O desafio da estabilidade, livro de Gustavo Franco

Poucos países viveram extremos tão intensos em relação a suas moedas como o Brasil do século 20. Embora a chamada hiperinflação – tecnicamente, um aumento de preços de mais de 50% ao mês – só tenha sido verificada por um breve período, na passagem de 1989 para 1990, foram quase duas décadas sob aquilo que é definido por economistas como “inflação muito elevada”. Entre abril de 1980 e maio de 1995, foram 182 meses com elevação de 100% ao ano.

Após seis moedas, diversas crises cambiais, planos econômicos e cabelos brancos de intelectuais e governantes, foi o autor de A Moeda e a Lei que conseguiu debelar – ou, pelo menos, adormecer – esse flagelo nacional. Ao lado de um talentoso grupo de economistas, sob a liderança do então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, Gustavo Franco esteve por trás de um consistente e bem-sucedido programa de estabilização monetária: o Plano Real.

À época, Franco era um jovem e promissor economista da PUC-Rio, levando a tiracolo sua tese de mestrado sobre a hiperinflação alemã durante a República de Weimar. Tinha a consciência da complexidade da tarefa de terminar com um processo social tão vicioso como o que o país vivia. E, justamente por isso, sabia que o problema não seria solucionado como em um passe de mágica.

“Um dos mitos mais populares e recorrentes sobre o assunto é a crença romântica em um pacote redentor, que ocasiona o fim súbito desses episódios, como se houvesse uma “bala de prata”, ou um nível suficientemente elevado de desagregação monetária que faria com que uma providência simples resolvesse todos os problemas na origem do processo. É como se a hiperinflação fosse, ao fim das contas, uma disfunção trivial no âmbito da qual algumas autoridades mal-intencionadas apertassem os botões errados ou, por qualquer motivo, deixassem de agir para evitar coibir os excessos.”

Eis a grande questão levantada em A Moeda e a Lei: mais do que detalhar, em quase 900 páginas, os pormenores dos planos que mexeram com a economia do Brasil ao longo do século, Franco aponta o imediatismo, a ansiedade e a fragilidade democrática do país como causas indissociáveis de seus problemas. Afinal, como destaca o autor, “o dinheiro é uma construção social que se confunde com a comunidade que lhe dá existência”.

O livro analisa um período de exatos 80 anos. Inicia-se em 1933, quando o Brasil rompe como padrão-ouro (até então, o dinheiro era um talão de custódia de metais preciosos universalmente aceitos) e passa a adotar, a partir de decreto-lei assinado por Getúlio Vargas, a moeda fiduciária. Vai até 2013 – e, portanto, não investiga diretamente o período da crise que se iniciou em 2015.

Dono de um texto agradável, de argumentação sagaz e conhecimento histórico notável, Gustavo Franco talvez guarde sua análise sobre a turbulência econômica vivida no Brasil nos últimos anos para um novo livro. Que assim seja: como bem demonstra A Moeda e a Lei, a resposta às adversidades passa pela construção de consensos, pela administração de divergências e pela conscientização da população sobre causas e efeitos das decisões de seus governantes. Um dos pais do plano econômico que segue estável no Brasil após um quarto de século ainda tem muito a nos ensinar.

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