em acordos internacionais mais assertivos. Hoje, o que vale a pena?

Todas as aberturas de mercado são importantes. Portanto, não se trata de dizer “esta sim, esta não”. Evidentemente que a América do Sul é importante, o Mercosul deveria ser um bloco muito mais aberto ao resto do mundo. Me parece muito importante a convergência do Mercosul com uma parte da Aliança do Pacífico, com México, Colômbia, Peru e Chile. Mas também é possível pensar em convergência e integração com o bloco da América do Norte, especialmente com México e Canadá. E também a Europa. Se olharmos para o caso do Chile, o Chile tem acordos com China, Índia, Coreia do Sul, Pacto do Pacífico, onde estão Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailândia. Quer dizer, há muitas oportunidades no mundo para abrir mercados. O Brasil é um país grande, influente, e por isso a decisão está do lado do Brasil. Se o Brasil quer participar do processo de abertura, o mundo irá acompanhá-lo.

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