O campeão do mundo nas urnas

O eleitor suíço não se cansa de votar. Além das eleições regulares, há até quatro consultas populares por ano. Sem obrigatoriedade, a presença varia de 40% a quase 80% – dependendo do tema em discussão. Nas eleições, metade dos cidadãos em idade para votar (18 anos) comparece. Essa proporção não preocupa nem aponta qualquer sinal de fragilidade política. Pelo contrário, a liberdade de participar ou não garante ainda mais legitimidade ao processo.

No Brasil, a ausência de eleitores nas urnas e a ameaça de elevado percentual de votos nulos e brancos a cada eleição causa preocupação entre políticos e estudiosos quando um pleito se aproxima. “Suíça e Brasil apresentam uma situação bastante distinta no quesito dos votos nulos e brancos, mas bem simples de entender pelo fato de que o suíço não é obrigado a votar”, afirma Rolf Rauschenbach, cientista político com pós-doutorado na área.

É de longe a nação com a experiência mais duradoura e completa em processos de democracia direta. No Brasil, a política, com um rastro interminável de corrupção e um leque de mais de 30 partidos políticos – como se houvesse tantos campos ideológicos diferentes –, proporciona insuficientes melhorias à vida do brasileiro. Um cenário desses, de certa forma, faz o eleitor concluir que a participação faz pouca diferença depois de passados quatro anos de uma legislatura.

“Parte da população não quer votar porque não se identifica com a política e com os candidatos. E, então, quer mostrar que não concorda com a votação optando por branco ou nulo”, avalia Rauschenbach. Ele é conhecedor da realidade nacional porque lecionou e pesquisou durante quatro anos na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).

Na última eleição para o Parlamento suíço, em outubro de 2015, a presença dos eleitores chegou a 48,5% – patamar semelhante às votações anteriores, em 2011 e 2007, e um pouco maior do que 2003 e 1999. Em relação às consultas, a maior participação foi em dezembro de 1992, com 78,7%, na decisão sobre a adesão ao Espaço Econômico Europeu. A proposta foi rejeitada – entre outros motivos – porque havia a preocupação que, se aprovada, resultaria, ao longo do tempo, no ingresso na Comunidade Europeia (hoje União Europeia). A tendência seria a redução nas consultas populares com muitas decisões passando a sair do Parlamento europeu.

Sem a obrigatoriedade de ir às urnas, brancos e nulos ficam em torno de 1%. Conforme Rauschenbach, que trabalha em Zurique como consultor em estratégias para governos, os votos nulos derivam de cidadãos que não preencheram as cédulas corretamente. Os votos brancos podem ser interpretados como indicativo de que o eleitor quer se mostrar participante, mas entende não ter elementos suficientes para tomar uma decisão.

Democracia direta

O país europeu é a primeira democracia moderna que introduziu processos de participação direta do eleitor. A Constituição de 1848 entrou em vigor somente depois de uma decisão popular e atribuiu ao eleitorado o poder de convocar uma Assembleia Constituinte.

Apesar da população (8,3 milhões) bem menor do que a do Brasil (208 milhões), a Suíça tem maior diversidade em seus 26 cantões (estados). O multiculturalismo já começa pelos quatro idiomas oficiais em seus 41,3 mil quilômetros quadrados – extensão territorial pouco menor do que o Espírito Santo.

“Forma-se um ciclo virtuoso pelo fato de que a população pode participar de todos os processos, e existe interesse. Há motivação de se informar sobre os assuntos. Isso é extremamente importante para a renovação na política”, descreve o especialista. Outra característica do país europeu é que o baixo nível de corrupção eleva a confiança dos eleitores na política.

Voto pelo correio

A iniciativa popular permite a apresentação de modificações constitucionais introduzindo um artigo ou suprimindo outro. Para uma iniciativa ser submetida ao voto popular, é necessário coletar 100 mil assinaturas entre eleitores no prazo de 18 meses. A aprovação de uma mudança na Constituição requer a maioria dos votos globais e ao mesmo tempo a aprovação na maioria dos cantões.

Dessa forma, são organizadas consultas com frequência bastante elevada. Desde 1989, ocorreram 106 decisões obrigatórias e 122 decisões a pedido do eleitorado, das quais 99 foram para emendas constitucionais. Analisando um período maior, desde 1848, mais de 600 consultas no plano federal contaram com a participação dos eleitores.

No Brasil, a partir da promulgação da Constituição de 1988 foram realizados um plebiscito sobre a forma e o sistema de governo (em 21 de abril de 1993) e um referendo sobre a proibição da comercialização de armas e munição (23 de outubro de 2005). No mesmo período, houve a apresentação de cinco iniciativas populares de lei. Quatro resultaram em nova legislação, como a Lei da Ficha Limpa.

Se o brasileiro conta com a urna eletrônica, o suíço tem a facilidade de enviar o voto pelo correio. Semanas antes da votação, o eleitor recebe em casa o kit para votar, com justificativas descritas para o “sim” e o “não”. Outra opção é levar o voto à urna no fim de semana da eleição. Seja qual for o caminho, o suíço não se cansa de votar porque vê que o ritmo acelerado das mudanças globais exige um país atualizado, e não parado no tempo.

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